Acostumado a escrever a mão suas decisões, desta vez o juiz federal americano Thomas Penfield Jackson comunicou às partes envolvidas por e-mail. O resultado de seu julgamento não poderia ter sido pior para o homem mais rico do mundo: a Microsoft de Bill Gates usou, sim, o poder do monopólio para reprimir a inovação, reduzir a competição de mercado e prejudicar o consumidor. A sentença, divulgada ao público na sexta-feira 5, pouco depois do fechamento do pregão em Wall Street, causou júbilo nos corredores do Departamento de Justiça dos EUA. “Este é um grande dia para o consumidor americano”, declarou a procuradora-geral, Janet Reno, ao lado dos principais promotores de Justiça envolvidos no caso. Pouco depois, o próprio Gates fez sua aparição pública contestando a decisão. “Ainda acreditamos que a lei está do nosso lado”, disse. Uma decisão final só virá no início do próximo ano. Mas, segundo analistas independentes americanos, até lá o mais provável é que governo e Microsoft cheguem a um acordo. Seja qual for, não resta agora a menor dúvida de que o resultado final prejudicará a companhia de Bill Gates.

Como não poderia deixar de ser, a decisão do juiz Jackson causou muito falatório durante o fim de semana. As Bolsas, naturalmente, abriram em baixa na segunda-feira 8. As ações da Microsoft caíram cinco pontos nas primeiras horas do pregão, mas fecharam com uma queda de apenas 1,8%. “A maioria dos investidores já esperava isso, o que não muda muito o poder de suas ações no mercado”, avaliou um conceituado analista nova-iorquino. “Agora, Bill Gates precisa fazer rapidamente um acordo, porque uma companhia desse tamanho e importância não pode apostar mais no resultado de uma apelação”, completou. O próprio Gates deixou essa possibilidade em aberto ao enfatizar na declaração ao público que “a Microsoft está comprometida a resolver essa questão de uma forma justa e responsável”. Por seu lado, o principal representante do governo no caso, o procurador Joel Klein, afirmou que o Departamento de Justiça está estudando algumas medidas, mas não quer punir financeiramente a companhia. “Uma medida que mantenha a Microsoft competitiva e não a debilite será uma boa solução para os consumidores”, declarou.

As conclusões do juiz Jack-son, listadas em 412 parágrafos de texto (207 páginas), não formam ainda um veredicto. É, no jargão jurídico, uma apreciação dos fatos, na qual ele aponta de que lado está a verdade. Mostra claramente que acredita nas acusações do governo e rejeita virtualmente todos os argumentos de defesa da Microsoft. Suas considerações pintam um retrato bastante negro de uma das companhias mais admiradas pelos americanos (e que vale US$ 500 bilhões). Ele não apenas concorda que a Microsoft tem um controle monopolista sobre os sistemas operacionais dos computadores pessoais (está em mais de 90% dos PCs de todo o mundo), “mas usa seu prodigioso poder de mercado e imensos lucros para prejudicar outras empresas que presumivelmente poderiam competir com ela”. A primeira delas teria sido a Netscape, que produziu o primeiro browser (Navigator) da Internet. Pode-se dizer que foi quando tudo começou. Depois de lançar esse programa em 1994, seu então presidente, Jim Barksdale, começou a sentir na pele o poder ameaçador de Gates. Na visão da Microsoft, o Navigator era não apenas extremamente popular entre os usuários da Internet, mas permitia que outras companhias tivessem condições de escrever todo tipo de novos programas diretamente para esse browser, sem precisar do sistema operacional Windows.

Guerra dos browsers – Gates tentou um acordo com Barksdale, propondo que o Navigator fosse absorvido pelo Windows. Ao recusar a proposta, o dono da Netscape sentiu a ira de seu oponente, que passou a negar a Barksdale o acesso a dados vitais de uma nova versão do Windows. Sem essas informações, ficou cada vez mais difícil aperfeiçoar o Navigator. Como está claro nos memorandos e e-mails internos da Microsoft apreendidos pela Justiça, Gates iniciou também uma campanha para “reduzir o acesso da Netscape ao mercado”. Além disso, lançou no ano seguinte seu próprio browser, o Explorer, não por questões meramente competitivas, mas para que “a Netscape nunca tenha a chance de fazer parte do Windows”. Não é à toa que Jim Barksdale deu na semana passada ao juiz Jackson a nota 11, “numa escala de zero a dez”. Segundo a Justiça, esse tipo de “transgressão” se repetiu contra as empresas Intel, Apple, American Online, Compaq, Intuit e Sun (o texto descreve todas as operações nocivas contra elas).

Acordo – Bem, com a concordância do juiz federal, o Departamento de Justiça e os governos de 19 Estados americanos que processam a Microsoft irão agora buscar um acordo ou um veredicto que quebre a prática monopolista da companhia de Bill Gates. Algumas propostas já estão na mesa. Uma delas forçaria a Microsoft a abrir o código de programa do Windows, possibilitando que concorrentes produzam versões competitivas do sistema operacional. “Estamos agora em posição de pedir um remédio mais amargo”, declarou o procurador-geral do Estado de Nova York, Eliot Spitzer, que lidera o time dos Estados queixosos. Nos 18 meses desde o início do processo, quase toda a discussão sobre o caso envolvia os browsers da Internet e a decisão da Microsoft de embutir o seu Explorer no Windows. Mas, depois da decisão do juiz Jackson, ficou claro que tudo se trata mesmo do monopólio do sistema operacional dos PCs e do uso que a Microsoft faz dele para promover outros de seus produtos.

O que significa dizer que daqui para a frente a linha de ação dos promotores de Justiça será pedir a reestruturação da Microsoft e de seus produtos. Talvez acabe prevalecendo uma solução já experimentada em outros casos de prática monopolista (como o da companhia de comunicações AT&T): a de dividir a Microsoft em pequenas companhias. Sendo que todas teriam acesso aos códigos do Windows, podendo competir entre si. Caso não haja um acordo, Gates ainda pode tentar apelar para a Suprema Corte americana, na esperança de que seus juízes, tradicionalmente mais conservadores, não prejudiquem um empreendedor tão admirado nos círculos empresariais. Ou então esperar – e aí o risco é maior – que o sucessor de Bill Clinton seja um republicano, também mais afinado com as práticas mais selvagens do capitalismo made in USA. Os analistas que apontam essa possibilidade, mesmo que remota, lembram que no início do processo eram 20 os Estados que processaram a Microsoft. Mais tarde, um deles, a Carolina do Norte, retirou sua queixa por ordem do governador recém-eleito. Não por acaso, obviamente, a campanha desse governador foi em parte financiada por doações da Microsoft.