Dorival Caymmi é especialista em transferir nobreza e poesia às miudezas do cotidiano. Basta ouvir a canção Vatapá, ensinando que primeiro vem o fubá, depois o dendê e um bocadinho de castanha de caju. Ou Requebre que eu dou um doce, na qual fala da sandália de pompom grená de uma moreninha. Ou ainda o clássico O que é que a baiana tem?, em que ele detalha o torço de seda, a corrente de ouro e a bata rendada da moça. Estas canções estão no álbum Para Caymmi – de Nana, Dori e Danilo – 90 anos, que está sendo lançado para comemorar as nove décadas de vida do compositor e cantor, arredondadas no próximo 30 de abril. Filhos do baiano Caymmi com a mineira Stella Maris, os cariocas Nana, Dori e Danilo escolheram a dedo o repertório que melhor traduz o patriarca

Shows, songbook, DVD, relançamentos e coletâneas, como o álbum duplo com interpretações de Ângela Maria, Nelson Gonçalves, Gal Costa e Elba Ramalho, entre outros, também marcam a data especial. Mas, enquanto todos festejam em grande estilo, Dorival Caymmi permanece sereno e recluso no sítio da família em Pequeri, Minas Gerais, como segreda a neta e biógrafa do músico, Stella Caymmi. “Meu avô sofre dos problemas típicos da velhice. Dificuldade para andar, ouvir, enxergar.” Comemoração com bolo e velinhas, só em família. Entrevista, nem pensar, avisa Nana, “a mandona”, como a define o irmão Dori. Desta autoridade, contudo, é que nasceu o álbum Para Caymmi.

Nana idealizou o projeto, convocou os irmãos e decidiu que as músicas seriam cantadas em uníssono, com Dori e Danilo nos graves, ela nos agudos e poucos e eventuais solos. Dori também assina os arranjos e toca violão. Num ponto os três concordaram: não poderia haver nenhuma modificação melódica. “Papai não gosta que deturpem o que foi feito pelo compositor”, explica Nana. Quando ouviu o novo álbum, Dorival Caymmi derramou lágrimas. Não sem razão, pois é um belo disco de sambas com brejeirice, mar, dengo, Bahia e a simplicidade necessária do cotidiano.