Em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo, amém. Ao Senhor eu peço a proteção e me coloco debaixo da tua graça, Senhor.” É sempre com essa pequena oração que o padre Marcelo Rossi, 36 anos, inicia suas entrevistas. Receio do que vem pela frente? Não. Apenas mais uma de suas obrigações com o Deus e o Cristo, a quem entrega o corpo e a alma. O garoto que um dia sonhou em ser piloto de F-1 e astrônomo se transformou no maior fenômeno popular surgido na Igreja Católica brasileira. O ano de 2004 promete ser atribulado para o religioso. O trabalho pesado começa com as missas de Páscoa e segue com o lançamento de seu novo filme, previsto para setembro, e de uma série inspirada em episódios bíblicos produzida para a tevê paga. Isso sem falar nos programas de rádio e tevê. Nesta entrevista ele fala sobre o novo filme, sua missão na terra, a polêmica em relação a A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, e às controvérsias que cercam a Igreja Católica.

ISTOÉ – Entramos na Semana Santa, o período mais importante do ano para os católicos. A Igreja vive um momento delicado. Está envolvida em muitas polêmicas e nos últimos anos teve uma sensível queda no seu rebanho. Qual o caminho para o catolicismo neste início de milênio?
Padre Marcelo Rossi

A nova evangelização. Nós temos um universo que se declara católico, mas na prática não é. Falta atingir essas pessoas. Conduzi-las à Igreja. Ai vem a importância dos meios de comunicação. A Igreja está se abrindo para eles. Minha ida para a Rádio Globo é um exemplo disso. Na Rádio América, eu falava para 200 mil pessoas por dia em São Paulo. Na Globo, entro em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. Diariamente, são 1,6 milhão de ouvintes, segundo o Ibope. Quero que quem se declara católico, aproximadamente 73% da população brasileira, continue católico. Assim poderemos atingi-los.

ISTOÉ – O católico perdeu um pouco da fé?
Padre Marcelo Rossi

A fé está em todos nós. Mas muitos desconhecem que a tem. Muitos sabem de Jesus, mas poucos o conhecem. Enquanto não se experimentar Cristo, o que é ser cristão, o que é se entregar a Ele, não se irá amá-lo. Nós estamos num período difícil, mas, paradoxalmente, para mim abençoado. O Brasil passa por dificuldades. É nessas horas que as pessoas se abrem a Deus. Você tem a possibilidade de refletir com a pessoa. Ela pára para te escutar.

ISTOÉ – Seu primeiro filme, Maria, a mãe do filho de Deus, teve mais de 2,3 milhões de espectadores. Em maio, começam as filmagens do segundo. Como será a nova produção?
Padre Marcelo Rossi

O filme se chamará Irmãos da fé. Pretendo passar a lição de vida do apóstolo Paulo para crianças e adolescentes. Paulo era judeu. Perseguiu e matou vários cristãos e depois se converteu à fé cristã. Mas quero deixar bem claro que desejo apenas mostrar a força e o poder da palavra de Deus. Não quero nenhuma polêmica com os judeus.

ISTOÉ – E de que forma pretende passar essa mensagem?
Padre Marcelo Rossi

São três histórias. Em uma delas exponho minha preocupação com o crescimento do sequestro relâmpago e a participação de adolescentes nesse crime bárbaro. Um menino de 17 anos comete um crime desses e acaba sendo preso. A irmã dele vem conversar comigo e pede para eu convertê-lo. Aos poucos, ele aceita a palavra de Deus. Na terceira história, Paulo será vivido por Thiago Lacerda. Para interpretá-lo, ele vai ter que perder 20 quilos em um mês. O objetivo do filme é tocar o coração das pessoas, da violência para o amor.

ISTOÉ – A Paixão de Cristo, o novo filme de Mel Gibson, vem despertando controvérsias onde é exibido. A obra foi acusada de violenta e anti-semita. O sr. viu o filme?
Padre Marcelo Rossi

Não. Minha irmã contou que assistiu e chorou muito. A gente fala que Jesus sofreu e no filme é possível ver que ele só podia ser Deus para aguentar tanta violência. Pelo que me contaram, Mel Gibson pegou os evangelhos e os primeiros escritos cristãos – como eu fiz para compor Maria – e juntou uma boa base científica para compor o roteiro. Também deve ter estudado o Santo Sudário para descobrir as feridas do Senhor. Mas há modos e modos de se contar uma história. Meus amigos não detectaram nada anti-semita. Mas depararam com uma realidade muito forte. Para que chocar tanto? Como evangelização, não me parece ser um bom exemplo. Não sei se é capaz de fazer a pessoa refletir, mudar de vida. Apesar disso, vou esperar para assistir em DVD.

ISTOÉ – Quem ganha com essa radicalização? Criar polêmica, como chutar uma imagem de Nossa Senhora Aparecida na tevê, é uma estratégia para angariar fiéis ou um tiro no próprio pé?
Padre Marcelo Rossi

Sou da opinião que o confronto torna o adversário mais forte. No caso do Mel Gibson, a polêmica foi positiva do ponto de vista comercial. Mas não como estratégia de evangelização. Com meu filme, repito, não
quero em hipótese alguma criar polêmica. Depois da estréia de A Paixão, fiquei um pouco preocupado com o que vão pensar da minha idéia. Acredito que não vai haver problema. A raiz das críticas ao filme de Gibson foi a violência. Uma coisa é dizer que os judeus perseguiram os cristãos e outra é mostrar de forma tão violenta.

ISTOÉ – O sr. veio ocupar um espaço já existente na Igreja ou se considera um fato novo que preencheu necessidades da instituição?
Padre Marcelo Rossi

A missa que eu celebro hoje é a mesma desde o dia em que fui ordenado. Para mim, Deus é alegria. Se você vai a um lugar e é recebido por alguém desanimado, sai de lá desanimado. É preciso dar esperança, fazer o fiel conhecer Cristo. Minha família faz parte da renovação carismática, e, na minha infância, apesar de não ser ligado à Igreja, aprendi muito com suas práticas. Minha mãe me levava para a missa quando eu tinha nove anos. Tinha muita fé até os 12, mas depois me esqueci de Deus. Mais tarde, foi essa base que me atraiu de volta à religião. O que me dá forças hoje para ir às rádios e à tevê é esse desejo de evangelizar.

ISTOÉ – Algumas posturas da Igreja causam desconforto e acabam afastando os fiéis. Como o sr. vê, por exemplo, a questão da camisinha?
Padre Marcelo Rossi

A posição da Igreja é de mãe, tanto em questões como a da camisinha como em outras, como o aborto. A Igreja é a favor da vida. Ao legitimar a camisinha, a Igreja estaria aprovando o amor livre e a infidelidade. Sua postura ao negá-la é mostrar que seus valores são outros. Em vez de falar de camisinha, a Igreja manda ser fiel. Nós perdemos a noção de família e vivemos em um mundo descartável. Estou de acordo com a Igreja quando ela se esforça para reafirmar alguns valores. Não quero atacar ninguém, mas, apesar de respeitá-lo, acho
que o movimento da Teologia da Libertação se voltou demais para o social e se esqueceu do espiritual.

ISTOÉ – O sr. diria que Leonardo Boff e dom Pedro Casaldáliga ideologizaram muito o discurso?
Padre Marcelo Rossi

Toda ideologia afasta pessoas. A maior queda no número de católicos aconteceu após essa ideologização da Igreja. É importante pensar em quem está marginalizado. Agora, imagine ir à Igreja em busca de conforto espiritual e ouvir o padre falar de política. O próprio PT se formou no interior da Igreja. Mas essa politização ocorrida na Igreja tempos atrás fez com que eu me afastasse dela. Se via um padre discutindo política, eu não queria participar da missa. Um dos motivos de eu me tornar sacerdote foi perceber que não precisava ser assim.

ISTOÉ – E por que ser contra o aborto, mesmo em caso de estupro ou quando se sabe que a criança vai nascer com alguma anomalia?
Padre Marcelo Rossi

Converse com os pais de crianças especiais. No início é difícil, eles sofrem muito, mas 100% deles passariam por tudo novamente. Qualquer que seja a anomalia, isso não é motivo para abortar. Santo Agostinho dizia que nunca se mata um mal com um mal maior. Uma pessoa começa a existir no momento da concepção. Todos têm direito sobre o próprio corpo, mas, se existe um outro corpo dentro de uma mulher, essa criança merece uma chance. Existe também situações em que é preciso optar entre a vida da mãe ou a do bebê. Já vi várias mães que optaram pela vida da criança e viveram. Isso é amor. Todas essas questões são complicadas. Não quero ser juiz. Quero acolher as pessoas, mesmo os pecadores, mas não o pecado.

ISTOÉ – O sr. diz que a escolha da Igreja é pela vida, mas sabe-se que ela, ao longo da história, promoveu uma série de massacres
Padre Marcelo Rossi

Um grande historiador diz que não se pode julgar alguém fora de sua época. É difícil ser juiz sem viver aquela realidade. A Inquisição não foi obra da Igreja. Quando Igreja e Estado estão juntos, não se sabe o que é obra de um ou do outro. O Estado comandava a Inquisição, mas usava-se o nome da Igreja para justificar as mortes.

ISTOÉ – Mas a Igreja não pode se eximir. Padre Marcelo – É por isso que o papa pediu tantas vezes perdão. As ameaças de sequestro que o sr. sofreu no ano passado mudaram sua rotina?
Padre Marcelo Rossi

 Graças a Deus, minha vida voltou ao normal no começo do ano. Até o final de 2003, a qualquer lugar em que eu ia havia guardas que me levavam. Hoje, de vez em quando eles passam aí para matar a saudade. Ruim é o clima que ficou na minha família. Este é um mundo em que muita gente tem medo de sequestro. Por isso quero mexer nessa ferida e tentar tocar as pessoas.

ISTOÉ – Como o sr. lida com o celibato?
Padre Marcelo Rossi

Sou um celibatário convicto. Antes de entrar no seminário, fiz um teste comigo no sentido de descobrir o que é a vida do celibatário. Não renunciei ao casamento. Há uma diferença séria entre renúncia, que é algo negativo, e oferta. Costumo dizer aos seminaristas que, se encararem essa missão como oferta de amor, ela muda. Também não me sacrifico. Por ter vivido no mundo e ter namorado, sei quando uma mulher está confundindo as coisas. Se hoje eu estivesse casado, nenhuma mulher ficaria comigo. Ela não aguentaria minha missão.

ISTOÉ – Mas nem todos os padres têm a sua convicção. Os casos de pedofilia na Igreja resultam disso?
Padre Marcelo Rossi

Ninguém é obrigado a ser sacerdote. O celibato é antes de tudo um dom e a pessoa tem de acreditar que é possível. Precisa haver motivação. Mas veja o número de sacerdotes que existem. A gente sofre por causa disso. Conta-se nos dedos o número de padres pedófilos e, por causa deles, há uma generalização. A pedofilia acontece em todos os meios e, conforme estatísticas, ocorre mais frequentemente com pessoas casadas.

ISTOÉ – E o casamento gay?
Padre Marcelo Rossi

Não quero ser juiz. O ensinamento é amar o pecador e não o pecado. Para a Igreja, casamento é entre homem e mulher. E eu amo essa Igreja.

ISTOÉ – Não vê com preocupação o fato de muitos associarem a religião a uma atividade lucrativa?
Padre Marcelo Rossi

É algo que me atormenta. Estamos num mundo onde a fé se tornou um supermercado. Você vai lá e compra. E Deus não é isso. Deus é gratuidade. E esse é um grande perigo. É a teologia da prosperidade. As pessoas acham que quem tem Deus vai ter tudo. Mansão, carro importado. Não é isso que Jesus prometeu.

ISTOÉ – Filmes, CDs gravados, espaços no rádio e na tevê e agora até com um personagem infantil, o padre Marcelinho. Há quem o acuse de lucrar com essa indústria.
Padre Marcelo Rossi

Pode perguntar para qualquer um que me conheça se eu alguma vez pedi dinheiro em uma missa. E tudo que eu ganho tenho que prestar contas para o meu bispo, dom Fernando. Se eu quisesse, poderia ficar com tudo. O que faço é um trabalho lícito. Mas enriquecer não é o meu objetivo. Meu maior sonho, para se ter uma idéia, é ter um santuário próprio. O Terço Bizantino (na zona sul de São Paulo, local onde as missas-show do Padre são realizadas) é alugado. A imprensa, quando quer buscar coisa negativa, acha rapidinho. Mas não mostram a casa dos drogados que nós mantemos, as nossas obras assistenciais. Disso ninguém fala.

ISTOÉ – Como o sr. administra uma agenda tão atribulada?
Padre Marcelo Rossi

Minha missão na terra é evangelizar o maior número de pessoas. Por isso que eu não paro. O ano 2004 para mim vai ser muito difícil. Voltei a fazer ginástica. Um hora por dia. Ano passado comecei a ter um problema na coluna. Meu médico mandou eu voltar a fazer esporte. Senão não aguento.