Um intelectual que dividiu sua vida entre a história e a literatura encontra agora boa tradução no cinema. Raízes do Brasil, uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda, documentário de Nelson Pereira dos Santos, que tem estréia nacional na sexta-feira 19, mostra aspectos importantes e desconhecidos do historiador, sociólogo, jornalista e autor do clássico Raízes do Brasil, lançado em 1936. Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) sempre foi visto como um homem seriíssimo, afundado em livros e quase inacessível. No documentário, a imagem é delicadamente superada pela do homem de família, amoroso e sensível às pequenas transformações ocorridas com os sete filhos – Chico, Miúcha, Ana,
Sérgio, Maria do Carmo, Álvaro e Cristina –, os 14 netos e a eterna companheira Maria Amélia, a Memélia. O filme é dividido em duas partes, com quase 70 minutos cada uma. Na primeira, a família abre o baú de memórias. Na segunda, encontra-se o pensador que deixou uma obra até hoje capaz de explicar o Brasil.

Chico Buarque revela o fascínio pelo pai, um leitor contumaz “de
Tolstoi a Luluzinha”. Desde pequeno, o hoje compositor queria adentrar
o escritório-refúgio paterno. “Tinha uns 20 volumes com sermões de Padre Antônio Vieira. Eu não entendia como meu pai, que não era religioso, lia tantos sermões de padre”, diverte-se. “À medida que percebia algum sinal de inteligência num filho, ia dando acesso ao local. Acho que comecei a escrever apenas para ser admitido no escritório de meu pai”, prossegue Chico. “Ele lia meus rascunhos, fazia observações cuidadosas para não me desanimar e dava dicas de leitura. Um dia, me deu um livro que entendi como se estivesse passando o bastão, o seu dicionário analógico.”

O filme é conduzido por Memélia, 94 anos, a rainha do clã. Ela fala de saudade, mas sem tristeza. “Nossa casa sempre foi muito alegre, com grandes amigos, conversa solta.” Memélia, que impressiona pela vitalidade e lucidez, numa divertida lembrança conta o que o marido fazia para relaxar. “Quando queria refrescar a cabeça, lia teatro russo, poesia inglesa.” O método de escrita era rigoroso. “Escrevia à mão, depois copiava na máquina. Quando escrevia, ficava possuído.” Chamado de “Papyotto”, apelido dado pela neta Bebel Gilberto, Sérgio Buarque de Holanda exerceu grande influência sobre seus descendentes, uma família unida, simples, alegre e extremamente ligada à cultura brasileira.