Às 13h22 da tarde da sexta-feira 14, o aparelho de fax da redação de ISTOÉ em São Paulo recebeu do Ministério da Fazenda carta assinada por Pedro Sampaio Malan, ministro da Fazenda. A seção de cartas da revista, local apropriado para a sua publicação, havia sido fechada na quarta-feira como normalmente acontece, o que remeteria sua publicação para a próxima semana. Nela, o ministro contesta grosseiramente reportagem dos jornalistas Andrei Meireles, Mino Pedrosa e Sônia Filgueiras, da edição passada, que dava conta da presença do ministro na sala do Banco Central no dia 15 de janeiro, onde se decidia o socorro aos bancos Marka e FonteCindam. Dado o teor da carta e o seu tom, contrastante com a habitual elegância e polidez do ministro, usamos este espaço, normalmente reservado ao editorial e ao índice da revista, para publicá-la com a nossa resposta.

Ilmo. Sr.
Hélio Campos Mello
Diretor de Redação
Revista ISTOÉ

Senhor Diretor,

Se "ISTOÉ" tivesse pretendido escrever uma grande mentira e não uma reportagem não teria sido tão perfeita e competente como foi com a montoeira de invenções e sandices escritas a meu respeito na edição nº 1545, de 12 de maio.

Mentiu em letras garrafais logo no título "Malan sabia", acusando-me não só de ter sido informado como de ter aprovado a operação de socorro do Banco Central aos bancos Marka e FonteCindam.

Como já disse várias vezes, não soube e muito menos participei de qualquer reunião, discussão ou decisão sobre este caso. Desafio qualquer um a dizer na minha cara que participou comigo de reunião, discussão ou decisão sobre este assunto.

Não é nenhuma novidade que estive no Banco Central na manhã do dia 15 de janeiro. Este fato foi amplamente noticiado na época. Fui lá exclusivamente para discutir a mudança cambial, e nenhum outro assunto me foi trazido à mesa, na sala de reuniões da Diretoria de Política Monetária do Banco Central. Dali saí poucas vezes para consultar terminais de computadores, e apenas isso, na sala ao lado. Fui e voltei, não falei com ninguém, ou transitei por outra suposta reunião na sala ao lado, que é muito ampla.

Tirar daí a conclusão de que eu teria participado de reuniões ou de decisões sobre o Marka e o FonteCindam, ou de que essas decisões teriam sido tomadas na minha presença, é de uma irresponsabilidade tão primária que desqualifica a revista e a põe em primeiro lugar na fila para registrar a patente de um atraso do jornalismo: a mentira com múltipla escolha, tantas são as contidas no texto dessa edição. Atribuí-las a fontes anônimas da Polícia Federal ou do Banco Central é mais do que irresponsabilidade e leviandade: é covardia.

Os fatos que se seguiram provaram que não há uma evidência de que essas informações possam ser procedentes. O texto de "istoé" só tem ilações, suposições, fantasias. O ministro da Justiça, Renan Calheiros, a quem está subordinada a Polícia Federal, encarregada das investigações, deu um atestado público dessa coleção de mentiras: disse publicamente que não há, nos depoimentos tomados, sequer alusão ao fato de que eu haveria tido conhecimento da operação do Marka e do FonteCindam.

Nem preciso recorrer à Lei de Imprensa para exigir que "istoé" faça correção de seu acintoso erro, porque os seus leitores sabemos que a orientação editorial da revista é fazer reportagens sérias, corretas e com conclusões fundamentadas, e não panfletos ou provocações juvenis. Como a revista teve a ousadia da acusação mentirosa, espero que espontaneamente tenha também a grandeza do reconhecimento do erro, diante dos danos morais que me causou.

Com os mais indignados protestos,

Pedro Sampaio Malan
Ministro da Fazenda

 

ISTOÉ responde

ISTOÉ alcançou respeitabilidade levando aos seus leitores a verdade. A reportagem de istoé baseou-se em informações obtidas junto a quatro fontes. Dois funcionários do Banco Central e dois da Polícia Federal. A presença do ministro nas dependências do BC no dia 15, nas circunstâncias relatadas pela revista, apenas confirma as informações. Ao contrário do que interpreta o ministro, até o momento, istoé entende que os fatos só contribuíram para fortalecer a reportagem.

1 – istoé afirmou que no dia 15 de janeiro o ministro Pedro Malan se encontrava no mesmo andar onde a equipe do Banco Central concluía a discussão sobre o socorro aos bancos Marka e FonteCindam. O depoimento prestado na PF pela procuradora Fátima Regina Máximo Martins mostra que o ministro não só estava no mesmo andar, como chegou a ocupar a mesma sala onde se desenrolavam as discussões a respeito da operação. É tarde para o ministro falar em acareação com a funcionária. O que ela tinha a dizer está no depoimento. Aliás, na CPI, o ex-presidente interino do BC Demosthenes Madureira de Pinho Neto confirmou que Malan e Fátima de fato estiveram juntos naquele momento no mesmo ambiente.

2 – Se isto é ou não "participar da reunião" trata-se de uma discussão semântica diversionista para fugir do tema principal, na qual a revista se recusa a entrar. Nesta sala, a uma distância de aproximadamente cinco metros de onde estava o ministro, e naquele momento, foram feitos os acertos finais do socorro ao Marka e ao FonteCindam. A sra. Fátima Regina, que nada sabia sobre o socorro, disse que recebeu ali as instruções para redigir o voto que daria respaldo à operação. Os depoimentos colhidos pela CPI e pela Polícia Federal mostram que todas as pessoas com quem o ministro admite ter conversado sobre câmbio nos dias 14 e 15, com exceção de Amaury Bier, estavam diretamente envolvidas na operação de socorro aos dois bancos. O ministro também teve a oportunidade de presenciar, na mesa de um restaurante, diálogos por telefone entre o presidente do Banco Central Francisco Lopes e o diretor de Fiscalização do banco Cláudio Mauch sobre o assunto.

3 – O ministro Pedro Malan, além de ser, reconhecidamente, um competente economista, conduziu a parte decisiva do processo de renegociação da dívida externa brasileira, participou da elaboração do programa de estabilização e ocupou por 16 meses a presidência do Banco Central. Durante este período, assinou atos determinando a intervenção, liquidação ou falência de 12 instituições financeiras, entre elas os bancos Banespa e Banerj, casos sabidamente complexos financeira e politicamente. O ministro conhece as normas, as atribuições e o processo decisório do Banco Central e do governo.

4 – A decisão de ajudar os dois bancos baseou-se, segundo o governo, na necessidade de evitar a todo custo a eclosão de uma "crise sistêmica". istoé ficaria surpresa se as apurações revelassem que o ministro decidiu permitir a desvalorização cambial em um momento de crise sem ter a menor idéia dos riscos que a medida poderia representar para o sistema financeiro, de forma geral e específica, sem valer-se das informações disponíveis no Banco Central. istoé se recusa a acreditar que o ministro Pedro Malan seja desinformado, incapaz e tenha problemas de audição. Apesar das negativas do ministro, e baseada no acima exposto, istoé mantém a convicção de que o ministro sabia das duas operações. A revista desconhece, isto sim, os motivos que o levaram a ignorá-las.