05/07/2000 - 10:00
Desconforto, constrangimento e o sentimento de traição tomaram conta do Palácio do Planalto depois que o ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas revelou as “relações institucionais” do juiz foragido Nicolau dos Santos Neto com o governo Fernando Henrique. A entrevista do amigo do presidente há 15 anos, dada ao jornal Valor no meio da semana, amargou o café da manhã servido quinta-feira 6 pelo presidente aos jornalistas no Alvorada, como parte das comemorações dos seis anos do Plano Real. A lama na qual está mergulhada a construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, depois de atingir o Senado com a cassação de Luiz Estevão, espirrou no Planalto. Eduardo Jorge abriu mão do silêncio e da discrição habituais para admitir que o ex-presidente do TRT juiz Nicolau atuava como informante do governo na defesa do Plano Real. Cabia a ele, acusado de desviar R$ 169 milhões da obra do TRT, indicar ao Planalto os nomes de juízes classistas que vetariam a indexação salarial, contrária à filosofia do plano que elegeu pela primeira vez FHC. “O TRT de São Paulo derrubou todos os planos anteriores ao Real, com sentenças a favor do Sindicato dos Metalúrgicos”, afirmou Eduardo Jorge, afastado do gabinete de FHC quando foi “convidado” a assumir a coordenação do comitê da reeleição. Depois da morte de Sérgio Motta, passou a ser o responsável pelo caixa da campanha.
O presidente interrompeu a estratégia de dar ênfase aos comentários otimistas sobre a economia para justificar as declarações do ex-colaborador. FHC sentiu-se traído pelo amigo, que vinculou suas relações com Nicolau a indicações de juízes favoráveis à desindexação salarial. O presidente reconheceu as ligações entre Eduardo Jorge e o juiz que está foragido. “No que eu sabia, o Eduardo Jorge se envolveu na questão dos tribunais do trabalho, não só no de São Paulo, para que eles fossem bem informados sobre o plano e não decidissem contra o Real, pela volta da indexação.” Na entrevista, Eduardo Jorge contou que Nicolau não era mais presidente do TRT quando “me foi apresentado como o homem que falava pelo tribunal. Ele fez relatórios sobre os nomes que constavam das listas encaminhadas ao Planalto e apontou quais, dentre eles, eram a favor da indexação”. Depois da indicação de Nicolau, Eduardo Jorge levava os nomes favoráveis ao Plano Real a Fernando Henrique, que os nomeava.
Hoje, Eduardo Jorge é consultor de empresa e recebe uma aposentadoria de R$ 8,5 mil do Senado. A compra de um apartamento avaliado em US$ 1 milhão na praia de São Conrado (RJ) despertou a atenção do Ministério Público. Os promotores vão investigar também a origem do dinheiro com o qual paga o aluguel de cerca de R$ 10 mil de um apartamento onde mora no Leblon. O MP vai à Justiça pedir a quebra dos sigilos bancário, telefônico e fiscal do ex-colaborador de FHC. Há o entendimento de que Eduardo Jorge teria confessado crime de tráfico de influências ao falar de Nicolau. Na edição 1545, de maio de 1999, ISTOÉ publicou reportagem sobre as estreitas relações entre o juiz e Eduardo Jorge. Nicolau vangloriava-se da amizade. Os procuradores querem saber exatamente que tipo de ligação tinha o ex-secretário com o juiz. A CPI do Judiciário descobriu 117 telefonemas do juiz para Jorge, quando ele estava no governo. Conforme antecipou Tales Faria, na coluna Fax Brasília, edição 1605, Eduardo Jorge aproveitou sua amizade com FHC e foi ao Planalto, há duas semanas, tentar a última cartada para evitar a cassação do amigo Luiz Estevão. Nada conseguiu e viajou para os EUA. Já no fim de 1998, ISTOÉ mostrava as amizades suspeitas do todo-poderoso assessor de FHC. Ele reempregou na Dataprev diretores acusados de corrupção no governo Collor e demitidos por Itamar. No mesmo dia da publicação da explosiva entrevista, o irmão de Eduardo Jorge, Tarcísio Pereira, deixava a Presidência da Casa da Moeda.