22/12/1999 - 10:00
Cinco horas da tarde. A sala de Armínio Fraga, no 20o andar do Banco Central em Brasília, está cheia. Dois diretores e uma chefe de departamento despacham decisões de última hora. O procurador negocia suas férias, enquanto as secretárias entram e saem do gabinete levando e trazendo pilhas de papéis para serem assinados. O presidente do BC não pára. Mas ele não reclama. “Estou muito feliz”, garante Fraga, que há dez meses vem duelando com o mercado financeiro para reduzir a cotação do dólar. Até agora, não matou nem morreu. “A situação ainda não é satisfatória”, admite o presidente do BC. A batalha o agrada. “Eu tendo a respeitar o mercado e tenho uma visão liberal da economia e da política”, define-se Armínio Fraga, discípulo de Pedro Malan e Mário Henrique Simonsen. “Sou ortodoxo, mas não dogmático.” Entre reuniões e o embarque apressado num vôo para o Rio, Armínio Fraga falou a ISTOÉ por exatos 70 minutos em sua sala. Disse que dará um novo aperto no sistema financeiro e anunciou mudanças no sistema de liquidações de bancos. “Não estou satisfeito e quero mudar. Já começamos uma revisão em todas as liquidações e, no ano que vem, teremos novidades”, antecipou.
Quando o sr. veio para o governo, dizia-se que estava triste em Nova York, trabalhando com George Soros. O sr. está feliz no governo?
Naquela altura do jogo, havia uma enorme incerteza e a coisa podia caminhar para uma instabilidade maior. Acho que caminhamos bem, mas a situa-ção atual ainda não é satisfatória. Vejo o trajeto até aqui com um futuro promissor, mas não dá para parar de remar, não.
Está cedo, ainda.
É difícil fazer essa avalia-ção. Num primeiro momento, o que se viu foi um certo pânico. Hoje, o câmbio é de R$ 1,86 e os analistas têm opiniões divergentes sobre isso. A esta altura, já não temos razão para adjetivar o mercado. É possível que no ano que vem haja uma apreciação do câmbio. É possível que outros fatores pressionem na outra direção. O câmbio é esse aí.
Nós tínhamos um déficit primário que assustava muito e com razão. Hoje, temos superávit primário superior a 3% do PIB. Os investimentos de longo prazo são mais do que suficientes para financiar o déficit em conta corrente (resultado dos gastos externos do País com bens e serviços). Inexiste dependência de capitais de curto prazo. Estamos numa situação mais robusta. Mas é ilusão achar que se houver um grande problema nós não seremos afetados. Seremos.
Essa é uma boa pergunta, que nós sempre nos fazemos. Hoje temos uma taxa de juro real muito mais baixa do que a que vigorou nos últimos anos. Eram taxas médias de 20% e hoje estamos olhando para uma taxa de juro real de 10% ou 12%. Então, já houve uma queda. Ainda é uma taxa alta, mas espelha nossa história recente. Espero que o Brasil caminhe para taxas de juros mais normais e temos trabalhado para reduzi-las na ponta. Mensalmente, na Internet (www.bcb.gov.br), oferecemos um acompanhamento estatístico das taxas.
O presidente de um banco central, tipicamente, não faz parte do dia-a-dia da população. Quero crer que se nós colocarmos o País na trajetória de crescimento com estabilidade estaremos fazendo um bem ao povo e o povo reconhecerá. Eu sou um técnico e faço um trabalho técnico olhando para o longo prazo.
Fico feliz, porque tivemos um ano cheio. Nem sempre o trabalho foi fácil, com CPI do Sistema Financeiro. Mas foi um ano produtivo. Vejo um final feliz de um processo que foi muito intenso.
Eu não tenho a vivência do dia-a-dia do Orçamento. O que posso dizer é que o nosso compromisso fundamental é com a transparência, com o realismo. O Orçamento não é só uma peça econômica, é também uma peça política porque centraliza, numa sociedade democrática, a discussão sobre o que fazer com os recursos. E quando não se respeita o Orçamento, na verdade não se respeita a democracia. Mas não pode haver ilusão: o dinheiro sai de algum lugar. Eu disse uma vez, de brincadeira, que o dinheiro sai do meu, do seu, do nosso… Isso é fato.
Não é justo achar soluções que acabam desmoralizando o próprio Orçamento. Nosso papel não é decidir para onde vão os recursos. Nosso papel é chato, é o papel do contador. E ninguém gosta do contador.
Não. Os recursos, na verdade, são finitos. O Brasil arrecada muito, mas isso não é suficiente para resolver todos os problemas. Infelizmente, o País é carente e a solução dos problemas é gradual. O modelo antigo, com déficit primário e inflação, nós já testamos e vimos que não é interessante. Estamos querendo algo muito melhor.
Achei lamentável, porque representou uma pausa num processo importante. Nós defendemos a abertura, mas uma abertura equilibrada. Queremos ter condições de comprar e vender com mais liberdade. Espero que se possa reverter esse quadro.
A troca é livre. Ninguém é obrigado a trocar. Algumas sociedades podem decidir não trocar – Coréia do Norte é um exemplo. É uma opção de cada povo. Acho que é um bom negócio para o Brasil. Vejo isso como uma oportunidade para nós, sem nenhuma dúvida. É uma coisa que acontece uma vez a cada século. E o Brasil pode ter um ganho duplo. Primeiro, porque vamos melhorar nosso padrão de vida nos aproximando das lideranças da economia mundial. Segundo, porque essas próprias lideranças estão crescendo a um ritmo acelerado. É um momento favorável e esse ganho está a nosso alcance.
Eu não li o relatório, só li o que saiu nos jornais. E fiquei surpreso, porque a pessoa que deu as declarações (Uri Dadush, diretor do Bird) não levou em conta o que vem sendo feito no Brasil nos últimos anos. Fomos capazes de produzir uma virada no comportamento fiscal, transformando um resultado equilibrado num superávit de 4% do PIB, pelo conceito primário.
Não tem sido nossa história recente. Com todas as nossas crises, o Congresso tem continuado a apreciar as reformas.
Não é verdade. Aprovou agora a reforma do INSS com toda a tranquilidade. Eu aposto que o Congresso vai aprovar uma boa reforma tributária…
(Risos) Essa é uma colocação estapafúrdia. Há um entendimento quanto ao objetivo final que é um IVA (Imposto sobre Valor Agregado). O que se discute é a operacionalização disso. Vamos olhar para a frente: vejo com otimismo a reforma da previdência do setor público, a reforma tributária e a lei de responsabilidade fiscal.
Eu não quero contestar autoridades, mas aposto na continuidade das reformas. Muitas já foram feitas, portanto a agenda diminuiu, o que é bom.
Continuo comprometido com as metas de inflação (8% em 1999, 6% em 2000 e 4% em 2001). Essa é a minha missão. Eu creio que esse cumprimento é compatível com uma taxa de crescimento em torno de 4%. Continuo achando que isso é viável.
Eu me vejo, do ponto de vista mais amplo, econômico e político, como uma pessoa de inclinações liberais, no sentido clássico do termo. Como economista, não me considero dogmático. Sou um economista ortodoxo, mas não dogmático.
Eu não tendo a acreditar que tudo é perfeito. Eu vejo situações que não são competitivas, eu vejo assimetria de informações, problemas de transição, problemas de credibilidade… Eu tendo a respeitar o mercado e tenho uma visão liberal da economia e da política.
Não. Nós mudamos, de lá para cá, muitas regras, com restrições ao risco cambial que cada instituição pode correr. E estamos também prestes a incorporar parâmetros para risco de taxa de juro. Mas não dá para garantir que o País nunca mais vai ter problemas na área financeira. O que nós estamos procurando fazer é reforçar a saúde do sistema. Sendo justo, esse trabalho já vinha ocorrendo. A situação do Marka e do FonteCindam foi um acidente. Foi anormal.
Não quero falar sobre isso.
Nós estamos trabalhando em algo muito mais permanente. Estamos pensando hoje no que vai acontecer daqui a cinco anos. É um trabalho de prevenção. Não é do interesse do Brasil que ocorra um boom financeiro que acabe desembocando numa nova crise. Não queremos uma bolha de crédito. Estamos liberando o sistema, de um lado, e reforçando as regras prudenciais: essa é a estratégia.
Não estou e quero mudar. Cria-mos um novo departamento com a idéia de que, separando isso da fiscalização, teremos uma atuação mais focada nesse problema. É uma área que temos como prioritária. Já começa, hoje, uma revisão do funcionamento das liquidações e, certamente, no ano que vem apresentaremos propostas de novidades, sim.
O problema é que as liquidações são muito lentas e só beneficiam o banqueiro.
Existem vários modelos e eu ainda não posso detalhar.