O nome, os olhos puxados e o sotaque carregado podem enganar, mas Shotaro Shimada, 75 anos, é brasileiríssimo. Nascido e criado no interior de São Paulo, durante 11 anos viveu numa comunidade japonesa. Foi só nessa idade, quando se mudou para a capital paulista, que começou a estudar português. Como bom nissei, seguiu as tradições dos pais. Lutador de judô, ganhou três títulos do campeonato estadual. E foi por causa do esporte que entrou em contato com a ioga. “Li que a ioga aumenta a autodeterminação e a resistência e comecei a praticá-la para lutar melhor”, conta. Foi o suficiente. Anos depois, Shimada largou o judô e se dedicou apenas à ioga. Naquela época, ela não era a vedete que é hoje. “Diziam que eu ia ficar maluco. Poucos a conheciam e havia muito preconceito”, lembra. Por isso, ao começar a dar aulas em 1958, Shimada optou por não usar o nome ioga, preferindo ensinar o que chamou de exercícios de respiração. Deu o seu jeitinho brasileiro. Convidado a fazer um quadro sobre a modalidade na extinta TV Tupi, ele começou a se referir à prática como ioga. Hoje, é um dos principais representantes da filosofia no Brasil. E conserva a simplicidade. Sinal disso é o fato de manter sua escola há 45 anos numa sala no centro de São Paulo, longe do circuito da badalação e da moda. ISTOÉ conversou com o professor.

ISTOÉ – A adaptação da ioga no Brasil distorceu a filosofia?
Shotaro Shimada –
Quando as informações começaram a chegar ao Ocidente em 1950, elas já vinham com um tom meio sensacionalista. Apareciam os fenômenos, como os contorcionismos, e não a prática geral. Em 1966, conheci um centro subsidiado pelo governo da Índia, o Kaivaiyadhama, fundado em 1924 e respeitado mundialmente. Lá, pesquisa-se a prática pelo lado científico. Mas infelizmente pouca gente tem esse cuidado. A maioria das iogas que vemos por aí é industrializada. Falta tradição. Se a pessoa tem raiz, não há problema em adaptar um pouco. Se não tem, deturpa a prática. A ioga deve ser canalizada para a realização do bem-estar físico, mental e espiritual, e não para os prazeres momentâneos.

ISTOÉ – Por que os instrutores não estão buscando a tradição?
Shimada –
Infelizmente, nós, ocidentais – porque eu também sou brasileiro, né? –, não gostamos de coisas profundas. Em segundo lugar, não há fácil acesso para as informações exatas. Fora isso, o que é sensacionalista vende mais.

ISTOÉ – A regulamentação poderia organizar a ioga no País?
Shimada –
Poderia. Mas é muito difícil falar nisso. Porque a ioga não é exercício, não é filosofia, não é religião nem psicologia, porém ao mesmo tempo abrange tudo isso. Para ser professor, é necessário conhecer um pouco de fisiologia e anatomia, por exemplo. Como alguém pode ensinar uma prática que envolve posturas sem conhecer o corpo? E, ao mesmo tempo, como pode ensinar se não conhece sua história? É uma discussão delicada.

ISTOÉ – Existe uma proposta de submeter a ioga aos conselhos de educação física. Isso seria interessante?
Shimada –
O problema dessa proposta é que ela exige que as pessoas façam o curso de educação física. E, como disse, a ioga não é só isso. Para formar bons instrutores são necessárias aulas de história, mitologia, psicologia… Isso só é possível com uma gama de professores preparados, cada um na sua área.

ISTOÉ – Muitas pessoas criticam a proposta de levar a ioga para a universidade com receio que ela seja reduzida à sala de aula. O sr. vê problema nisso?
Shimada –
Não. Os cursos acadêmicos aproveitam a estrutura universitária para dar uma formação completa. Depois, se a pessoa quiser complementar o conhecimento com outros cursos específicos, ótimo. Eu, por exemplo, dou aula na pós-graduação de ioga da FMU (faculdade paulista) e algumas aulas na pós da Universidade de São Paulo. Mas ensino apenas o que eu estou habilitado a ensinar. Explico o efeito das posturas no corpo e qual a intenção de cada uma delas.

ISTOÉ – No Brasil há uma discordância sobre o que é ioga e para quem ela
deve ser direcionada. Isso não atrapalha a criação de uma meta comum para
a sua organização?
Shimada –
É verdade. E é assim no mundo inteiro. Até na Índia existe essa discussão de quem é o certo e quem veio primeiro. Para mim, a ioga é uma só
e tem uma só intenção. Seu objetivo é, por meio de posturas, respiração, meditação, concentração e estabilização, chegar ao estado de êxtase. Ioga, em poucas palavras, é a transformação da maneira de ser para o indivíduo entrar em sintonia com a natureza e com Deus.

ISTOÉ – O que o sr. acha do uso da ioga para melhorar o preparo físico e tratar
dor nas costas, por exemplo?
Shimada –
É importante que o instrutor conduza pouco a pouco todos os alunos ao caminho desse estado de consciência maior. Mesmo que a necessidade imediata seja outra. O aspecto mental tem sempre que estar junto. Uma dor nas costas, por exemplo, pode vir de uma atitude mental errônea. Ser uma pessoa insatisfeita pode gerar tensão e fazer a coluna doer. Se a pessoa faz ioga apenas por causa da dor nas costas, é capaz de ela voltar a senti-la se ficar dez dias sem praticar. Temos que buscar mudanças na raiz. Da mesma forma que quem busca esse estado elevado deve aprender a controlar o físico. A ioga é um conjunto.

ISTOÉ – Qual o momento certo para se começar a fazer ioga?
Shimada –

Minha mãe me ensinou que a palavra tarde não existe. É sempre cedo.

É sempre tempo de se relacionar e aprender. E, principalmente, tempo de se tornar mais feliz. Isso vale para a ioga e para tudo na vida. Claro que quem começa a praticar cedo leva vantagem. Mas até o último suspiro da vida é hora de começar.

Eu já estou com a data de validade vencida, mas comecei há pouco tempo a fazer aulas de inglês. Vai ser a minha terceira língua.