24/05/2013 - 20:40
CONFUSÃO
Rumores sobre cancelamento do Bolsa Família
levaram centenas de pessoas às agências da Caixa
Na semana passada, o País assistiu a dois movimentos paralelos de realidades brasileiras que raramente se comunicam. Nas periferias de 13 cidades, beneficiários do Bolsa Família se desesperaram nas filas de agências da Caixa Econômica Federal para sacar os recursos destinados a famílias com renda per capita abaixo de R$ 140 por mês, motivados pela notícia de que a assistência seria suspensa. Na cúpula do poder em Brasília, ministros se apressaram em dizer que o boato era um ato político. Maria do Rosário, que comanda a Secretaria de Direitos Humanos, escreveu no Twitter que se tratava de um “ato da central de notícias da oposição”. O ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, colocou a Polícia Federal no caso e disse ter sido uma ação orquestrada. Irritada com o caos que se instalou, Dilma Rousseff criticou os boatos e fez campanha declarada em defesa do programa, antecipando o discurso eleitoral em defesa dos mais pobres. Ao longo da semana, entretanto, os governistas perceberam que era mais fácil falar em ações políticas do que provar que houve realmente uma mobilização de ataque ao Bolsa Família.
O governo pediu prioridade do caso à Polícia Federal, mas nos bastidores todos sabem que será difícil apontar um culpado. “Será como caçar borboletas. Você tenta, tenta e uma hora ou outra termina pegando alguma”, resume um agente envolvido nas investigações. Nos últimos dias, policiais encaminharam ofícios aos órgãos públicos responsáveis pelos repasses dos recursos e colheram depoimentos de beneficiários em pelo menos cinco Estados nos quais o tumulto foi intenso. A apuração prévia da PF mostra que o problema pode ter sido agravado por algumas fragilidades no sistema que comanda os repasses de um dos mais importantes programas de distribuição de renda do mundo.
Segundo as informações prévias, o problema começou em Manaus, quando algumas pessoas tentaram sacar o dinheiro, na sexta-feira 17, e não conseguiram. A causa para a dificuldade de saque pode ter sido a falta do recadastramento no programa, cujo prazo se esgotou em 28 de março. Segundo apurou a PF, as pessoas que não conseguiram retirar o dinheiro foram para os rádios relatar o problema e logo a notícia teria se espalhado e provocado uma corrida às agências.
ATO POLÍTICO?
Durante inauguração da Arena Pernambuco, Dilma Rousseff
criticou os boatos e defendeu o programa social
A confusão pode ter sido agravada por um erro operacional da Caixa, que vinha administrando o sistema de forma impecável. Em alguns Estados, o banco liberou o dinheiro antes da data normal prevista para os saques, e beneficiários entenderam a liberação como um bônus adicional do Dia das Mães. No Piauí e na Bahia, a Caixa instaurou sindicâncias para apurar se houve depósito de crédito indevido do benefício e o porquê de pessoas terem conseguido fazer duas retiradas em sequência.
Outras movimentações que serão apuradas se referem ao histórico de pagamentos do Ministério do Desenvolvimento Social. Dois empenhos foram cancelados no último mês e o último pagamento referente ao programa foi realizado na véspera da confusão. Em meses anteriores, essas liberações de recursos foram feitas pelo menos dois dias antes do prazo para os pagamentos, o que não teria ocorrido em maio. Segundo o ministério, os cancelamentos e as datas dos pagamentos não interferiram nos repasses. O ministério assegura que o problema não foi operacional e que não faltou dinheiro para bancar o Bolsa Família.
Apesar de as apurações prévias mostrarem que o caos foi causado por uma sequência de erros e mal entendidos, o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, tem insistido na hipótese de um ato político orquestrado. A tese de orquestração não é apenas de Cardozo. A pesquisadora Walquíria Leão Rêgo, professora da Unicamp que durante quatro anos entrevistou centenas de beneficiários do Bolsa Família para produzir relato acadêmico que deu origem a um livro sobre o programa, diz que o episódio teve peculiaridades que lembram uma sabotagem. Segundo ela, os boatos são frequentes entre os brasileiros que recebem o benefício, mas os rumores sempre foram circunstanciais e nunca atingiram a magnitude do episódio do último fim de semana. Do lado da oposição, a tese também é de que houve um movimento estudado, mas que teria partido do governo. “Não poderiam eles mesmos espalhar essa história do fim do programa para mostrar a dependência das pessoas?”, questiona o senador Agripino Maia (DEM-RN). No Congresso, a avaliação é de que a crise envolvendo os beneficiários do maior programa de distribuição de renda do mundo pode fortalecer um antigo projeto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de transformar o programa social do governo numa política de Estado, a partir da aprovação de um projeto de lei.
Fotos: CLEMILSON CAMPOS/JC IMAGEM/ESTADãO CONTEúDO