O ensolarado Rio de Janeiro recebe a visita de 5,5 milhões de turistas por ano, segundo a Embratur. Diante da profusão de belezas naturais, é surpreendente a inclusão de um cenário fúnebre em seu roteiro turístico. Inspirado no sucesso de necrópoles chiques como a da Recoleta, em Buenos Aires, que abriga Evita Perón, ou o Père Lachaise, em Paris, que atrai um milhão de turistas por ano, com túmulos célebres, como o de Jim Morrison, o cemitério São João Batista, na zona sul do Rio, se impôs ao pacote de praias às atrações culturais. Atualmente, é o mais concorrido do Brasil, com cerca de cinco mil visitantes por ano. A procura fez surgir até cursos específicos para guias entre os túmulos. Além dos jazigos que abrigam os restos mortais de personalidades como Cazuza e Clara Nunes, o grande acervo de obras de arte aumenta o interesse. “Há mais esculturas aqui do que no Museu Nacional de Belas Artes”, compara o arquiteto especializado em história da arte Milton Teixeira. Desde 1994 ele conduz turistas pelas sinuosas ruelas do cemitério e vive com a agenda lotada.

O guia destoa do ambiente pesado dos enterros e velórios abusando do senso
de humor e caprichando em slogans como “conheça o cemitério antes de se tornar
a atração”. Nas alamedas e ruelas, é grande a quantidade de referências barrocas, neogóticas e clássicas, incluindo a primeira escultura moderna do País, esculpida
por Rodolfo Bernardeli. O artista plástico Humberto Cozzi, conhecido pelo belo trabalho de relevos no interior da catedral carioca, é responsável por dezenas das imagens sacras expostas. Curiosidades, como a réplica de uma peça teatral
erguida sobre o jazigo do ator Cláudio de Souza, se ofuscam entre improváveis instalações, como uma porta de elevador que serve de entrada para o mausoléu
de uma família de comerciantes.

Apelidada de Vieira Souto – a sofisticada avenida que emoldura a praia de
Ipanema –, a via principal do São João Batista é também a mais cara. Um jazigo
na área custa até R$ 160 mil. Nela estão enterrados Santos Dumont e Tom Jobim, que descansa sob a bucólica sombra de uma palmeira imperial. Enfeitado com flores sempre frescas, o túmulo de Clara Nunes, venerada como santa por alguns,
é o mais visitado. “Seus fiéis marcam presença todas as semanas e, além das flores, deixam presentes e cartas agradecendo pelos milagres concebidos”, conta Teixeira. Apesar da extravagância na vida de aventuras além-mar, o túmulo da intérprete Carmen Miranda passa despercebido do ponto de vista estético. Ainda assim, é parte indispensável do roteiro. Só no mês de fevereiro as raridades do
tour fúnebre atraíram 600 turistas. Os funcionários agradecem. “É engraçado ver
tanta gente alegre por aqui. Antes eu só via o povo chorando”, aprova a faxineira Priscila dos Santos.