Remédio na mão de criança é sinônimo de combinação perigosa. Prova disso são os dados do relatório anual do Centro de Controle de Intoxicações (CCI) do Hospital Jabaquara, em São Paulo. De acordo com o documento, que acaba de ser divulgado, dos 10.219 casos de intoxicações atendidos pelo centro no ano passado, metade das vítimas era criança de zero a nove anos. Grande parte delas se intoxicou com remédios em situações acidentais. “Isso mostra que em casa os medicamentos ficam em lugares de fácil acesso”, afirma Sergio Graff, coordenador do CCI. É comum os pais guardarem os remédios em lugares baixos e em armários sem tranca. Por isso, a criança pode pegar um remédio e o ingerir.

Foi o que aconteceu com Caio, dois anos e quatro meses. “Ele apareceu com um comprimido na boca dizendo ‘médio papai’”, lembra a mãe, Solange Zanelatto, 33 anos. Caio subiu na bancada da cozinha, apanhou o antiinflamatório que o pai havia deixado lá e ingeriu duas drágeas. “Fomos para o pronto-socorro, onde ele foi medicado e posto em observação”, conta Solange. “Trancamos os remédios num armário. Foi um descuido.” Ao perceber que a criança se intoxicou, o melhor é telefonar para um centro de ajuda especializada ou ir até o pronto-socorro. Provocar o vômito também é recomendável, mas é preciso cuidado para evitar ferimentos na boca ou a aspiração da substância tóxica para o pulmão. Depois, é preciso procurar um hospital.

A intoxicação é causada pela superdosagem. “Mas o limite entre a dose normal e a excessiva varia de acordo com o tipo do remédio, da altura, do peso e da idade”, explica Graff. Os sintomas causados pela dose “errada” também não podem ser generalizados porque as drogas possuem diferentes mecanismos de ação tóxica. Elas podem provocar desde sonolência até taquicardia. A intoxicação com remédios não é exclusividade das crianças. Nos adultos, ela acontece por causa da automedicação e até porque o paciente não entende a letra do médico e ingere o medicamento em doses inadequadas.

Outros agentes tóxicos frequentes são os produtos de limpeza. Só de intoxicações por água sanitária, que irrita as mucosas e pode provocar vômito, foram notificados 685 casos ao CCI. A compra de produtos comercia-lizados de forma clandestina é um dos principais motivos que contribuem para esse número. Os produtos clandestinos não têm o aval de um laboratório (isso dificulta a identificação da composição química e, consequentemente, o tratamento posterior) e são armazenados em casa de forma inadequada (em garrafas de refrigerante, por exemplo) – o que confunde as pessoas, causando acidentes.

O tratamento das intoxicações busca descontaminar a região afetada e diminuir ou impedir a absorção do agente tóxico pelo organismo por meio da lavagem gástrica, do uso do carvão ativado (substância que se liga ao agente tóxico, diminuindo a sua absorção) e até da hemodiálise (filtragem do sangue). Esses recursos, porém, não precisariam ser usados com tanta frequência. “Todos os acidentes com substâncias tóxicas podem ser prevenidos”, assegura Graff.