Até há dois anos, o dramaturgo santista Plínio Marcos – considerado um dos mais importantes do teatro brasileiro pela contundência e constante atualidade de seus textos – cumpria um ritual tão sem glamour quanto seus personagens párias. Diariamente, por volta do meio-dia, abandonava a espremida quitinete de 30 metros quadrados, no famoso edifício Copan, no centro de São Paulo, onde morou por duas décadas, para almoçar num restaurante da praça Roosevelt. Sua figura estranha, quase mendiga, com o barrigão a saltar à frente de seus passos lerdos, chamava a atenção. Ele nem ligava. Ou fingia que não ligava. Afinal, ao longo de sua carreira de 45 anos, Plínio Marcos foi tornando-se personagem de si mesmo. Muitos que se assustaram com a violência de peças como Dois perdidos numa noite suja (1966), ou Navalha na carne (1967), quase não o reconheciam mambembando às portas dos teatros vendendo livros. Em 1997, Plínio Marcos mudou de vida. Pelo menos de apartamento. Transferiu-se para uma ampla moradia de 200 metros quadrados, no tradicional bairro paulistano de Higienópolis, por força da mulher, a jornalista Vera Artaxo, com quem viveu nos últimos cinco anos. Infelizmente, Plínio não teve tempo suficiente para desfrutar da nova fase de conforto. Na sexta-feira 19, depois de uma internação de 27 dias no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo, em decorrência de um acidente cardiovascular, Plínio Marcos faleceu, aos 64 anos, por causa de falência múltipla dos órgãos.

O dramaturgo – que atuou na memorável novela Beto Rockfeller (1968), da extinta TV Tupi – tinha diabetes e já havia sofrido outro acidente vascular em agosto, o que provocou uma perda parcial de memória. Para agravar, ele era também cardíaco e já havia implantado quatro pontes de safena em 1995. Seu estado de saúde agravou-se no meio-dia da própria sexta-feira, com uma queda de pressão arterial. Plínio Marcos morreu às 16h. O meio teatral está consternado. Fauzi Arap, que dirigiu as montagens cariocas de Dois perdidos numa noite suja – na qual o próprio Arap contracenava com Nelson Xavier – e Navalha na carne, que já haviam sido encenadas com grande sucesso em São Paulo, lembra que as duas peças iam estrear no Teatro Opinião, quando foram proibidas. Tônia Carrero emprestou uma casa no bairro de Santa Teresa para os espetáculos poderem ser apresentados e, graças à sua intervenção junto à censura, os textos foram liberados. “A Tônia disse ao chefe da censura que ela iria fazer Navalha na carne, portanto não era pornográfica”, recorda Arap. “Ele era admirável pela linguagem direta e pela capacidade de retratar situações sociais.” O crítico de teatro Alberto Guzik faz coro. “Foi a voz mais indignada do teatro brasileiro nos anos 60 e 70.” Sua dramaturgia realmente fazia diferença.