22/12/1999 - 10:00
Há duas semanas, o trailer de Pokémon – o filme (Pokémon – the first movie, Japão/Estados Unidos, 1999) – estréia nacional dia 7 de janeiro – vem sendo exibido nos cinemas, em especial nas sessões de Toy story 2, sempre povoadas de crianças. Na simples aparição do decidido garoto Ash e seu escudeiro Pikachu a sala vibra com a energia emanada pela garotada que transformou o desenho japonês em febre nacional. Sintoma detectado, era de se esperar que a fita fosse dirigida apenas à legião de pequenos aficionados que conhecem todos os códigos envolvendo os 151 personagens e seus devidos nomes na ponta da língua e que inflaram o mercado de games, revistas, pôsteres e toda sorte de bugigangas relativas aos monstrinhos de aparência carinhosa ou pouco assustadora. Nada disso. Pokémon extrapola este universo. Pode ser assistido por qualquer fã tardio e é uma bela introdução aos pais até agora desatualizados. Ou seja, a indústria Pokémon quer avançar ainda mais seus domínios. Pobres adultos e um viva para os pequerruchos que nestas férias de verão têm pela frente uma verdadeira maratona de atrações dirigidas a eles. Há desde discos e livros para os que desprezam a grande massa até uma avalanche nas telas incluindo o ótimo e ansiado Castelo Rá-Tim-Bum – o filme – baseado na premiada série da Rede Cultura, ainda reprisada com sucesso –, Xuxa requebra, O Trapalhão e a luz azul, Toy story 2 e, claro, o imbatível Pokémon.
Imbatível mesmo, porque qualquer enquete informal perguntando aos pequenos qual dos cinco filmes eles gostariam de assistir primeiro certamente seria o desenho japonês. Um assombro, quando se pensa que Xuxa, Renato Aragão – que, é certo, não reinam mais absolutos entre os pimpolhos – e o cáuboi Woody já ocupam 798 salas, mais da metade do circuito exibidor brasileiro. Pokémon e Castelo Rá-Tim-Bum – que estréia dia 1º de janeiro em São Paulo, Brasília, Goiânia, Campo Grande, Cuiabá e Curitiba e dia 14 no resto do País – vão cada um ocupar 150 salas. Portanto, se você não tem filhos e mora no Rio de Janeiro ou em São Paulo é melhor não tirar o olho da programação adulta-cabeça da Estação Botafogo e do Espaço Unibanco. Para enfrentar com galhardia a invasão infantil, o melhor que os grandalhões não-iniciados têm a fazer é estar ao menos sintonizados com a saga Pokémon. Ele se originou de um jogo de computador no qual cada participante é um treinador que deve capturar pequenos seres, os poketto monsutaa, de onde derivaram os nomes. Os monstrinhos vivem encerrados em pequenas esferas, as pokebolas, de onde saem para lutar. Para complicar a situação, eles são muitos. Os oficiais, porque ainda existem os pokémons fantasmas, os secretos e outros não numerados. Cada um tem características próprias. Existem os venenosos, os voadores, os elétricos, etc. e todos mudam de personalidade.
Na televisão, e agora no cinema, acompanham-se as aventuras de Ash, um menino que aparenta dez anos e tem como meta tornar-se o maior treinador de pokémons do mundo. Pikachu é seu pokémon elétrico, que dispara cargas de até dez mil watts. Ash ganhou de presente do professor Carvalho, um estudioso do assunto. Com o tempo, o garoto fica amigo de Misty e Brock, treinadores mais velhos. Gary – neto do professor –, Jessie, James e o pokémon Meowth, o único que fala como gente, são seus rivais. O enredo do filme gira em torno do pokémon Mew, o mais mítico deles, que todos pensavam estar extinto. Mas a partir de um fio de cabelo encontrado no Amazonas, seu código genético é recriado dando origem a um clone, Mewtwo. Durante o processo, o monstrinho sofre uma degeneração, transformando-se numa criatura do mal, que quer dominar o mundo formando exércitos de clones pokémon. A salvação vem do fundo do mar, sob a forma do Mew verdadeiro, que desperta após séculos de animação suspensa. Em termos matemáticos pode-se dizer que o sucesso de Pokémon é o resultado da análise combinatória aplicada ao consumismo desenfreado. Mas, para as crianças, não passa de um divertido exercício de raciocínio e memorização típicos da acelerada nova geração.
Mágica – Cao Hamburger, criador da série televisiva e diretor de Castelo Rá-Tim-Bum – o filme, partiu para um lado totalmente oposto, o da pura fantasia, na qual a magia milenar impregna de truques as histórias e atitudes. Nino, muito bem interpretado pelo garoto curitibano Diegho Kozievitch, é um menino de 300 anos, que vive com os tios Morgana (Rosi Campos) e Doutor Victor (Sergio Mamberti) num castelo onde estátuas e livros falam, o carro anda sozinho. Tudo vai bem até a prima de Morgana, a maléfica Losângela Stradivarius – numa performance hilariante de Marieta Severo –, aparecer para reaver seus poderes caçados pelo Conselho dos Magos. Muita mágica com bons efeitos especiais, vilões divertidíssimos como o Rato de Matheus Nachtergaele e o Abobrinha de Pascoal da Conceição e uma bela história da qual se tira a mensagem de que todos somos diferentes fazem de Castelo Rá-Tim-Bum o melhor filme infantil já realizado no Brasil. Um trabalho que fez valer os gastos de R$ 7,5 milhões e os 15 quilos que Hamburger ganhou por ansiedade durante as filmagens. “A essência foi discutir como é um ser estranho e mostrar que essa diferença é a grande riqueza da existência”, explica o diretor. Marieta Severo pegou um caminho mais apaixonado para provar sua paixão pela fita. “Como avó, certamente eu gostaria que meu neto assistisse.”
Pensamento semelhante têm os pais que já levaram seus pimpolhos para ver o divertido Toy story 2, um show de tecnologia digital em que não existe nenhum traço executado por humanos. Para completar a gincana infantil, há ainda nas telas os trabalhos mais recentes de Xuxa e Renato Aragão. Desta vez, a apresentadora loira quis incutir algumas mensagens positivas na cabeça dos baixinhos em Xuxa requebra, produção de R$ 3 milhões que, em meio aos merchandisings de sempre, coloca na boca da sua personagem Nena libelos contra o cigarro e as drogas. Tizuka Yamazaki, que assinou em 1990 o sucesso Lua de cristal, foi novamente convidada para dirigir a aventura de Xuxa, agora enfiada em calças cargo e colete vivendo uma repórter-fotográfica ingênua. Durante a preparação para o papel, Xuxa chegou a fazer um pequeno laboratório na redação de O Globo, mas sua interpretação não surpreende. As crianças, obviamente, não estão muito preocupadas. Preferem acompanhar com interesse a movimentada história que opõe a heroína à vilã Macedão (Elke Maravilha), chefe do tráfico que quer desalojar uma escola de dança e construir no local um spa escuso.
Para salvar a instituição, Nena ajuda os bailarinos a criarem uma coreografia no concurso Requebra 2000 e assim ganharem o prêmio em dinheiro que resolveria os problemas financeiros da escola. É a deixa para várias sequências de dança, sem falar das participações em números musicais de Vinny, no papel de um pipoqueiro, de Claudinho & Buchecha como dois pedreiros, da Fat Family, interpretando os capangas de Macedão, e do grupo Terrasamba como animados lavadores de carro. O cantor Daniel encarna o bandido bonzinho, que se apaixona por Xuxa. Tiazinha interpreta ela própria. Tudo muito bem acertado numa receita infalível de cinema popular, não fosse o equívoco de, em nome do realismo, exagerar na dose ao mostrar Xuxa sendo torturada pelos vilões. O produtor Diler Trindade, que está por trás de todos os filmes da apresentadora, se defende. “Tem só meia dúzia de socos.”
Renato Aragão, por sua vez, não economiza pauladas, socos e pontapés em seu 40º filme, O trapalhão e a luz azul. Mas monta seu tradicional circo de palhaçadas dentro da linha burlesca que celebrizou seus ídolos, Charles Chaplin e Oscarito, e ele próprio. “Acho um crime abusar da violência em filme infantil”, afirma Aragão, em meio à algazarra de 900 crianças que animavam a pré-estréia do filme, na quarta-feira 15, em São Paulo. “Há 15 anos não se permitia mostrar um revólver em cena. Hoje, em desenhos japoneses aparecem tiros e cabeças explodindo no horário do meio-dia”, revolta-se o humorista de 64 anos. Para dar consistência à sua nova aventura, Aragão se inspirou no conto Luz azul, dos Irmãos Grimm. “Eles sabem tudo sobre crian-ças. Só fermentei a história.” Também recheado de números musicais, O trapalhão e a luz azul joga seu personagem Didi no universo paralelo de Taniz, reino perdido no tempo, que se encontra sob o domínio da bruxa Corona (Danielle Winits). Entre as costumeiras piadas e correrias, Didi termina salvando todos com a tal luz azul e conquistando o coração da jovem Anajuli (Adriana Esteves). A meninada adora. “Cresci, mas continuei criança”, brinca Aragão. “Quando sento à frente do computador para escrever uma história me imagino sempre de calças curtas.” Na companhia de seus filhos, assistindo a todas estas atrações, os pais devem sentir a mesma sensação.