13/10/1999 - 10:00
O jardim voltou a dar flores. Num primeiro momento, essa frase não faz o menor sentido. Mas ela expressa exatamente o que acontece com pessoas que recuperam o prazer de enxergar. E, graças a uma nova técnica cirúrgica, muita gente tem de novo essa alegria. Trata-se do transplante de membrana amniótica, procedimento que utiliza um pequeno pedaço da membrana (que faz parte da camada interna da placenta humana) para restaurar a visão de quem sofre de doenças cicatriciais do olho. Essas moléstias são causadas por queimaduras com produtos químicos como a cal, a soda cáustica e a amônia, por uma grave reação alérgica a medicamentos (conhecida como síndrome de Stevens-Johnson), por uma doença auto-imune chamada Penfigóide, que ataca a mucosa do olho ou por traumas em acidentes. As vítimas têm o limbo (parte transparente do olho por onde a luz entra) destruído e o olho fica recoberto por um tipo de “pele” que impede a visão. “A córnea fica opaca, inflamada, com vasos sanguíneos na superfície”, explica o oftalmologista José Alvaro Gomes, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A cirurgia dura quatro horas em média. Primeiro é retirada a “pele” que atrapalha a visão. Em seguida, limpa-se o olho e o prepara para receber o limbo e a córnea de um doador (ela só é necessária quando a do receptor está danificada). A córnea é transplantada em primeiro lugar, depois é colocada a membrana amniótica e, por último, o limbo. “A membrana tem propriedades antiinflamatórias e cicatrizantes que ajudam a manter a regeneração das células da superfície do olho”, explica Gomes. “O olho é como um jardim. As flores são as suas células superficiais e, a membrana, o solo fértil.”
A equipe coordenada pelo oftalmologista já fez 20 transplantes usando a membrana e teve sucesso em 70% dos casos. Há nove anos, o caminhoneiro Elzio Oliveira, 38 anos, capotou o caminhão em que transportava cal. Ficou desacordado no meio da carga e teve os olhos queimados. Passou dois anos sem enxergar até receber, em 1992, um transplante de córnea no olho direito. “Enxerguei bem por cinco anos. Depois, ficou tudo escuro de novo”, conta Oliveira. Ele teve problemas com o transplante e voltou a ficar cego em 1997. Há cinco meses o caminhoneiro, recebeu um transplante de limbo, doado pelo irmão, junto com a membrana amniótica. Sua maior alegria foi poder ver os cinco filhos. “Fiquei muito emocionado. A molecada tava diferente”, lembra. “Não tem jeito. A gente chora mesmo.”