A música de Milton Nascimento e Fernando Brant aconselha: amigo é coisa para se guardar do lado esquerdo do peito. E é bom guardar mesmo. Não só pela emoção de contar com um bom companheiro, mas também porque amigo faz bem para a saúde. Uma pessoa do lado com quem se possa contar ajuda a controlar melhor a pressão arterial, contribui para proteger os vasos sanguíneos de possíveis lesões, equilibra o batimento cardíaco e dá uma força e tanto contra a depressão. Uma prova disso está em várias pesquisas realizadas recentemente. A primeira é de autoria de Wolfgang Linden, professor de Psicologia Clínica da Universidade British Columbia, em Vancouver, no Canadá. Há dois anos, o pesquisador fez uma experiência interessante com mulheres estudantes. As participantes foram divididas em dois grupos distintos e convidadas a resolver um problema de matemática dificílimo. O detalhe é que um dos grupos de estudantes podia contar com um amigo do lado na hora de solucionar a questão. Não que eles pudessem auxiliar na resolução, mas colaborariam somente com o apoio de sua presença. O resultado foi emblemático. Aquelas que tiveram de resolver a questão sozinhas sofreram um aumento da pressão arterial muito maior do que as estudantes acompanhadas por seus amigos.

Outro estudo, publicado no American Journal of Medicine, também dos Estados Unidos, pesquisou homens e mulheres com bloqueio nas artérias coronárias, um grande risco para problemas cardíacos, como infarto. Aqueles que se sentiam aceitos e incluídos em seu grupo se recuperaram mais rápido e, cinco anos depois, tiveram menos chance de sofrer um segundo bloqueio. Na mesma publicação, outra pesquisa mostrou que pacientes com alto risco de desenvolver problemas cardíacos – com pressão e colesterol altos, por exemplo – tinham 20% a mais de chance de sofrer de angina (dor no peito que precede o infarto) do que pessoas sem esses problemas. No entanto, quem contava com amigos próximos tinha menos possibilidade de desenvolver a doença.

Na visão da medicina, há uma explicação bastante clara para tanta influência. Amigo é emoção – e sentimentos são cada vez mais aceitos como participantes fundamentais na engrenagem que faz o corpo funcionar. Sabe-se que as emoções entram na esfera física do organismo pela porta do cérebro. Basicamente, é no sistema límbico (conjunto de núcleos cerebrais associados às emoções) que elas são processadas, passando, em seguida, para o córtex, onde serão interpretadas. É a partir dessa interpretação que o cérebro vai determinar a reação do corpo. O afeto resulta numa descarga de substâncias que só fazem bem. A começar por aquelas que fortalecem o sistema imunológico, o responsável pela defesa do corpo. Entre elas, estão as interleucinas. Dessa forma, o corpo fica mais forte para lutar contra as doenças. Por isso, não é por acaso que uma pesquisa publicada no Psychosomatic Medicine Journal, dos Estados Unidos, mostrou que a falta de amigos debilita o sistema imunológico a tal ponto que o organismo fica vulnerável a várias doenças, inclusive o câncer.

Outra substância produzida a partir do carinho e presença de um amigo é a endorfina, uma espécie de bálsamo para muitas das dores humanas. "A amizade não só libera endorfinas, mas diminui a tensão interior. É como se o corpo se desarmasse ancorado na segurança de ter um amigo", afirma o cardiologista Marco Aurélio Dias da Silva, do Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo. De fato. O relacionamento com um amigo está entre as melhores armas contra o stress. Só de saber que se pode contar com a ajuda de alguém na solução de um problema, por exemplo, diminui a angústia e faz com que o organismo sofra menos. "Tudo o que se reparte diminui de tamanho", explica a homeopata paulista Denise de Castro Menezes. "Pacientes que costumam desabafar têm uma evolução melhor", garante. Essas evidências reforçam a crença popular de que os mais fechados, que não trocam seus problemas e experiências, ficam mais doentes e morrem mais cedo. "Quando alguém não se sente incluído e aceito pelo grupo, internaliza seus problemas e o organismo acaba se ressentindo disso", explica a psicóloga Ana Maria Rossi, da clínica de Stress e Biofeedback, de Porto Alegre.

E ao atenuar o stress, mesmo sem saber, um amigo pode também estar ajudando o companheiro a preservar sua memória. Isso porque já foi comprovado, em pesquisas com animais, que stress crônico provoca a morte de células do hipocampo, estrutura do cérebro importante na formação da memória. Os responsáveis pela morte das células são os glicorticóides, hormônios produzidos pela glândula supra-renal (localizada acima do rim) em situação de stress. "Como o amigo ameniza o stress, ele diminui os riscos contra a memória", explica Luiz Eugênio Mello, professor titular e chefe do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de São Paulo.

Mas talvez um dos melhores efeitos da amizade para a saúde seja seu fabuloso poder contra a depressão. A solidão está entre as causas mais frequentes da doença. "Estar com outro significa menos vulnerabilidade à depressão", explica Ari Rehfeld, professor de Psicologia da PUC de São Paulo. Se amigos são preventivos contra a depressão, eles também podem ser usados como tratamento. "Carinho e colo não fazem mal a ninguém. A amizade não cura a depressão, mas ajuda a amenizá-la", afirma o psiquiatra Rubens Pitliuk. Alguém pode lembrar, porém, que às vezes é melhor estar só do que mal-acompanhado. Pode ser. No entanto, vale mais a pena deixar de lado a má companhia e procurar um bom amigo.

 

 

Para todas as idades

Amigo faz bem inclusive para as crianças. "Os retraídos evoluem de maneira pior do que aqueles com mais convívio social", afirma Vicente Odone Filho, médico do Instituto da Criança, em São Paulo. A explicação do benefício é a mesma que para um adulto. Um amigo do lado diminui o stress e a solidão. Em geral, estabelecimentos especializados no atendimento à criança contam com áreas de recreação. Lá, além de brincarem, elas conversam e repartem medos e dores. Além dos médicos, quem está perto também vê a evolução, como a dona de casa Maria Heloísa Stuckgold, 34 anos, mãe de Matheus, três anos. O menino passou dois meses internado no Instituto da Criança por causa de uma infecção nos rins provocada por uma obstrução no canal da uretra. Foi tão grave que um dos rins teve de ser retirado. "No quarto, ele ficava muito deprimido. Brincar com as outras crianças ajudou a esquecer um pouco a doença", diz Maria Heloísa. Entre outros amigos de hospital, Matheus tinha a companhia de Marcos Rodolfo Santos Silva, quatro anos, e Suzana Bonifácio de Lima, sete anos. Marcos Rodolfo estava internado para a realização de diagnósticos mais precisos de seus problemas. Suzana sofre de anemia falciforme, um tipo de anemia no qual a hemoglobina (partícula do sangue responsável pelo transporte de oxigênio) não cumpre sua função adequadamente. A amizade, sem dúvida, ajudou a repartir a dor.

Colaboraram: Carla Gullo (SP), Celina Côrtes e Clarisse Meireles (RJ).