A falta de coragem não costuma acompanhar os passos de Paloma Klysis. No ano passado, essa paulistana bochechuda de 18 anos, filha única de uma psicóloga e um especialista em gravação de CD-ROM, estudante do terceiro ano colegial, estava vendo na tevê um desses anúncios contra drogas quando teve a idéia de escrever um livro sobre viciados em crack. Nos últimos meses, visitou construções abandonadas, marquises, becos e casas da classe média paulistana em busca de relatos dos dependentes. Falou com dezenas de viciados de todas a classes, ouviu especialistas no tema e entrevistou a cantora Rita Lee, um de seus ídolos. Ela ainda procura uma editora, mas vale a pena, desde já, prestar atenção em algumas de suas conclusões. Muitos irão identificar, nas opiniões polêmicas dessa menina que não bebe e edita um jornal para jovens na Internet, as respostas para algumas das perguntas que jamais foram feitas aos próprios filhos. "Quem não se antecipa ao que rola na rua corre o risco de ser o último a saber das roubadas em que o filho se meteu", aconselha ela.

ISTOÉ – Por que você decidiu escrever o livro?
Paloma – Estava procurando um lance importante, que me fizesse sentir útil. No ano passado, veio a idéia de escrever um livro sobre o crack. Eu tinha feito dois textos para uma revista de jovens. Além disso, cuido de um informe da Rede Jovem, um movimento na Internet, ligado a um grupo chamado Aliança por um mundo responsável e solidário. Cheguei à conclusão de que escreveria um livro sobre o assunto com alguma qualidade. Tenho conhecidos que fumam maconha. Alguns passaram a fumar mesclado (mistura de maconha com crack) e depois encararam a pedra. Um camarada de 19 anos, filho de família com muita grana, está preso porque espancou um moleque que não quis dar dinheiro para ele.

ISTOÉ – Você entrevistou amigos?
Paloma – Não. Peguei as pessoas na rua. É preciso esclarecer isso porque já tem gente achando que os colegas de bairro e da escola são viciados. A primeira pessoa que eu peguei foi uma menina que fumava pedra num casarão próximo ao Shopping Paulista, em São Paulo. Ela estava grávida de dois meses e tinha muito medo do namorado, que pedia para ela arrumar dinheiro a qualquer custo. Levei a menina para uma lanchonete e gravei a entrevista. No final, dei R$ 3 para ela e mandei um beijo no seu rosto. Ela me respeitou, eu a respeitei e me senti a pessoa mais feliz do mundo.

ISTOÉ – O que mais te chocou?
Paloma – Fiquei espantada com um casal de rua. Eles devem ter entre 35 e 40 anos. O cara quebrou uma garrafa e meteu no pescoço da coitada. Ela também já fez um aborto por conta da droga, mas está grávida de novo. Tinha uma puta cicatriz no pescoço, os dentes corroídos. A cara do sujeito é toda esburacada. Esse camarada quase se matou. Estava na nóia (efeito do crack), brigou com a mina e pulou de uma espécie de viaduto. Estava alucinado. Acabou se quebrando todo em um gramado. Outro cara falou que olhava no espelho e não via o próprio rosto. O cara não se reconhecia no espelho, olha só! Eu fiquei muito orgulhosa de conseguir ganhar a confiança desses caras e ouvir as histórias deles.

ISTOÉ – E quais foram as suas conclusões mais importantes?
Paloma – Olha, a rapaziada precisa de informação. Não dá para continuar achando que seu filho vai aprender totalmente certo o que você nunca ensinou. É preciso que os pais se antecipem às discussões que rolam nas ruas. Chegar na boa e dizer: "Vamos trocar uma idéia. Não é a droga pesada que vai fazer a sua vida. Ela pode te dar um prazer inicial, mas vai acabar te levando para o buraco." O crack é a morte, deve ser condenado com todas as forças. Mas será que é melhor o filho tomar altos porres do que fumar um baseado? Eu defendo que os pais deveriam experimentar maconha para orientar os filhos com conhecimento de causa. Isso aproximaria pais e filhos e o combate às drogas destrutivas, como cocaína e heroína, seria bem mais eficiente. Eu acho que a maconha não é a principal porta de entrada para as drogas mais pesadas. Você já viu seu pai fumando um baseado na sua infância? O que você sempre vê são seus pais e amigos se afundando em cana e cigarro o tempo todo. A Rita Lee tem a mesma opinião, e só não experimentou com os filhos porque os meninos não têm o menor interesse. Quero falar para a playboyzada com a linguagem dela e, ao mesmo tempo, mostrar para os pais que nós não somos esses anjinhos desinformados que eles pensam que somos.

ISTOÉ – Vou fazer uma pergunta pessoal.
Paloma – Transei pela primeira vez pouco antes de fazer 17 anos e achei muito bom.

ISTOÉ – Mas eu não fiz a pergunta…
Paloma – Com essa introdução, é claro que a pergunta seria essa. Acho legal dizer que eu nunca transei sem camisinha. A borrachuda não atrapalha muito na hora da transa, mas colocar é um saco. O cara às vezes broxa e você também. Mas nada justifica não usar a camisinha.

ISTOÉ – Então vamos a outra pergunta pessoal. Você não teve vontade de provar crack durante as entrevistas?
Paloma – Eu sempre tive medo dessas coisas químicas, mas confesso que nunca tinha virado para mim mesma e dito: "Nunca vou experimentar." Depois da conversa com os caras, tomei essa decisão. Nunca cheirei. Não bebo. Já tomei goró (bebida), mas detesto. Não acho o gosto legal, não curto o barato. Tenho medo de crack, heroína e cocaína.

ISTOÉ – Como são as conversas sobre sexo com seus pais?
Paloma – Eles se separaram quando eu tinha 12 anos. Li muito sobre sexo, mas acho que eu e minha mãe conversamos pouco sobre o assunto. Normalmente, os pais têm medo de ver os meninos envolvidos com drogas e as meninas grávidas com pouca idade. Se um dia eu tiver uma filha, vou tentar me antecipar aos colegas e aos namorados em alguma coisa. Pais, não se iludam: hoje é quase impossível uma jovem urbana, de classe média, chegar virgem aos 18 anos. Por isso, é melhor aceitar a realidade e preparar os filhos para esse início. O raciocínio é o mesmo. Os pais que reprimem tudo ou se calam perdem o controle.

ISTOÉ – Você é a favor da monogamia?
Paloma – A obrigação de achar a alma gêmea, o companheiro para o resto da vida, não deveria existir, até porque é um negócio que pode dar um certo sofrimento se você não achar. Mas acho que a fidelidade deve rolar enquanto a coisa estiver de pé.