Nos últimos tempos, gente de profissões variadas, como advogados, engenheiros e professores, tem passado muitas horas por dia rodando de táxi pelas ruas das principais cidades brasileiras. Mas não no banco destinado aos passageiros, e sim como motoristas. Eles encabeçam um fenômeno recente no País. Com o desemprego e as dificuldades econômicas, o diploma conquistado a duras penas foi parar no porta-luvas do carro. Assim, os anos de formação acadêmica, as especializações, os idiomas estrangeiros acabam servindo apenas para esquentar a conversa com os passageiros. Segundo o Sindicato dos Taxistas Autônomos do Estado de São Paulo, de três anos para cá a procura pela profissão aumentou em 40%. "O táxi costuma ser a última opção de trabalho das pessoas, depois que elas esgotaram suas possibilidades", diz Giovanni Romano, do sindicato. "Esta procura mostra a situação deplorável do mercado de trabalho."

O mercado rejeita jovens sem experiência, mas também não quer saber dos veteranos, como o advogado Valentim Deois, 51 anos, formado pelo Mackenzie, de São Paulo, e craque em quatro idiomas. Durante 28 anos, Valentim trabalhou na Assembléia Legislativa, como assessor de um deputado. Aposentou-se há três anos e passou quase um ano em busca de emprego. "Nas entrevistas, me olhavam como se eu fosse um ancião. Estou no auge da minha vida produtiva", protesta ele. O táxi apareceu como alternativa e Valentim investiu suas economias para conseguir uma licença. O problema é que não existem licenças novas. Só se compra de alguém que esteja saindo da profissão, algo pouco frequente nos dias de hoje. A idade média do taxista passou de 43, em 1994, para 50 anos em 1998. Valentim acabou pagando R$ 20 mil por um bate-lata – no jargão do taxista, o alvará para rodar na rua sem parar em ponto fixo. Depois conseguiu um ponto numa região de vários edifícios comerciais e um hotel de luxo. Seus clientes são executivos estrangeiros que ele recepciona com jornais como Le Monde ou The New York Times, entre conversas agradáveis. Para ele, é esse convívio que faz o trabalho valer a pena. "Com os colegas, eu me sinto um peixe fora d’água. Não há afinidades." Valentim confessa sentir falta dos tempos da Assembléia, quando circulava num carro com motorista e ganhava R$ 9 mil. "Tenho saudade do poder."

Wilton José Guedes da Fonseca, 50 anos, formado em Letras na Puc-SP e com curso de pós-graduação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, também adora o papo durante as corridas. "O táxi me abriu fronteiras", ele explica. "Como professor há 25 anos, sempre vivi preso entre quatro paredes. Agora sou uma pessoa mais livre e com mais flexibilidade, inclusive em relação aos meus alunos." Wilton é professor de Português em uma escola da prefeitura, de São Paulo, onde trabalha das 17h às 23h. Das 4h às 14h, é motorista de táxi associado a uma cooperativa. "Durmo três horas por noite. Mas não reclamo, já me acostumei a esse ritmo", diz ele, apesar de toda essa maratona, um exemplo de bom-humor e tranquilidade. Wilton buscou o táxi quando deixou o emprego de professor do Estado, em um plano de demissão voluntária, há três anos. "O salário era irrisório e, com três filhos adolescentes em escola particular, não tive outra saída." Para Wilton, existem duas escolas no Brasil: "A particular, para quem vai mandar, e a pública, para quem vai obedecer. Enquanto na primeira se formam jovens seguros e preparados, no ensino público se exige apenas disciplina em horários", ele diz. "O objetivo é criar cidadãos servis." Mas Wilton não quer deixar a profissão. "Estou taxista, mas sou professor. Adoro o que faço." Sempre que pode, transmite a seus alunos seu gosto pela leitura. No banco da frente costuma carregar alguns volumes para os minutos de folga. Gosta de Machado de Assis, Jorge Luis Borges, Proust, mas também devora as novidades. "Gostei do último do Jô. Já o do Caetano Veloso é uma viagem narcísica", critica.

Outra taxista que roda com livros na bagagem é a pedagoga Rosana de Carvalho, 32 anos. Formada há um ano, ela agora prepara tese de mestrado sobre as consequências, para a criança, da falta de vagas na escola pública. É nova no táxi: começou em novembro, para conseguir recursos para os estudos. O marido, também taxista, incentivou. Mãe de dois filhos, de doze e sete anos, Rosana até pensou em mudar o tema de sua tese. "É incrível como a mulher taxista é vista como um ser de outro planeta", diz. "E quem mais discrimina é a mulher. Elas nunca sentam ao meu lado, como fazem os homens", conta. Com medo de assaltos, Rosana faz parte de uma cooperativa, onde trabalha para várias empresas. "Por este motivo, as cantadas também são mais leves, pois o sujeito sabe que pode me encontrar outra vez."

Rosana não pretende ser taxista a vida inteira. Vê a função como uma passagem necessária para que consiga se pós-graduar e alavancar a sua carreira. Como pedagoga, dificilmente ganharia R$ 2,5 mil líquidos, que é a média da profissão. O jornalista Caco Barcellos, 47 anos, repórter da Rede Globo, também foi taxista durante um período de sua vida. Dos 19 aos 24 anos dirigia um Fusca pelas ruas de Porto Alegre, sua cidade natal. Com o dinheiro ganho, pagava a faculdade, à noite. À tarde, era estagiário no jornal Folha da Manhã. "Morria de medo que descobrissem que eu era taxista", ele relembra. Um dia, o editor viu Caco no ponto. Pode-se dizer que sua brilhante carreira começou aí. "Fiz uma reportagem na primeira pessoa, contando as histórias do táxi", diz Caco. Para ele, a experiência foi riquíssima, pois o fez conviver com vários tipos de pessoas, de marginais a poderosos, e saber que tinha um dos dons exigidos do jornalista: gostar de ouvir histórias e incentivar as pessoas a contá-las.

Caco também experimentou a liberdade de não ter chefe e fazer o seu próprio horário. Para o carioca Guilherme Dantas de Vasconcelos, 41 anos, formado em Estatística, esta é uma das principais vantagens da profissão. Ele trabalhou na Fundação Getúlio Vargas, no IBGE, e durante 15 anos foi gerente de uma agência do Banco do Brasil. Saiu há três anos, em busca de um horizonte maior. Vislumbra-o agora pelos vidros de seu Vectra 98 com ar-condicionado. "No banco havia muita cobrança e stress para pouca compensação. No táxi, ganho a mesma coisa, mas com mais liberdade", diz o estatístico.

Colaborou Celina Côrtes (RJ)