A farra dos grampos baianos parece não ter fim. Novas investigações da Polícia Federal constataram que o número original de 232 telefones monitorados eram, na verdade, a ponta de um iceberg criminoso. Os policiais da Secretaria de Segurança Pública da Bahia estavam gravando conversas de mais de mil pessoas em cinco Estados. O delegado Valdir Barbosa e o técnico Alan Farias, os principais executores do grampo e já indiciados pelos crimes de falsificação de documentos e escuta ilegal no inquérito da PF, fizeram quase 900 pedidos de escuta. Os pedidos mais recentes datam de fevereiro de 2003, quando ACM já tinha tomado posse no Senado. A nova relação à qual ISTOÉ teve acesso evidencia a má-fé que se transformou o monitoramento de telefones na Bahia. Foram grampeados hotéis, quartos de hospital, uma delegacia de polícia e até orelhões.

O presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, desembargador Carlos Alberto Cintra, mandou investigar por que juízes que não atuam em varas de execuções criminais autorizaram escutas a pedidos da polícia civil baiana. O grampo generalizado atropelou direitos constitucionais de milhares de pessoas que se somaram aos inimigos e desafetos do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), alvo central das investigações da Polícia e do Conselho de Ética do Senado. A metralhadora de ACM sobre seus inimigos atingiu gente que nem o conhece.

Os arapongas carlistas bisbilhotaram as conversas do dentista Sérgio Braga, amigo do advogado Plácido Faria, atual marido da ex-amante de ACM, um dos principais grampeados. Alheio à política, Braga teve grampeados os telefones da sua casa e do seu consultório. “Estou estupefato. Não sabia”, reage. Outro amigo de Plácido, o advogado Antônio Carlos dos Santos, teve seu celular da TeleBahia monitorado. Nem imagina o motivo. Outros adversários de ACM também começaram a aparecer na nova listagem.

Cabeça de greve dos policiais militares da Bahia em 2001, o atual deputado estadual Manoel Isidório (PT) foi outro que não escapou. Seu número de celular da TIM foi monitorado e Alan Farias era o destinatário do grampo. “Claro que ACM está por trás disso, é um crime”, protesta o deputado. O deputado federal Jonival Lucas, que há mais de um ano trocou o PFL de ACM pelo PMDB de Geddel Vieira Lima, entrou na Justiça para saber se seus telefones estavam monitorados. Não recebeu resposta. Mas o cunhado de Jonival, o empresário Anchieta Moita, teve o telefone de sua empresa xeretado pelos arapongas durante dois meses.

O médico André Guanaes tinha dois bons motivos para ser alvo do grampo dos amigos de ACM: é irmão de Nizan, marqueteiro do ex-senador José Serra nas eleições presidenciais. ACM é inimigo de Serra. André é também muito amigo do ministro do Trabalho, Jacques Wagner, um dos maiores adversários do senador no Estado. Mas as surpresas não param por aí. Um advogado de Salvador, com carreira brilhante, apesar de jovem, também caiu no grampo do delegado Valdir Barbosa por ser muito amigo de um neto de ACM. As conversas que o investigador da Polícia Civil Euler Pimentel, de Barreiras, mantinha pelo celular também foram escutadas. “Esta é uma briga com a deputada estadual Jusmari Oliveira (PFL), do grupo de ACM, que me persegue há três anos”, explica Pimentel. O bancário Geraldo Alves Galindo não ficou surpreso com a notícia de que seu celular estava grampeado. Diretor do Sindicato dos Bancários há 15 anos, ele é também dirigente do PCdoB: “Já protocolei mais de 200 denúncias contra ACM e seu bando por operações ilegais junto ao Banco do Nordeste. Sou um candidato natural ao grampo”, reconhece.

A empresária e instrumentista Marjorie Rosemary Wicks, 58 anos, mãe de quatro filhos, conseguiu ter pelo menos seis telefones grampeados a pedido da dupla Alan-Valdir por causa de sua separação do marido. “Ele tinha amigos influentes no governo e eu sofri muita perseguição. Botei um celular na mão da minha empregada, para despistar, e até ela foi grampeada. Só descobri quando apareceu o ACM neste escândalo”, conta Marjorie. O músico que trabalhava com ela, José Roberto Marfuz, teve outros seis telefones interceptados: o celular, o de casa, o do estúdio, o do irmão, o da mãe e o da locadora de vídeo da mulher.

Apesar da gravidade do crime, as operadoras parecem não levar o caso a sério. Dilzete de Carvalho, informada de que estava sendo grampeada a pedido da delegacia de Barreiras, exigiu informações de sua operadora e foi dispensada por uma funcionária da TIM de Belo Horizonte: “Isso é um trote”, desdenhou. Até um procurador de Justiça em Salvador aparece na lista de xeretados. A bagunça dos grampos também atingiu o interior da Bahia. Em Valença, o taxista Sandoval ficou surpreso ao saber que estava na lista: “Mas até disso o ACM é culpado? Tomara que a publicidade pelo menos me garanta mais clientes”, sonha o motorista. A baiana Conceição, que vende acarajé nas ruas de Salvador e atende a encomendas pelo celular, espantou-se com a aparição do grampo: “Moço, eu sou pobre e não tenho nada a ver com o ACM.”

Conselho – O relator da fase preliminar de investigação do Conselho
de Ética, senador Geraldo Mesquita (PSB-AC), pediu na terça-feira 22
a cassação do mandato de ACM por quebra do decoro parlamentar. Ele
se convenceu de que o colega baiano divulgou informações colhidas mediante prática de crime quando distribuiu em Brasília o resumo das gravações das conversas grampeadas. E não vê outra saída para o
caso. “No regimento e na Constituição, não há outra punição para ser aplicada ao senador Antônio Carlos Magalhães, além da cassação do mandato. Se o Senado não decidir dessa forma, qualquer um de nós estará autorizado a cometer a mesma barbárie porque sabe que não perderá o mandato e será, no máximo, suspenso”, argumenta Mesquita. Além disso, lembra Mesquita, ACM é reincidente. Já foi advertido e
fugiu de uma cassação pela porta dos fundos da renúncia na violação
do painel de votação do Senado.

O Conselho de Ética vai decidir na terça-feira 29 se aprova ou não o parecer de Mesquita. Na reunião da semana passada, os senadores Demóstenes Torres (PFL-GO) e Sérgio Guerra (PSDB-PE) discordaram da pena sugerida por Mesquita e vão apresentar uma punição mais branda. Demóstenes, vice-presidente do conselho, vai propor a suspensão temporária do mandato de ACM. Sérgio Guerra também quer aliviar a pena. Segundo o senador João Alberto (PMDB-MA), um terceiro relatório deverá ser apresentado inocentando completamente ACM pelos grampos. Mas dificilmente a punição pedida pelo relator Mesquita deixará de ser aprovada por pelo menos oito dos 16 membros do conselho.

Materialização – Nas 27 páginas do seu voto, Geraldo Mesquita circunstanciou e fundamentou com segurança e profundidade os delitos cometidos por ACM. Lembrou antigos casos de quebra do decoro parlamentar, mostrou com clareza as evidências do crime e reproduziu no seu voto a parte da gravação da entrevista feita pelo jornalista Luiz Cláudio Cunha, de ISTOÉ, com ACM, em que o senador baiano confessa que sabia da origem dos grampos e usou o produto das gravações. “O senador nos leva a acreditar que, se não mandou grampear, tinha conhecimento da prática do crime”, escreveu Mesquita. “A gravação que todos ouviram, de origem conhecida e cujos termos são insofismáveis e incontestáveis, serve não só para comprovar a materialização de um comportamento que viola os preceitos éticos da vida pública, mas também para comprovar um padrão de conduta que, além de tangenciar a arrogância, lamentavelmente tem contaminado o processo político brasileiro”, afirmou o relator.

A punição a ser definida esta semana pelo Conselho de Ética será enviada à Mesa, que dará prosseguimento ao caso abrindo processo contra ACM por quebra de decoro ou mandando arquivá-lo. O senador baiano não escapará do julgamento no Conselho nesta fase preliminar. Trabalha exaustivamente para impedir a aprovação do relatório de Mesquita e, se não conseguir, tentará abortar a punição, esperando que seu amigo, o senador José Sarney, presidente da Mesa, arquive o caso e enterre o processo de cassação.