18/12/2009 - 21:00
O ser humano sobrevive em ambientes tão distintos como o gelo do Ártico, o calor escaldante dos desertos africanos e as altitudes extremas do Tibet. Tudo isso graças à capacidade de modificar suas condutas e, ao mesmo tempo, o lugar que habita. Agora, a humanidade enfrenta o maior desafio de sua história: alterar seu modo de vida para salvar a própria existência – e o planeta. A tarefa se complica num dilema de coordenação: proteger o meio ambiente demanda uma série de ações tomadas em conjunto, enquanto que os esforços e custos de mudança dependem de atitudes individuais e imediatas. Cidadãos, empresas, governos. Todos precisam estar envolvidos.
Há medidas que podem e devem ser tomadas isoladamente e outras que precisam ser globais. O movimento verde – espalhado pelo Mundo e que é, hoje, bandeira política tanto de partidos de esquerda quanto de direita – procura estratégias mais efetivas para convencer o homem a modificar seu comportamento. Nessa busca, uma corrente pega emprestado da economia o conceito do interesse próprio, ou self-interest, segundo o qual as pessoas só atuam em busca de benefício para elas mesmas. A atitude ecologicamente correta estaria condicionada à percepção de que ela traz uma recompensa direta a quem a pratica. Para solucionar o problema ambiental, portanto, seria preciso criar incentivos à ação verde – como a redução dos custos de produtos ecologicamente corretos, a concessão de benefícios financeiros para quem poluir menos (como no mercado de créditos de carbono), e a divulgação da ideia, proveniente do marketing, de que ser verde é in. Eis aí um belo desafio para os novos tempos: encontrar maneiras eficazes de fazer com que a nova mentalidade verde mude a maneira de pensar, consumir e interagir de cada cidadão.
A tática do interesse próprio como incentivadora de ações individualistas é criticada por outros segmentos ambientais, segundo os quais a estratégia seria incompatível com o modelo de cooperação coletiva necessário para viver em harmonia com a natureza. Essa cadeia de pensamento defende que a proteção do meio ambiente faz parte de um plano de recuperação de conceitos como solidariedade, simplicidade, interdependência e vida comunitária, com a diminuição radical dos padrões atuais de consumo e o abandono de metas, como o crescimento econômico. “Enquanto o movimento verde continuar apelando para valores como o consumismo e o interesse próprio, partindo do pressuposto de que as pessoas são egoístas, ele será mal-sucedido em provocar as mudanças de comportamento necessárias, e corre o risco de se tornar irrelevante”, defende Tom Crompton, estrategista de mudanças da ONG ambiental WWF no Reino Unido, em entrevista a ISTOÉ. Ele alerta para a complexidade das ações isoladas: “Não adianta incentivar as pessoas a comprar veículos menos poluentes, se elas continuarem trocando de carro todos os anos.” Defensor de uma mudança radical de valores, o ex-assessor da Casa Branca James Gustave Speth, reitor da Escola de Estudos Ambientais e Florestais da Universidade de Yale, diz que a comunidade ambiental cresceu, mas o meio ambiente continua se deteriorando. Ele defende que “nossa tarefa vital é mudar os pressupostos da economia moderna antes que seja tarde demais”. Em tradução mais objetiva, o professor condena o capitalismo como é hoje. O problema ecológico seria, na verdade, uma resposta ao atual sistema econômico. E a solução estaria longe dele.
Na encruzilhada em que chegou a humanidade, talvez a motivação para agir seja, agora, o de menos. Por interesse próprio ou seguindo valores mais altruístas, cada indivíduo se torna responsável por tomar ações concretas em seu dia-a-dia e cobrar dos representantes a adoção de políticas que revertam a destruição do planeta. “A estrada ainda é muito longa”, diz Ana Cristina Barros, representante no Brasil da ONG ambientalista The Nature Conservancy. “Mas o caminho está apontado.” Uma pesquisa feita pelo Programa de Mudanças Climáticas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, traz um dado encorajador para nosso país: mais de 75% dos brasileiros estão conscientes do aquecimento global. Desses, 84% classificam o problema como uma ameaça séria. “Uma das coisas que me chamam a atenção sobre o Brasil é que a consciência sobre mudanças climáticas é mais alta que na maioria dos países em desenvolvimento”, afirmou o professor Anthony Leiserowitz, diretor do programa em Yale, a ISTOÉ.
Mas outro estudo do mesmo centro demonstra que essa preocupação nem sempre se traduz em ação individual ou pressão política. A pesquisa dividiu a população americana em seis categorias no que diz respeito às crenças, comportamentos e atitudes em relação ao aquecimento global. Entre os mais de dois mil entrevistados, 18% foram classificados como “alarmados”: convictos de que o aquecimento global é causado pelo homem e que prejudica seriamente a população, eles tomam medidas para minorar seu impacto no meio ambiente e defendem ativamente a adoção de políticas verdes. Um segundo grupo, com 33% dos entrevistados, é o dos “preocupados”: reconhecem que a mudança climática representa uma ameaça, mas tendem a agir pouco por pensar que as consequências são mais distantes, tanto geograficamente como no tempo. Os outros quatro tipos identificados — cautelosos, desengajados, indecisos e descrentes — somam quase metade da população. Eles não tomam nenhum tipo de medida quanto ao aquecimento global, pois consideram a questão pouco importante, não sabem se causará algum tipo de impacto ao ser humano, duvidam que as mudanças climáticas são causadas pelo homem e, até mesmo, que a temperatura média mundial está aumentando.“Suspeito que encontraríamos esses mesmos grupos em outros países, embora em percentuais diferentes”, afirma Leiserowitz.
A consciência ecológica começou a se espalhar pelo mundo a partir dos anos 60, com o movimento hippie pregando paz, amor e respeito pela natureza. A causa antes restrita a um bando de idealistas ganhou outra cara ao longo dos anos. Em 1972, a ONU fez sua primeira grande conferência ambiental, em Estocolmo, na Suécia. Mas foi a partir da Rio-92 que o tema deixou as salas de negociação para entrar na cabeça do público. “Naquele momento, ficou claro que salvar o planeta é uma responsabilidade de todos: dos governos, das empresas, dos cientistas, da sociedade, de cada indivíduo”, afirma Cristina Montenegro, representante do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente no Brasil (PNUMA). Muita coisa mudou nesse tempo. No entanto, como mostra a pesquisa de Yale, o desafio pela frente ainda é enorme. A diferença é que, agora, não é mais exclusivo do movimento verde. Somos todos responsáveis.
Longa caminhada
Confira cada passo que nós já demos em busca da consciência ecológica
1869 – O biólogo alemão Ernst Haeckel cria o termo “ecologia” para designar os estudos das relações entre as espécies e o ambiente.
1872 – Criado o primeiro parque nacional do mundo, Yellowstone, nos Estados Unidos.
1934 – Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, no Museu Nacional. Primeiro Código Florestal brasileiro.
1937 – Criação do Parque Nacional de Itatiaia, primeiro do Brasil.
1948 – Fundada na Suíça a primeira organização ambiental global, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
1956 – Desastre de Minamata, no Japão: centenas de pessoas morrem envenenadas por mercúrio despejado no mar pela fábrica de fertilizantes Chisso, e milhares são contaminadas.
1962 – Publicação de “Primavera silenciosa”, de Rachel Carlson, sobre os efeitos dos pesticidas no meio ambiente, livro que inspirou o movimento ambiental moderno.
1965 – Surge a expressão “educação ambiental” durante a Conferência de Educação em Keele, na Grã-Bretanha.
1968 – Um grupo de empresários, cientistas e políticos cria o “Clube de Roma”, para discutir a escassez de recursos em um mundo de consumo crescente.
1972 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo: a comunidade internacional se reúne pela primeira vez para discutir o desenvolvimento sustentável, no dia 5 de junho, que se torna o Dia Mundial do Meio Ambiente. Criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Clube de Roma publica o relatório “Os Limites do Crescimento”, defendendo uma revisão dos conceitos de progresso e crescimento.
1984 – Desastre de Bhopal, na Índia: vazamento de gases tóxicos fábrica de pesticidas americana Union Carbide mata centenas de pessoas e causa seqüelas graves em milhares.
1987 – Relatório “Nosso Futuro Comum” (ou relatório Brundtland), da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, define desenvolvimento sustentável e molda os princípios da Agenda 21.
1989 – O Protocolo de Montreal regula a produção e o consumo de substâncias destruidoras da camada de ozônio, principalmente os CFCs.
1992 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, também conhecida como Cúpula da Terra ou Rio-92. Adoção da Agenda 21 e da Declaração do rio (com princípios e plano de ação para o desenvolvimento sustentável), além da Declaração de Princípios sobre Florestas, da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas e da Convenção sobre Biodiversidade.
1997 – Adoção do Protocolo de Kyoto, no qual países industrializados concordam em reduzir em 5,2%, em comparação com os níveis de 1990, as emissões de gases que provocam o efeito-estufa
2000 – Na Cúpula do Milênio, em Nova York, países membros da ONU definem oito objetivos de desenvolvimento, inclusive a garantia de sustentabilidade ambiental.
2001 – Adoção dos Acordos de Marrakesh, na sétima Conferência das Partes, no Marrocos, definindo regras para o cumprimento das metas de redução de emissões previstas no Protocolo de Kyoto.
2002 – Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburgo, na África do Sul (Rio + 10): revisão dos avanços e obstáculos para implementação de compromissos assumidos em 1992 e plano de implementação de metas sócio-econômicas e ambientais.
2005 – Protocolo de Kyoto entra em vigor.
2006 – Lançamento do filme “Verdade Inconveniente”, do ex vice-presidente americano Al Gore.
2007 – Al Gore ganha o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho contra o aquecimento global, junto com especialistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (IPCC), responsável por diversas pesquisas e relatórios sobre o assunto.
2009 – Conferência do Clima em Copenhague.