Em algum momento dos anos 1970, perdidos na minúscula Alexandria, Mississippi, Harriett Cleve Dufresnes e seu colega de classe Hely Hull, ambos com 12 anos, se viram trancados numa casa cheia de serpentes, pastores evangélicos alucinados, mórmons apatetados, traficantes e consumidores de metanfetamina. Para o garoto, tudo não passava de uma
aventura como as dos gibis que lia avidamente. Para a menina, aquela era a missão de uma vida: encontrar e punir o assassino de Robin,
seu irmão morto aos nove anos, quando ela ainda era um bebê. O amigo de infância (Companhia das Letras, 592 págs., R$ 49,50), segundo romance de Donna Tartt – uma americana de 38 anos nascida no Mississippi e que hoje se apresenta com ares nova-iorquinos de Diane Keaton –, foi lançado nos Estados Unidos em novembro passado com críticas elogiosas e ótimas vendagens, nove anos após sua festejada estréia com A história secreta.

O coquetel servido pela arredia Donna, que inclui doses equilibradas

do Mark Twain de

Tom Sawyer

e de

As aventuras de Huckleberry Finn

e de escritores modernos cortejados pelo cinema, como Rick Moody

(

A tempestade de gelo

) e Jeffrey Eugenides (

As virgens suicidas

), tem como característica singular o retrato das consequências de um crime. E não as circunstâncias ou a busca pelos criminosos, apesar da determinação de Harriet em encontrar o assassino. O fio condutor é levado por Harriett – espécie de Emília das histórias de Monteiro Lobato transplantada para o interior americano – e sua família. A rebuscada composição destes personagens, assim como a de outros, alguns donos de cobras e maus hábitos, se enquadra no gênero conhecido nos Estados Unidos como gótico sulista. A vantagem é que, pelas teclas de Donna Tartt, o gênero ressurge oxigenado.