Giuseppe Tomasi de Lampedusa (1896-1957) passou toda uma vida se preparando para escrever um único livro, O gattopardo (Record, 300 págs., R$ 34). Depois de planejá-lo durante 25 anos, só começou a trabalhar nele em 1954, aos 58 anos. Nos últimos 30 meses restantes de vida, o italiano Lampedusa não se afastou mais da atividade literária e, ao morrer, começava a esboçar um segundo romance, I gattini ciechi, além de planejar pelo menos dois novos capítulos, não concluídos, para O gattopardo.

Publicado só depois da morte de Lampedusa, durante muitos anos o romance foi objeto de longa polêmica, já que essa primeira edição apresentava graves divergências com o manuscrito original. Existem, na verdade, três versões de O gattopardo, a respeito das quais os especialistas nunca se entenderam muito bem. O mistério literário combina com a vida de Lampedusa. Adaptado para o cinema por Luchino Visconti, em 1963, com o nome de O leopardo, desde então o livro se consagrou como um dos mais populares da literatura italiana no século XX.

A presente tradução brasileira, assinada por Marina Colasanti, está à altura desse prestígio. Entre outros aspectos, a escritora aponta a polêmica política gerada pelo romance de Lampedusa, já que a esquerda o viu como um exemplar de literatura decadente, enquanto os conservadores o consideraram uma obra-prima. Sinal dos tempos radicalizados em que apareceu. Lampedusa foi um intelectual sábio que, apesar da vida nobre, jamais se furtou a respeitar as mudanças de seu tempo. No romance, isso se expressa, em particular, quando Don Fabrizio tenta enfrentar os novos ventos, casando seu sobrinho Tancredi (inspirado em Gioacchino, filho adotivo de Lampedusa) com a filha do rico burguês Calogero. O gattopardo é um retrato primoroso da decadência da aristocracia na Itália, de seu esforço para conservar a dignidade mesmo quando o fim se aproxima.