A primeira viagem aconteceu no verão de 1982 para 1983: dois navios, o Barão de Teffé, da Marinha, e o Prof. W. Besnard, da Universidade de São Paulo, levaram um grupo de cientistas e pesquisadores brasileiros até a Antártica. O desafio de enfrentar uma das regiões de clima mais inóspito do planeta tinha, além do aspecto científico, um caráter político fundamental: o passaporte para o Brasil ser aceito como membro consultivo do Tratado Antártico. O país havia assinado o tratado em 1975, mas, para poder ter direito a voto entre os membros, precisava fazer pesquisas permanentes na região. A aventura deu certo e hoje, depois de 17 expedições à Antártica (a 18ª começa em outubro) e de 15 anos de operação permanente da Estação Antártica Comandante Ferraz, na Ilha Rei George, o Brasil já atingiu a maioridade no continente gelado.

As pesquisas, por exemplo, são desenvolvidas em 12 áreas de conhecimento (Circulação Atmosférica, Física da Alta Atmosfera, Climatologia, Meteorologia, Geolo gia Continental e Marinha, Glaciologia, Oceanografia, Biologia, Ecologia, Astrofísica, Geomagnetismo e Geofísica Nuclear) e atraem a cada ano uma média de 80 pesquisadores que passam longos períodos na Antártica, alojados na Estação Ferraz, em três refúgios – um na própria Ilha Rei George, outro na Ilha Elefante, e um terceiro na Península Palmer, no continente antártico –, ou a bordo do navio polar Ary Rongel. A estação, que foi inaugurada em fevereiro de 1984, e era formada por apenas 13 contêineres de aço, soldados uns aos outros, hoje tem 63 módulos, com mais de 1.300 metros cúbicos de área construída e capacidade para alojar, com todo o conforto, 47 pessoas. O Barão de Teffé, navio antigo, que foi utilizado de 1982 a 1993, foi substituído em 1994 pelo Ary Rongel, moderno navio polar construído em 1986 na Noruega, com capacidade para até 100 pessoas.

Trabalhar na Antártica, onde, para se ter uma idéia, a temperatura em um dia "quente" de verão chega em torno de quatro graus, apesar de todos os avanços tecnológicos, continua sendo caro e difícil. Nos últimos anos, a verba do Proantar, que é administrado pela Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm), do Ministério da Marinha, tem ficado em torno de R$ 8 milhões. "Recebemos uma missão e temos que cumpri-la", afirma o contra-almirante Antônio Carlos Brandão, que comanda a Secirm. A Marinha, que opera e mantém a Estação Ferraz e faz o transporte dos pesquisadores e dos equipamentos, banca a maior parte das despesas, cerca de R$ 6 milhões. O Ministério da Aeronáutica, que faz os vôos em aviões Hércules entre o Brasil e a Antártica, a Petrobras, que fornece o combustível para a estação, o navio polar, aviões e helicópteros, e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MiCT) arcam com R$ 2 milhões. A responsabilidade de selecionar e financiar os projetos é do MiCT. "A Antártica é uma prioridade nacional", garante o ministro Bresser Pereira, que está no cargo desde janeiro. Bresser procurou acalmar a comunidade científica, assustada com os cortes no Orçamento deste ano, garantindo que eles não vão afetar as bolsas dos pesquisadores nem os projetos da Antártica.

Todos esses recursos, na verdade, apenas atenuam as dificuldades que a Antártica oferece. Durante 18 dias, ISTOÉ acompanhou o dia-a-dia de pesquisadores e do pessoal da Marinha no Ary Rongel, na Estação Ferraz e no refúgio Emílio Goeldi, na Ilha Elefante, buscando descobrir o que os motiva a passarem tanto tempo fora de suas casas, em região tão pouco adequada ao homem. Somente neste verão, 67 pesquisadores estiveram na Antártica, executando 11 projetos diferentes. O biólogo e doutor em Oceanologia Adalto Bianchini, 34 anos, que há dois estuda com sua equipe de dez pessoas (sete homens e três mulheres) os elefantes marinhos da inóspita Ilha Elefante, a 125 milhas (230 km) da Ilha Rei George, acha que é fácil explicar. "Se o artista vai aonde o povo está, o cientista tem que ir atrás do objeto de seu trabalho. Os elefantes marinhos vivem aqui. Então aqui estamos", diz. A fêmea do elefante marinho sai do mar para ter o filhote, dez dias depois é fecundada de novo e suspende a gravidez por três meses. Durante um mês alimenta o filhote e nos outros dois troca o pêlo. Só aí, quando volta ao mar, retoma a gravidez normalmente. Descobrir como isso ocorre poderá, no futuro, solucionar problemas de transferência de embriões entre seres humanos. "A natureza pode ter as respostas", afirma. A equipe de Adalto – quatro homens e duas mulheres – ficou 50 dias na Ilha Elefante, vivendo no refúgio Goeldi, um contêiner de seis metros de comprimento por pouco mais de dois metros de largura, e chegou a enfrentar tempestades de neve e ventos de até 120 km/h.

Verão gelado
Um dos integrantes do grupo foi a alpinista Rosita Belinky, de 27 anos. Para ela, a ida à Antártica foi a concretização de um sonho. Integrante do Clube de Alpinismo Paulista (CAP), que dá apoio técnico à Marinha na Antártica desde 1982, ela é alpinista desde os 16 anos, tendo no currículo a subida de montanhas nas Américas e na Europa e tornou-se a primeira mulher a ficar na Antártica em um refúgio. Além de assessorar os pesquisadores, escolhendo as melhores trilhas entre o local do refúgio, em um platô, e as praias onde ficam os elefantes marinhos, ela participou das demais tarefas do grupo que incluíam lavar roupa, preparar a comida e fazer a limpeza. "Já sou candidata no próximo verão e, quem sabe, escalar um desses paredões de gelo", afirma.

Led Zeppelin
Enquanto a maioria dos pesquisadores fica na Antártica períodos de no máximo dois meses, os dez militares da Marinha que operam a Estação Ferraz permanecem um ano inteiro no continente gelado. Para o capitão-de-corveta Josaphat Morisson de Moraes, 42 anos, que chegou à Antártica no dia 4 de março para ser o subchefe da estação brasileira até março do ano 2000, a missão é uma honra. "Há tempos que eu pensava em me candidatar. Fiz uma reunião com minha mulher e meus filhos e eles aceitaram com entusiasmo", afirma. Morisson admite que ficar um ano recebendo o salário em dobro, e em dólar, ajuda a aceitar o isolamento. Morisson, na estação, terá uma tarefa a mais, a de ser uma espécie de animador. Exímio violonista, ele fará dupla com Alejandro Echeverria, que faz pesquisas meteorológicas e ambientais. No repertório, Led Zeppelin, Deep Purple e outros clássicos do rock.

Mas o dia-a-dia dos que ficarão um ano na Antártica será atenuado pela tecnologia. Há um ano a estação conta com computadores ligados à Internet, permitindo que seus ocupantes possam manter contato diário com o Brasil e o mundo. A novidade fez o sargento João Valiatti, outro que ficará um ano na base, a comprar para a mulher um computador, com câmera de videoconferência. "Vai ser bom poder conversar com ela, nem que seja pelo computador", diz. A estação brasileira, elogiada pelo Greenpeace por seus cuidados com o lixo, o tratamento de esgotos e o controle da poluição, tem outros aspectos que melhoram a vida de quem mora lá, como uma bem-equipada academia de ginástica.

O navio Ary Rongel, por sua vez, repete, no mar, as boas condições da estação terrestre. Mas basta chegar ao convés para que o tempo mostre quem manda. Ventos de 40 km/h são quase brisa na Antártica. "A Antártica é uma lição de humildade", afirma o capitão-de-fragata André Mas, que comando o Ary Rongel. Ele passa no começo do mês o comando ao capitão-de-fragata Lázaro Ribeiro Jr. Mas Lázaro já teve sua amostra do que o espera nos próximos dois anos. "Me deram uma idéia geral, mas só não me disseram que fazia este frio danado", brinca. Durante a viagem, que incluiu quase 879 milhas (1.627 km) de navegação em mar revolto ou pelo gelo, acompanhando baleias, que tinham seus hábitos seguidos por pesquisadores, André mostrou a Lázaro os segredos da Antártica. "O mais importante foi ver que este navio é preparado para tudo", afirmou.