10/11/1999 - 10:00
O que é capaz de levar o arredio Carlos Alberto Sicupira, um dos três sócios da GP Investimentos, a encarar um evento num lugar badalado de São Paulo? A Internet. Na noite de quarta-feira 3, uma grande festa marcou o lançamento do Submarino, site que chega com a ambição de se tornar líder no comércio eletrônico brasileiro. Circulando anonimamente entre os demais convidados, Beto Sicupira não estava ali para se divertir. Sua presença deixava claro que na empresa capitaneada por ele, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles a bola da vez é a Internet. O Submarino é resultado da compra, em junho deste ano, da livraria virtual Booknet, que pertencia a Jack London. Enquanto aprendia os segredos da venda eletrônica, a GP investiu US$ 12 milhões (ao lado da administradora de fundos americana E.M. Warburg, Pincus & Co.) para reformular esse endereço eletrônico. Por enquanto, o comércio se restringe a livros, CDs e brinquedos, mas logo outros produtos serão oferecidos. E o projeto é ainda mais ambicioso. Com um parceiro local, o Submarino também mergulhou na Espanha e, até o final de novembro, começa a operar na Argentina e no México. “O objetivo é estar presente em todos os países de língua portuguesa e espanhola”, diz Antonio Bonchristiano, presidente da empresa. A expectativa inicial é de que no primeiro mês o site brasileiro fature pelo menos R$ 1 milhão e o espanhol, R$ 150 mil.
É visível que uma boa fatia do mais de US$ 1,3 bilhão em fundos de investimento administrados pela GP está migrando para a Internet. O interesse dos ex-sócios do Garantia (o banco foi vendido em junho de 1998 ao Credit Suisse por cerca de US$ 700 milhões) pela rede de computadores começou em 1995, quando a GP arrematou a Mandic, então líder de mercado, por US$ 2 milhões. Dois anos depois, a empresa era vendida por R$ 5 milhões. Mas a investida mais firme se deu a partir de setembro, quando o grupo desembolsou US$ 11 milhões para assumir o controle da Freelance, maior endereço de leilões virtuais do Brasil. Além disso, conquistou participação nos sites Elefante e Webmotors. A GP aposta ainda na versão digital do Shoptime (canal de compras controlado pela empresa), no ar desde 1997, que oferece mais de 870 produtos. Em 1998, 4% dos US$ 32 milhões faturados pelo Shoptime vieram das vendas pela Internet. A projeção é de que em cinco anos 30% da receita venha da Web. “Hoje esse é um setor importante. Estamos analisando outros negócios nas áreas de e-commerce e conteúdo”, adianta Otávio Pereira Lopes, executivo responsável pela área de Internet na GP. Não por acaso, a empresa avessa a jornalistas contratou Matinas Suzuki, ex-Folha e Abril. Há uma semana ele está instalado na GP com a missão de alavancar negócios ligados à produção de conteúdo de informação. “Minha missão é ser uma fábrica de sites”, explica.
Altos e baixos – A dúvida é saber se a GP conseguirá imprimir na Internet o mesmo modelo de sucesso da Brahma, empresa que tem como principais acionistas Lemann, Telles e Sicupira. De cervejaria líder nacional, a companhia partiu para a polêmica associação com a rival Antarctica, constituiu a Ambev e visa concretamente os mercados internacionais. Já se associou com a Pepsi para produzir guaraná mundo afora e planeja expansão de produção e aquisições na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa, a partir talvez de Portugal. Do contrário, os investimentos na Web correm o risco de naufragar como a Artex, a indústria têxtil comprada em 1993. O caso é emblemático. A empresa nunca conseguiu deslanchar. Segundo dados da Austin Asis, quando a GP fincou os pés na Artex, o valor de mercado da companhia era de R$ 44,7 milhões. O balanço de junho aponta para um preço pouco superior a R$ 15 milhões. “O fechamento da fábrica é uma questão de tempo”, diz um analista do setor têxtil. Outro exemplo é o Playcenter, que tem 60% de seu capital nas mãos do GP desde 1995. Um doas principais entraves do grupo é o parque temático Hopi Hari, em Vinhedo, interior de São Paulo. Antes chamado de Great Adventures, o parque exigiu R$ 260 milhões, teve sua inauguração adiada diversas vezes e só deve ser aberto ao público no final de novembro. Recuperar esse investimento não será tarefa- fácil.
Fundada há seis anos, a GP é uma empresa de investimentos com presença maciça de investidores estrangeiros. Nesse período, já realizou negócios em diferentes áreas e atualmente o grupo – ou seus integrantes separadamente – tem participação em diversas empresas, numa lista que inclui ainda Lojas Americanas, Gafisa, Telemar, supermercados ABC, América Latina Logística e Centro-Atlântica. Para controlar esses investimentos, cada um dos sócios tem papel bem definido. Telles, que tocou a reestruturação da Brahma, é até hoje quem dá a palavra final na cervejaria. “Beto (Carlos Alberto Sicupira) é o trator do dia-a-dia”, conta um executivo de uma das empresas da GP.
O lema de Lemann – A Lemann cabe a visão estratégica e, graças a seu prestígio e bom trânsito nos mercados internacionais, conquistar novos investidores. Não é à toa que a revista americana Forbes já o apontou como “o homem que trouxe Wall Street para São Paulo”. Casos como os da Artex e do Playcenter reforçam a tese de ex-funcionários e concorrentes de que a GP tem melhores resultados quando limita sua ação à arte de fazer negócios. “Eles conhecem o jogo do financista e não do operador”, cutuca um antigo executivo. Um exemplo seria a rede de supermercados Sé, comprada em abril de 1997 por US$ 85 milhões e vendida oito meses depois por US$ 180 milhões, valor mais de 100% superior. A operação nas Lojas Americanas, também atuante no varejo, apresenta resultados bem diferentes. A empresa que chegou a ter valor de mercado de mais de R$ 1 bilhão, em 1995, estava avaliada em junho de 1999 em pouco mais de R$ 60 milhões. A receita líquida está em queda desde 1995 e a empresa apresentou resultados negativos em 1996 e 1997.
Por tudo isso e pelos métodos pouco ortodoxos de gestão, a GP estimula sentimentos diversos. Os concorrentes a invejam, os funcionários a temem (são proibidos por contrato de dar entrevistas, por exemplo), as empresas controladas sentem na pele a pressão do que se convencionou chamar “estilo Garantia”. Muito mais que derrubar divisórias e implementar sistemas de remuneração baseados em méritos, esse jeito de fazer negócios se apóia em resultado. “A GP não quer saber se o pato é macho ou fêmea: só quer ver o ovo”, resume um executivo. “Esforço não conta. O que vale é atingir o objetivo”, acrescenta outro funcionário. Parte da mística construída em torno da GP se deve ao fato de os três sócios serem avessos à exposição. Telles, por exemplo, só se deixa fotografar se for para divulgar um produto da Brahma (e agora da Antarctica). Podem ser contadas nos dedos as entrevistas concedidas por Lemann e Sicupira e ambos evitam flashes a todo custo. Sob esse cenário, a transparência que marcou o lançamento do Submarino chama ainda mais a atenção. “O comércio eletrônico ainda é uma novidade por aqui e precisamos conquistar investidores e clientes”, explica Bonchristiano, que, seguindo os cálculos sempre exponenciais da GP, pretende multiplicar por dez sua atual base de 50 mil clientes. É esperar para ver se o Submarino vai emergir.