26/07/2000 - 10:00
O MST voltou a agitar. Na última semana, o País viu protestos contra a política agrícola do governo Fernando Henrique empreendidos pelo movimento em todos os cantos. Nas manifestações, chamadas de Levante do Campo, os sem-terra lavaram a Praça dos Três Poderes, ocuparam o Fórum de Teodoro Sampaio (SP) e o prédio inacabado do TRT, bloquearam estradas e pontes no Rio Grande do Sul e marcharam em passeatas por inúmeras cidades. Saldo: Francisco Aldemir Mesquita foi assassinado por pistoleiros em Ocara, a 87 quilômetros de Fortaleza (CE), e José Marlúcio da Silva morreu alvejado pela polícia, no confronto em frente da superintendência do Banco do Brasil, em Recife. E foi na capital pernambucana que a manifestação quase pegou fogo, literalmente. Armados de coquetéis molotov, cerca de 1500 trabalhadores invadiram e depredaram um navio africano atracado no porto da cidade. A intenção de atear fogo na carga – 11,6 mil toneladas de milho transgênico argentino – foi malograda, mas o movimento embarcou na polêmica questão sobre alimentos geneticamente modificados.
Um imbróglio judicial, travado pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), resultou na proibição da importação, do cultivo e da comercialização de transgênicos no Brasil. Só depois de uma guerra de liminares, o milho argentino pôde aportar no Recife. Para o MST, a utilização de produtos geneticamente modificados ameaça o pequeno agricultor. “Essas sementes não se reproduzem e pedem uma série de adubos e venenos específicos. O agricultor vai gastar mais do que pode e os transgênicos também exigem técnicas que eles não dominam”, explica Jaime Amorim, líder do movimento em Pernambuco. E completa: “O governo precisa olhar para o pequeno agricultor. Além disso, a comercialização destes produtos só favorece as multinacionais.” Uma delas, a Monsanto, teve a entrada de sua unidade gaúcha bloqueada pelos sem-terra na terça-feira 25, em Não-Me-Toque (RS). A empresa americana atua em 130 países e fatura US$ 9,15 bilhões por ano. No Brasil, ela tem bons aliados. O governo federal recorreu das decisões judiciais que proibiram a entrada de transgênicos no País até que se prove a segurança dos produtos e o ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, tem se esmerado na tentativa de liberar a soja modificada da Monsanto.
Mercado europeu – Atacando a política agrícola federal, ou a “falta dela”, como ironiza Amorim, o MST diz que sua nova causa é “pelo bem da humanidade e do futuro da agricultura brasileira”. No Rio Grande do Sul, o secretário de Agricultura do Estado, José Hermeto Roffman, guerreiro na luta contra os alimentos modificados, alerta para o risco da perda do mercado europeu se o Brasil insistir em importar o milho transgênico. “Os nossos frangos para a exportação não vão entrar na Europa se estiverem sendo alimentados com esse milho.” De fato, a União Européia tem restrições aos transgênicos americanos e argentinos, que o governo tanto quer fazer entrar no País. “Só a permissão da entrada daquele milho em Recife já chacoalhou o mercado lá. Vão surgir dificuldades para vender o frango”, prevê Hoffman.
Em comum, MST, Idec e Hoffman têm o mesmo discurso: “O governo pressiona a liberação para atender aos interesses americanos.” Já tem até quem fale em CPI dos Transgênicos. Marilena Lazzarini, coordenadora do Idec, quer que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a CTN-Bio, responsável pelos pareceres técnicos sobre os produtos, seja investigada. “A CTN-Bio não é transparente. Ela aprovou o milho argentino num parecer de quatro linhas, sem explicar como foram feitas as análises”, diz. É fato que o órgão adotou uma postura claramente favorável aos alimentos modificados. A própria presidente Leila Macedo Oliva já declarou que acha “quase impossível conter o avanço dos alimentos geneticamente modificados”. A polêmica ainda vai render muito. Depois do Levante do Campo, o MST avisa que não vai parar por aí e diz que pode optar por incendiar as lavouras transgênicas. João Pedro Stédile, principal dirigente do movimento, chegou a dizer que se os sem-terra fizerem isso estarão “dentro da lei”. Na última quarta-feira, preocupado com os coquetéis molotov utilizados pelo MST na invasão do navio, o ministro da Justiça, José Gregori, se reuniu com o secretário de Segurança Institucional da Presidência, Alberto Cardoso, para discutir o assunto.