A caminho das urnas da cidade de Guanajuato, na manhã ensolarada do domingo 2, o candidato de centro-direita à Presidência do México pelo Partido Ação Nacional (PAN), Vicente Fox Quesada, foi saudado, ao completar 58 anos, por uma orquestra no coro principal de sua cidade com a tradicional Las Mañanitas. “Desperte, desperte. Veja que já amanheceu, os pássaros cantam e a lua já se foi.” A canção de aniversário dos mexicanos pareceu um prenúncio do que horas mais tarde aconteceria nesse histórico dia, quando pela primeira vez, em sete décadas, os mexicanos não sabiam quem seria o presidente. O México despertou para uma nova era e Fox enterrou o monopólio do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o país desde 1929 como virtual partido único. Antes de colocar seu voto na urna, Fox, como sempre vestido de azul – a cor de seu partido –, tirou seu pente de bolso e preparou-se para a enxurrada de fotos. O “Marlboro Man”, como é conhecido, levou cerca de 43% dos votos dos 58,8 milhões de eleitores mexicanos, derrotando o candidato priista Francisco Labastida, que obteve 36% dos votos. Amargou o terceiro lugar o candidato de centro-esquerda da Aliança para o México, Cuauhtémoc Cárdenas Sólorzano, com 17%. O mais perto que a oposição havia chegado para desbancar o PRI foi em 1988, quando Cárdenas ganhou as eleições presidenciais, mas os resultados foram manipulados pelo governo, dando vitória ao candidato priista Carlos Salinas de Gortari.

Muito antes de o presidente Ernesto Zedillo ter admitido oficialmente a vitória de Fox, os assessores do oposicionista já se cumprimentavam no andar de cima da sede do PAN, na Cidade do México. Porfirio Muñoz Leda, ex-PRI, ex-PRD e um dos mais importantes conselheiros políticos do novo presidente, disse a ISTOÉ, às 17 horas, que o presidente já havia telefonado a Fox, dando a entender que era certa a bancarrota do partido governista. Às 23h, quando Zedillo, em cadeia televisiva, reconheceu a derrota do governo, uma onda de euforia tomou conta dos “panistas” que acompanhavam atentamente a contagem de votos. O próprio Fox não conteve a emoção e deixou cair algumas lágrimas ao lado de seus quatro filhos adotivos, que acompanhavam a contagem de votos pelos monitores.

Quando Fox chegou ao Monumento da Independência, os eufóricos panistas se empurravam para chegar mais perto do candidato eleito. Do palanque, o vitorioso acenava em meio às bolhas de sabão jogadas na população. Em coro gritavam: “Não nos desaponte! Não nos desaponte!” Com certeza, o pedido mais difícil para esse político carismático que fez tantas promessas durante sua campanha. “Está claro que cruzamos a ponte da democracia de uma maneira pacífica e legal”, declarou. Fox fez, então, uma série de agradecimentos. Elogiou o presidente Zedillo por “ter demonstrado ser um homem de Estado que soube entender os sinais dos tempos e reconhecer a vontade de seu povo”. Entornou um caldeirão de elogios ao Instituto Federal das Eleições (IFE) – organização independente, criada em 1997 para garantir a transparência do processo eleitoral no México. De fato, o ex-presidente americano Jimmy Carter afirmou que depois de acompanhar mais de 30 eleições, considerou esta como uma das “mais tranquilas e limpas” que já testemunhou. A ex-governadora do Texas Ann Richards disse a ISTOÉ que “o pleito transcorreu, surpreendentemente, de forma tranquila e pacífica”. E, por fim, Fox ainda agradeceu a Labastida por sua “maturidade” ao admitir a derrota. Com um sorriso amarelo, ao lado da esposa Maria Teresa, olhos inchados de chorar, Labastida fez um lacônico pronunciamento: “Os cidadãos tomaram uma decisão que todos devem respeitar.”

O fenômeno Fox pode ser entendido sob vários prismas. O primeiro é o mais evidente: os mexicanos estavam exaustos das longas décadas de hegemonia ininterrupta do PRI. “Estamos fartos. Queremos a mudança”, disse o taxista Ignacio Martin, que passou os 68 anos de sua vida sob o domínio do PRI. Nascido na Cidade do México, mas criado numa fazenda em Guanajuato, Fox é um rancheiro perfumado e muito vaidoso. Em campanha na cidade de Xalapa, sob um sol escaldante, o candidato oposicionista deixava aparecer pendurado em sua calça um lenço vermelho para enxugar o suor. Com a estatura de 1,90m, altíssimo para os padrões mexicanos, e com uma eloquência de dar inveja a muitos políticos, o marketing do presidente eleito é de se admirar. Polêmico por ter um tufão na boca, dizendo tudo o que lhe passa pela cabeça, Fox alterna sua imagem de um homem originário do campo, com palavras rudes e com refeições que incluem o tradicional “frijoles” (feijão) matutino, à de um empresário moderno e sisudo, que promete acabar com a pobreza e o analfabetismo que assolam o México.

Voto útil – “Fox é um fenômeno porque agregou tanto políticos de direita como setores da esquerda, e aliás muitos dos que votaram nele não são panistas”, avaliou Carlos Elizondo Mayer Serra, do Centro de Investigação e Docências Econômicas. Entre os esquerdistas na equipe do futuro governo está o intelectual Jorge Castañeda, ex-assessor de Cárdenas. Castañeda, inclusive, contou com a colaboração do professor brasileiro em Harvard Roberto Mangabeira Unger para assessorar o programa de governo do PAN. Às vésperas das eleições, a efervescência das discussões das pessoas na rua era exatamente o voto útil. “Algumas pessoas votaram contra o PRI e outras votaram nas propostas e idéias do PAN”, avaliou o próprio vencedor. “Fox é ignorante, mentiroso e intolerante, mas votei nele porque é o único candidato com capacidade de derrubar o PRI”, justificou o advogado Héctor García Branquez.

Mas a maior parte dos eleitores de Fox não aspira somente ao fim do império PRI. Os jovens de classe média que se agregaram ao movimento “Amigos de Fox” em todo o país, e lotaram os comícios durante sua campanha, apostam no cumprimento da promessa do novo governo de investir na criação de empregos e educação. O desemprego, no ano passado, no México foi de 19,37%. Com uma camiseta com o emblema do PAN, Martha Mora, 21 anos, disse a ISTOÉ no comício de final de campanha do PAN em Xalapa que “os jovens querem as bolsas de estudo prometidas por Fox para quem não tem condições de estudar”. Antes de votar na capital, o estudante de Comércio Exterior Carlos Martínez, 25 anos, afirmou que acredita que Fox “fará um bom programa de empregos”. Mas para o analista Manuel Serra “os projetos para a educação não devem corresponder à alta expectativa dos universitários”.

 

O mais jovem presidente da Coca-Cola da América Latina – Fox assumiu o cargo em 1974, aos 32 anos – também aglutinou o apoio do empresariado dentro e fora do país. “Fox irá privilegiar as pequenas e médias empresas”, acredita o industrial mexicano Sergio Labra, da Cromadora Golar. O panista também anunciou sua intenção de estreitar os laços com o Brasil (leia quadro). Seu assessor esquerdista Porfirio Muñoz disse a ISTOÉ que “é urgente o incremento das relações comerciais com o Brasil”. A cooperação comercial entre os dois gigantes latino-americanos hoje é quase insignificante e esse incremento mudaria totalmente o panorama entre os dois países. O candidato do PRD, Cuauhtémoc Cárdenas, também disse a ISTOÉ em sua casa que “qualquer presidente que assuma o governo do México terá de voltar os olhos para a América Latina, e o Brasil é um país muito importante”. Segundo dados do Secom, os investimentos brasileiros no México não passam de US$ 50 milhões e os do México no Brasil não atingem US$ 100 milhões anuais. “É o momento para se fazer um tratado de livre comércio com o Brasil. Os empresários brasileiros deveriam se reunir com o presidente Fernando Henrique Cardoso para acertar uma nova proposta a ser oferecida ao novo governo mexicano. Os impostos hoje estão muito altos. O comércio entre os dois países poderia triplicar”, afirmou com entusiasmo o representante no México da indústria de calçados Eucatex, Francisco Cirett Ávila. O diretor-geral da Cofap-Disa (que inclui a Metal Leve, Freios Vargas e Xadec), Hermann Borda, também disse a ISTOÉ que está otimista. “Vejo com bons olhos a vitória de Fox. Haverá estabilidade e talvez consigamos o tratado com o Brasil que nunca aconteceu.”

Conservadorismo – Apesar de ter idéias inovadoras como empresário, Fox é essencialmente um conservador. Divorciado e pai de quatro filhos adotivos, esse estudante aplicado do colégio de jesuítas aliou-se à ala conservadora da Igreja Católica mexicana na luta contra o aborto. Sua filha mais velha, Ana Cristina, 20 anos, uma de suas conselheiras durante toda a campanha e que já está sendo chamada de “primeira-filha”, afirmou a ISTOÉ que Fox irá enfocar muito mais os problemas da mulher. Mas Ana Cristina, que foi adotada com um mês de idade, afirmou que, como ela, seu pai é totalmente contra o aborto. Fox também considera o homossexualismo “um ato contrário à natureza humana”.

O novo governo vai ter de fazer malabarismos para reformar as instituições, muitas delas corruptas e diretamente ligadas ao narcotráfico. “A única garantia que temos na vida é a morte, mas uma promessa eu posso fazer: em seis anos, acabo com a corrupção no México”, disse Fox. Em tom cuidadoso e conciliatório, o presidente eleito afirmou que seu governo irá contar com membros do PRI e do PRD, além de seus aliados ecologistas.

Um dos maiores expoentes da intelectualidade mexicana, o escritor Carlos Fuentes escreveu que nestas eleições todos saíram vencedores: o povo mexicano, o presidente Zedillo, o IFE, Fox e Labastida. Ganhou a democracia, que começa a despertar no México. Como em Las Mañanitas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Aproximação com o Mercosul

Na terça-feira 4, o presidente eleito Vicente Fox concedeu uma coletiva no Hotel Fiesta Americana, na Cidade do México, a 300 jornalistas do mundo inteiro.

ISTOÉ – O sr. disse que gostaria de ver de perto algumas experiências de países da América Latina, incluindo o Brasil. O sr. pretende incrementar as relações com o governo brasileiro?
Vicente Fox – Todas as experiências de países que passaram por transformações democráticas como o Brasil, o Chile e a Argentina nos interessam. Também nos interessa nos aproximarmos do Mercosul.

Sobre América Latina

Creio que chegou a hora, depois de mais de um século, de converter em realidade um sonho bolivariano de irmanar os países latino-americanos, não apenas na língua, costumes e raízes, mas principalmente em ações políticas e econômicas. Eu creio que o século XXI será o século da América Latina.

Sobre Chiapas

O mais importante é restabelecer o diálogo. Se houver um compromisso sério, a resolução será retirar o Exército da região.