Sofia Maria Ipiadis, dona-de-casa paulistana de 42 anos, sofreu uma agonia de sete minutos de que ela irá se lembrar pelo resto da vida. O nervosismo fazia sentido. Ela precisava garantir os R$ 300 mil oferecidos como prêmio por sua participação no Show do milhão, o programa de perguntas e respostas, comandado por Silvio Santos, que se transformou em verdadeira mania nacional. A questão era qual o primeiro nome do pintor pré-impressionista francês Paul Cézanne. Sofia não sabia, embora naquele pequeno espaço de tempo parecendo uma eternidade tenham lhe passado pela cabeça todos os fascículos dos Grandes mestres da pintura, que colecionara na juventude. “Abri a boca para chutar uma das alternativas, estava pronunciando Jacques, quando não sei por que falei Paul”, conta. Aflitíssima e tremendo, Sofia cerrou os olhos e só soube que havia acertado pelos gritos do auditório. Todo o seu abalo, no entanto, não foi visto diante das câmeras pelos quase 30 milhões de telespectadores que sintonizam o SBT a cada uma das três edições semanais do novo fenômeno televisivo. Desabando sobre a bancada de acrílico transparente à sua frente, ela obrigou o apresentador a chamar os comerciais. Surpreso, Silvio tentou acudi-la. “Quer uma água?”, ofereceu. A resposta foi desconcertante. “Não, quero tomar um porre.” Refeita, embolsou o dinheiro e saiu saltitante, certa de que podia realizar pelo menos dois desejos: conhecer a Grécia, terra de seus pais, e adquirir um bom plano de saúde.

Ela fez muito mais. Em sua residência na Vila Carrão, zona leste de São Paulo, os sinais da repentina riqueza são visíveis. Renovou a pintura das paredes, trocou os móveis, recauchutou a casa da família na Praia Grande, litoral paulista, e estacionou na garagem um confortável Corolla zero-quilômetro. Ah!, para a alegria geral da família também comprou um cachorro bassê por R$ 250. São tipos cativantes como Sofia que constroem parte do sucesso do Show do milhão, que já atingiu picos de audiência de 34 pontos e vem sistematicamente batendo a Rede Globo em várias noites, com médias superiores a 20 pontos, de acordo com a medição do Ibope. Sofia integra uma legião de pessoas comuns, cheias de sonhos comuns, com os quais o público se identifica e torce. Em seu primeiro final de semana como nova-rica, ela se lançou numa ansiada aventura consumista. “Entrei numa loja onde sempre ia com o dinheiro contado e mandei descer todas as roupas, comprei bermuda até para o vendedor. Tive o gostinho de preencher um cheque de R$ 800”, lembra.

A dona-de-casa pertence a um sortudo time de gente com a empatia necessária para ser valorizada por Silvio Santos. “Eu jogo com o candidato. Não sei as respostas e muitas vezes fico na dúvida, pois se não fosse assim eu seria um ator”, contou Silvio a ISTOÉ, com a certeza de ser ele o verdadeiro trunfo do Show do milhão, hoje seu maior xodó e, segundo o próprio, seu trabalho mais reconhecido em 40 anos de carreira. Rita Lee, fã incondicional do game show, vibra com a postura nada isenta do apresentador. “Curto o lado generoso do Silvio, quando ele ajuda descaradamente os candidatos mais necessitados. Eu também adoro o bocão de Mick Jagger dele. Junto com o Chacrinha, o Silvio é o maior mestre-de-cerimônias da tevê brasileira”, exulta. Otávio Mesquita, apresentador da Rede TV!, é outro famoso que compartilha da mesma admiração. “Ele tem uma maneira singular de conduzir o programa apenas com o olhar. Demonstra que quer ajudar a pessoa, torce por ela e fica com uma expressão de tristeza quando ela erra.” A exemplo de muita gente, Mesquita também incorporou os jargões do programa. Quando foi pedir à namorada, Janaína Barbosa, para ser sua noiva, lascou: “Posso perguntar?”, frase com que Silvio leva seus candidatos ao paraíso ou ao inferno. Janaína não se fez de rogada e retrucou: “Prefiro consultar os universitários”, numa alusão às diferentes trincas de estudantes escaladas para ajudar os candidatos a cada programa, todas com a péssima fama de fazerem exatamente o contrário.

Silvio contemporiza. “O índice de acerto dos universitários é maior que 80%, o que ocorre é que somente os erros chamam a atenção”, justifica. Para provar sua tese, ele lança mão dos números, levantados a pedido de ISTOÉ. Foram feitas 250 perguntas aos universitários, eles acertaram 164 e erraram 16. Mas é bom lembrar que também deixaram de responder a 70 delas. A estudante Sibele Toledo, 21 anos, ex-participante, reconhece que muitos dos universitários realmente fazem feio. Seu namorado, Diego Valdívia, que a acompanhou no Show do milhão, ao contrário, defende a categoria. “A pior posição é dos universitários. Se você fez faculdade, é porque seu pai lhe deu educação, então você não pode errar. Ainda mais num país onde 90% das pessoas não têm acesso ao ensino superior”, reflete. Embora se expondo de maneira negativa, os estudantes se divertem indo ao SBT. Ganham fama repentina e R$ 100 de cachê. Valmir Dobroca, 21 anos, recorda que era reconhecido em toda “balada”, depois de aparecer no programa. Mas, para eles, há um lado ruim. É o figurino. “Ficamos patéticos naqueles smokings”, diz Valdívia. Com as garotas, a situação piora. Sibele recusou-se a vestir uma “saia merengue”, daquelas fofas e armadas. “Preferi um corpete cinza.”

Mesmo não ajudando os participantes como deveriam, os universitários não impediram que Silvio entregasse – desde novembro de 1999 – prêmios no total de R$ 17.653.976. Uma ninharia em comparação aos lucros auferidos pelo apresentador em decorrência do programa. Para simplesmente sonhar com o patamar de R$ 1 milhão, o candidato é obrigado a comprar por R$ 3 a Revista do SBT, cuja tiragem mensal é de 1,9 milhão de exemplares. As vendas giram em torno de 1,5 milhão. Há, porém, outros superlativos, a exemplo do CD-ROM que reproduz todo o jogo televisivo, com direito a participação virtual de Silvio Santos. Segundo suas contas, já foram vendidas 780 mil unidades do joguinho. Uma outra alavanca lucrativa são as balinhas do Show do milhão, com uma perguntinha dentro da embalagem. Ao preço de R$ 0,10 e no embalo da curiosidade gerada, elas até o momento atingiram a impressionante marca de 100 milhões de unidades vendidas.

Não é à toa que o conhecido sorriso de Silvio Santos – que já deu uma força à natureza fazendo duas plásticas no rosto – está cada vez mais largo. Ele adora ganhar dinheiro e se divertir com suas colegas de trabalho e, para tanto, cumpre um ritual definido. Antes de chegar ao SBT, invariavelmente passa no salão do cabeleireiro e amigo Jassa, no bairro do Itaim, zona sul de São Paulo. Depois, segue para o trabalho dirigindo um Lincoln Continental 1993 blindado, branco, de teto verde, equipado com GPS, um aparelho que, através de uma constelação de satélites, permite a localização do carro em qualquer ponto do planeta. Já no SBT, ele próprio faz questão de “esquentar” o auditório do Show do milhão. Aproxima-se de algumas pessoas na platéia, faz brincadeiras e conta piadas maliciosas. Em seguida, convida a todos para fazer “ginástica”. Pede que coloquem a mão direita no ombro esquerdo e vice-versa. “Como eu não posso abraçar todas vocês, sintam-se abraçadas”, diz, derretendo-se em agradecimentos. É um artifício antigo, mas sempre funciona.

Diante dos candidatos também faz suas mesuras. Os 12 ficam numa sala, separados dos três universitários – já houve casos de eliminados por causa dos estudantes quererem tirar satisfação com eles. Como a maioria dos participantes vem de outros estados, eles se hospedam em bons hotéis de São Paulo, com despesas pagas. Também recebem R$ 300 de ajuda de custo. Chegam três horas antes da gravação, passeiam pelo Complexo Anhanguera, onde estão os estúdios da emissora, são maquiados e depois permanecem à espera do homem do baú, numa sala com mesa farta de sanduíches e acepipes. Enquanto aguardam, alguns enfiam os sanduíches nas malas e sacolas sob os olhares condescendentes dos garçons. Ao chegar, ele cumprimenta um a um, repetindo o nome que lê no crachá, e explica as regras. “Digamos que é a mesma tensão de um aluno antes da sua prova final na escola”, define Silvio.

Todas as perguntas são enviadas por internautas. Chegam 60 mil por dia e até o momento acumulam cerca de dez milhões. Um computador elimina as questões iguais, enquanto cinco pessoas fazem a checagem das respostas e a correção ortográfica. Mas nem sempre acertam. Já se viu no vídeo a palavra descanso grafada com “ç”. Após a triagem, elas são enviadas a um outro computador, que as divide em 16 níveis de dificuldade e as lançam aleatoriamente. Apenas um técnico tem acesso ao aparelho, que é desconectado da rede do SBT para evitar possíveis ataques de hackers. Não é por acaso que o apresentador vem estimulando o uso da internet pelo público. Há uma enorme excitação no mercado em torno de um novo e ambicioso projeto de Silvio Santos. Utilizando-se de estratégias parecidas com as do carnê do Baú da Felicidade, o apresentador-empresário pretende vender computadores para as classes de menor poder aquisitivo. Também quer lançar em breve um portal para concorrer com o Globo.com. É uma segunda investida de Silvio no setor de informática. Seu portal Sol não deu certo e, até ser vendido, acumulou um prejuízo de quase R$ 40 milhões. Mas continua sendo o endereço eletrônico do SBT.

Nível – Por enquanto, os reflexos da participação dos internautas no Show do milhão são sentidos de outra forma. Eles elevaram o nível das perguntas, que se tornaram mais elaboradas e perigosas. Além do entretenimento, também trazem algum valor educativo. Pelo menos para algumas pessoas, como o jogador de futebol colombiano Faustino Asprilla, atualmente no Fluminense carioca. Quando não assiste ao programa, Asprilla não desgruda do CD-ROM, onipresente em seu laptop. “Melhoro meu vocabulário em português, a cultura geral e descubro histórias brasileiras”, confessa. Há, no entanto, quem desaprove os efeitos pedagógicos desta mania. Um deles é o professor Pasquale Cipro Neto, famoso pelos comerciais nos quais ensina regras de português. “Acho tudo muito imediatista. Tem uma forma muito simples, é meio primitivo, mas concordo que já é alguma coisa, melhor do que nada.” Ele aponta como defeito o fato de nunca aparecer as respostas das perguntas que os candidatos pulam. A apresentadora Carla Perez costuma ter chiliques quando isso acontece. “Fico revoltada, intrigada e começo a discutir com o Xandy (namorado e vocalista do grupo Harmonia do Samba) qual teria sido a resposta certa.”

É esta curiosidade que tem garantido ao Show do milhão uma audiência de respeito, quase religiosa, que começou como simples curtição cult e hoje atrai todas as camadas sociais, incluindo as classes A e B, normalmente avessas à programação do SBT. Não há dúvida de que a atração é mesmo divertida e hipnótica. Mas, apesar de divertido, o programa também expõe as mazelas culturais do povo brasileiro. Muitos candidatos não sabem responder perguntas muito óbvias como nomes de livros conhecidos, de movimentos artísticos ou até mesmo significados de palavras usadas no cotidiano de qualquer pessoa com um pouco mais de acesso à informação. Outros contam com o fator sorte e uma boa dose de inteligência. Se não sabem a resposta exata, vão por dedução. Manoel Ildon de Pina, goiano radicado em Tocantins, é um voraz leitor de tudo, principalmente de jornais. Também adora palavras cruzadas. “Não gosto de jogo nem de megasena, mas minha mulher pediu que eu comprasse a revista, embora achasse uma bobagem.”

Assédio – Fiscal do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em Palmas, Pina se surpreendeu ao receber uma ligação do SBT “com uma marchinha de Carnaval no fundo”. Feliz, viajou a São Paulo acompanhado de uma das filhas. Pina chegou aos R$ 400 mil e não quis correr o risco de responder a uma pergunta que – ele garante – tinha 90% de certeza da resposta. A questão era o que é denunciativo? “Já tinha ganho muito dinheiro, fiquei na dúvida e desisti. Até agora não olhei no dicionário para saber qual o significado certo.” A resposta é: aquele que denuncia, denunciador. O dinheiro ganho por Pina foi providencial. Parte dele serviu para repor o maquinário e o gado da sua fazenda. O resto vai ser aplicado em imóveis. Dificuldade mesmo está sendo driblar o assédio das pessoas. “Pior é gente que pede dinheiro emprestado ou oferece sociedade. Já quiseram que eu fosse sócio de uma fábrica de telhas ou montasse uma granja.”

Até o momento, o prêmio máximo foi de R$ 500 mil. Ninguém chegou ao R$ 1 milhão do programa inspirado no americano Who wants to be a milionaire?, que por sua vez copiou com o mesmo nome a fórmula do game inglês. “Mas o formato que exibimos é diferente”, adverte Silvio. “É o único no mundo que tem as opções do arrisca tudo, cartas, placas e universitá rios.” Na questão dinheiro, muita gente pensa que os candidatos levam barras de ouro de verdade. Elas são apenas pedaços de madeira revestidos de papel dourado. O valor do prêmio real corresponde à cotação do ouro no mercado financeiro. A barra pode ser um recurso cenográfico. Mas no caso particular de Silvio Santos – um midas do show business – tudo o que reluz é realmente ouro.