Por 14 anos o diretor italiano Bernardo Bertolucci recusou fazer filmes no seu país. Dizia que o marasmo da Itália não lhe atraía. Neste período, preferiu imprimir seu estilo luxuoso em enredos passados na China, Marrocos, Nepal e Butão, assinando produções exóticas como O último imperador, O céu que nos protege e O pequeno Buda. Agora, no entanto, Bertolucci parece ter fincado os pés para sempre na sua terra natal. Sucessor do luminoso Beleza roubada, O assédio (Besieged, França/Itália, 1998), em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo, confirma seu renovado interesse pelos temas peninsulares. Rodado numa Roma florida e ensolarada, o filme trata da crescente imigração africana no país. O mais interessante é que Bertolucci não força no viés sociológico. Aborda o fenômeno através de uma história de amor invulgar e completamente longe dos clichês habituais.
Valendo-se de uma admirável liberdade narrativa, o diretor de 59 anos mostra o relacionamento da estudante africana de Medicina Shandurai (Thandie Newton) e do pianista inglês Jason Kinsky (David Thewlis) através de uma trama elíptica, que mais esconde do que mostra. Separada do marido, preso político na África, a jovem sobrevive trabalhando como doméstica do músico. Enquanto ele passa o dia junto a seu Steinway, ela tira poeira de valiosas antiguidades. À noite, aproveitando-se do sono da criada, alojada no primeiro andar do palazzo, Kinsky lhe manda presentes e mensagens cifradas pelo elevador passa-pratos, usado por ela como guarda-roupas.

As diferenças culturais e linguísticas entre os personagens servem de pretexto para o uso mínimo de diálogos e a aposta máxima no poder da imagem. Desnecessário dizer que o visual é deslumbrante nesta história feita de lances inesperados, que revelam o progressivo envolvimento do casal através do olhar que cada um deposita sobre o outro. No auge de sua paixão pela criada, Kinsky se declara e promete fazer tudo para que ela o ame. Shandurai, então, lhe implora para libertar o marido da prisão. O que se segue é uma sucessão de cenas magistrais, que ilustram sem um pingo de sentimentalismo como o amor pode transformar as pessoas.

Bertolucci afirmou que O assédio é uma espécie de “trecho de música de câmara para o cinema”. De fato, o filme – feito originalmente para a tevê – se afasta do lado sinfônico e portentoso das suas superproduções épicas. Mas a música assume um papel especial, servindo como meio de comunicação entre os personagens. Ao tentar expressar seu amor por Shandurai, Kinsky se entrega a peças clássicas de Mozart, Bach e Scriabin, enquanto a criada se alegra ao som pop africano de Salif Keita e Papa Wemba. Sem falar que o próprio ritmo do filme é totalmente musical.

Banhado por uma atmosfera romântica, não por acaso O assédio foi filmado no coração da Piazza di Spagna, local escolhido pelo poeta inglês John Keats – que tem as mesmas iniciais do personagem Jason Kinsky – para fixar residência no século XIX. Apenas um detalhe sim, mas que mostra como nos filmes de Bernardo Bertolucci nada é gratuito ou acessório.