A vitória sobre o oposicionista Henrique Capriles, no domingo 14, por uma magra diferença de 1,78 ponto percentual, ou 265 mil votos em cerca de 15 milhões válidos, deu a dimensão do desafio que o presidente eleito, Nicolás Maduro, terá pela frente: conseguir governar pelas vias institucionais uma nação radicalmente dividida. Após a apuração dos votos, líderes e militantes da oposição na Venezuela organizavam protestos e se negavam a reconhecer a vitória do herdeiro de Hugo Chávez. Já chavistas os acusavam de tentar sacramentar um golpe. “Não vamos reconhecer o resultado até a recontagem de cada um dos votos dos venezuelanos, um por um”, declarou o candidato oposicionista, após divulgado o resultado do pleito. Durante a semana, milhares de apoiadores de sua campanha protestaram pelas ruas da capital Caracas e de outras cidades importantes do país exigindo a recontagem e denunciando o uso da máquina pública na campanha pelo candidato chavista. Simpatizantes de Nicolás Maduro também foram convocados a sair às ruas para defender o resultado da eleição, desencadeando uma série de confrontos.

chamada.jpg
NAÇÃO DIVIDIDA
Conflito eleitoral na Venezuela deixou sete pessoas mortas e 60 feridas

Para conter aquilo que consideram uma tentativa de golpe de Estado, integrantes das forças de segurança do governo fizeram uso de gás lacrimogêneo para dispersar a multidão e prenderam militantes. Ungido como sucessor do líder bolivariano, Maduro elevou o tom, proibiu a realização de uma grande marcha oposicionista na quarta-feira 17 e ameaçou “radicalizar a revolução”. Lideranças chavistas, como o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, chegaram a declarar que os protestos seriam uma tentativa de desestabilizar a democracia venezuelana apoiada pelo governo dos Estados Unidos e setores minoritários das Forças Armadas. Sensato, depois de subestimar o regime chavista, Capriles acabou recuando na ideia da manifestação convocada para protestar contra alegadas fraudes na eleição e pressionar pela recontagem dos votos. “Não caiam nas provocações do governo e tenham claro que nossa luta é democrática”, alertou Capriles.

VENEZUELA-X-IE-2266.jpg
OPOSITOR
Capriles recuou de protesto pela não recontagem dos votos, mas radicaliza discurso

Segundo analistas, os acontecimentos da última semana apenas evidenciam a divisão interna que vive a Venezuela, tornando o país praticamente ingovernável. Antes com seu carisma e liderança, Hugo Chávez conseguia manter uma maioria segura entre o eleitorado que lhe possibilitava governar sem dar ouvidos à oposição. Contava também com a liderança incontestável em setores estratégicos, como as Forças Armadas, essenciais ao seu projeto de “socialismo do século XXI”. Maduro, no entanto, assiste à sua popularidade ruir rapidamente e para reverter esse processo terá de mostrar forças das quais parece não dispor. A Venezuela registra atualmente uma inflação acima dos 20% ao ano, apresenta crescente aumento de endividamento, ao mesmo tempo em que importa quase 90% do que consome. Também não há no horizonte nenhuma perspectiva de o petróleo voltar a cotações que financiem os delírios do regime. O novo presidente até possui maioria no Congresso para tomar as medidas necessárias, mas, para preservá-las, analistas temem que ele acabe virando refém de outras alas do chavismo e tenda a acelerar as reformas bolivarianas.

IEpag83Venezuela.jpg

Este movimento o colocaria mais ainda em rota de colisão com a oposição, convulsionando a nação. “Os chavistas, primeiro, vão ter de entrar em um entendimento entre si e dar prioridade a medidas liberalizantes do que a outras revolucionárias”, opina Carlos Eduardo Vidigal, professor da Universidade de Brasília (UnB). Para o especialista em América Latina, as Forças Armadas serão o fiel da balança nessa disputa. Por outro lado, o candidato oposicionista Henrique Capriles mostra-se cada vez menos disposto a estender pontes para negociações com o governo recém-eleito. Pelo contrário. Parece apostar na radicalização. Se quando enfrentou Hugo Chávez, na eleição presidencial em 2012, adotou um estilo “paz e amor”, numa tentativa de mostrar ao eleitorado que reconhecia o legado social criado pelo adversário e ao qual pretendia dar continuidade, agora, ele não poupa ataques a Nicolás Maduro e a outros expoentes do chavismo. Incorporou ao seu discurso falas sobre a ineficiência administrativa dos partidários do comandante morto e como elas afetaram a própria gestão da propagandeada “República Bolivariana”. O acirramento das tensões, se levado a cabo, permitirá a Maduro, afinal, mobilizar o chavismo sob a sua liderança. Como se vê, não será tarefa fácil governar uma Venezuela conflagrada.

Fotos: Fernando Liano/AP; Reuters/Christian Veron