10/11/1999 - 10:00
Um tibetano, o nome Michel tem um significado: quer dizer “homem de cristal” ou “aquele que ilumina o caminho para os outros”. Isso seria apenas uma curiosidade, mas não para o brasileiro Michel Lenz Cesar Calmanovitz. Ele é o lama Michel Rimpoche, reconhecido há dez anos como a reencarnação de uma linhagem de lamas, aqueles que se destinam a transmitir os ensinamentos de Buda e a ajudar as pessoas a encontrar a felicidade. Aos 18 anos recém-completados, Michel volta ao Brasil pela terceira vez desde que se mudou para a Universidade Monástica de Sera Me, no Sul da Índia, onde mora, há seis anos, com mais quatro mil monges, dos quais 150 são lamas. Veio divulgar o livro Fazendo as pazes com o meio ambiente, de seu mestre lama Gangchen.
Filho de um judeu e uma presbiteriana, Michel leva uma vida singular. Ele é, provavelmente, o único brasileiro a comer arroz com lentilha no café da manhã. Sua rotina, que começa às 5h30, inclui rezas, memorização de textos, aulas de tibetano e de filosofia budista. Depois de passar dois anos debatendo diariamente com seus mestres sobre coisas visíveis, começou a abordar, como explica, “as coisas que a gente não vê, o que é muito mais difícil”. Ele já fez 36 votos como monge, inclusive o de não ter relações sexuais. Mas isso não abala sua convicção. “Nunca me arrependi de ter escolhido viver desse modo. Para mim faltava alguma coisa antes. Eu via que existem pessoas que têm tudo, casa, dinheiro e família, mas não são felizes. Eu fui procurar algo mais”, diz Michel. Hoje, ele se considera plenamente feliz. “Muita gente acha que a feli-cidade vem de fora, mas a fe-licidade vem de dentro de nós”, conclui. Mas para alcançar esse sentimento não é preciso fazer uma mudança radical de vida, como ele fez. O lama brasileiro recomenda que cada um olhe a própria mente e veja como está agindo. “É preciso deixar de fazer ações negativas, que é o que traz sofrimento para nós e para os outros”, ensina.
Michel lembra que sua mudança para a Índia foi, inicialmente, um choque para seus parentes. Depois que deixou o País, ele também perdeu contato com os colegas brasileiros. Hoje, um de seus melhores amigos é um senhor de 67 anos. Mas nem tudo é incomum no seu dia-a-dia. Na universidade, Michel usa um computador para escrever e, quando está no Brasil, toma guaraná e vai ao McDonald’s (sempre com sua tradicional vestimenta de monge). Na semana passada, ele estava numa repartição pública no centro de São Paulo, no meio de uma multidão de pes-soas, para tirar o CPF e o título de eleitor. Ele ainda quer fazer o exame para a carteira de motorista antes de regressar à universidade na Índia, no final do mês, onde precisa ficar mais 16 anos até completar os estudos. Mas sua formação não se passa somente dentro do monastério. Nos últimos seis anos, o lama já visitou mais de 20 países. Nessas viagens, ele percebeu que existe, em todo o mundo, uma tentativa de resgatar a fé. “Quando pessoas que já têm tudo começam a ver que não deixaram de ter problemas, procuram uma solução interna”, diz Michel, cuja missão é, justamente, ajudar os outros a encontrá-la.