31/03/1999 - 10:00
O mundo está passando por uma revolução sem fio. Depois do dilúvio universal dos pagers e celulares, agora é a vez de as novas tecnologias de telecomunicação realizarem o que antes parecia magia: fazer os eletrodomésticos conversarem. Tudo começou em maio de 1998, quando cinco empresas, a Ericsson, a Nokia, a IBM, a Intel e a Toshiba, formaram o consórcio Bluetooth. A escolha do nome é curiosíssima. Significa em inglês dente azul, homenagem ao unificador da Dinamarca, o rei Harald Dente Azul (910-c.985). Essa alcunha, reza a lenda, se devia ao fato de ele possuir na arcada dentária uma incrustação azulada. Mas não deixa de ser um mistério pensar na razão pela qual duas corporações americanas, uma japonesa, uma sueca e outra finlandesa foram se lembrar justamente desse obscuro monarca da terra de Hamlet para batizar sua tecnologia. Ao que tudo indica, a palavra-chave é unificação. Harald uniu os dinamarqueses. Já o consórcio Bluetooth quer padronizar via ondas de rádio a linguagem dos mais diversos equipamentos. O objetivo final é, por exemplo, permitir que o celular de um cidadão "saiba" automaticamente quando se encontra perto do notebook do mesmo dono, podendo assim enviar-lhe as mensagens de correio eletrônico recebidas da Internet sem que o ser humano precise se preocupar com isso.
No momento da criação do consórcio Bluetooth, uma aplicação muito visada pelas empresas fundadoras era automatizar a sincronização dos dados do computador de bolso com os da agenda pessoal no PC sem a necessidade de nenhum tipo de cabeamento. Nos últimos dez meses, no entanto, foi ficando cada vez mais claro que os usos do Bluetooth são praticamente ilimitados. Quando implementada, não haverá mais necessidade de fios conectando mouses, joysticks, teclados, scanners, impressoras, palm tops e máquinas fotográficas aos computadores de mesa. O telefone poderá se comunicar com todos os tipos de redes, sejam elas intranets, malhas telefônicas públicas ou a própria Internet. Essa realidade fará com que o telefone funcione no escritório como um interfone, em casa como um telefone sem fio e na rua como um celular. O céu é o limite. O Bluetooth é tão cativante que contaminou 500 dos maiores fabricantes de equipamentos de informática, telecomunicações e eletroeletrônica do planeta. Exemplos? Alcatel, NEC, Qualcomm, Lucent, Nortel, Sharp e 3Com. Todas aderiram à iniciativa, tornando esse o padrão tecnológico de aceitação mais rápida de toda a história. A grande ausente no consórcio é a Microsoft. Ela chegou atrasada e se negou a entrar num clube onde não teria poder de voto, restrito às cinco companhias fundadoras.
Em novembro de 1998, na Comdex Las Vegas, a maior das feiras de informática, a Toshiba deu a primeira amostra pública do "dente azul" em ação. Um notebook com um módulo Bluetooth acoplado reconheceu um celular dotado de um dispositivo semelhante e enviou a ele um e-mail. O celular, por sua vez, transmitiu a mensagem via Internet como se fosse um modem sem fio.
A apresentação da Toshiba foi um pequeno aperitivo do que estava por vir. Todo o potencial do sistema ficou bastante claro na semana passada nos corredores da Cebit, maior exposição européia de tecnologia, que aconteceu em Hannover, na Alemanha. A Ericsson mostrou uma família de protótipos Bluetooth que espera comercializar até o fim do ano na Europa. Havia um fone de ouvido com microfone embutido para atender ligações no celular. Este permaneceu estaticamente preso à cintura ou no interior de uma bolsa. Não foi preciso pegá-lo para atender às ligações. Outra novidade foi a máquina fotográfica desenvolvida pela Casio. Ao tirar um retrato, o arquivo com a foto foi mandado num piscar de olhos até um celular, que o retransmitiu via rede telefônica a outro telefone, que armazenou a imagem na memória de um notebook, tudo acontecendo sem nenhuma interferência humana.
Apesar da eficiência sueca na demonstração da Ericsson, o Bluetooth possui dois pontos fracos a resolver. O primeiro é a questão da interferência. Para trocar informações a altas velocidades, o sistema emprega ondas de rádio na faixa dos 2,4 GHz, a mesma dos fornos de microondas. Vale dizer que operar equipamentos Bluetooth dentro da cozinha enquanto se faz pipoca pode não ser uma boa idéia. Não que a pipoca possa sair queimada, mas a troca de dados entre os dispositivos Bluetooth ficará bem mais lenta. Outro obstáculo de difícil contorno é o fato de o sistema ser projetado para conectar até 80 dispositivos independentes num raio máximo de 12 metros de distância. Caso o projeto dente azul torne-se de fato um padrão universal na comunicação entre eletrodomésticos, corre-se o sério risco de criar um engarrafamento de dados dos diabos. Imagine o que acontecerá no momento em que todos os telefones, tevês, rádios, secretárias eletrônicas e celulares de casa tentarem conversar ao mesmo tempo?
Uma solução pode ser a criação de redes sem fio diferenciadas para equipamentos diversos. Várias propostas estão para desembarcar no mercado. A Philips, por exemplo, vai lançar na Europa pequenas antenas para plugar no PC e na tevê. Com elas, pode-se ficar recostado no sofá diante da tevê usando um teclado sem fio para navegar a Web ou jogar um game de ação. Os dados tanto do CD-Rom quanto da Web são transmitidos pelo ar direto do PC, que pode estar no mesmo ambiente ou no escritório ao lado. As antenas estabelecem uma rede que transmite dados até 40 vezes mais rápido que um modem 56k. O sinais atravessam portas e paredes conectando aparelhos em distâncias de até 50 metros.
Outro método de conexão sem fio é aquele defendido pela americana Sun Mycrosystems. Ela aposta na linguagem de programação Java, conhecida por rodar em qualquer tipo de computador, seja ele PC ou Macintosh. A partir da Java foi desenvolvido o sistema Jini para fazer computadores e impressoras "conversarem" através de redes. A Sun espera ampliar esse rol fazendo celulares e telefones fixos rodarem Jini, convertendo assim o sistema num padrão de comunicação entre aparelhos para concorrer diretamente com o Bluetooth. Uma das criações mais originais da Sun é o anel Java. Ele tem um chip com as informações pessoais do proprietário. Ao se aproximar de um caixa automático, identifica seu portador por meio de raios infravermelhos. O anel também pode funcionar como uma carteira eletrônica de dinheiro. Ao se fazer compras, encosta-se o anel da registradora que verifica qual o saldo arquivado no anel e desconta o valor da mercadoria adquirida. Como num passe de mágica.