05/11/2008 - 10:00
Novo presidente dos Estados Unidos só será definido na terça- feira 4, mas, nos círculos diplomáticos e acadêmicos ligados ao Brasil na capital americana, é como se o candidato democrata já estivesse eleito. A proximidade com Barack Obama tem sua razão, embora ele nunca tenha visitado a América Latina e só conheça o Brasil por meio dos relatórios de seus assessores. Sua equipe de política externa tem um grupo de acadêmicos respeitados, inclusive especialistas em Brasil, enquanto os assessores do republicano John McCain para a América Latina são mais ligados a Cuba e à "velha agenda" americana para o Sul do hemisfério. Durante a campanha, McCain foi ao México e à Colômbia, uma indicação dos países que ele considera prioritários na região.
"Com a crise econômica e outros assuntos na política externa, o Brasil não estará na agenda do novo presidente americano no início do governo, quem quer que ele seja", disse à ISTOÉ Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano, principal centro de estudos das relações hemisféricas em Washington. "Mas a eleição de Obama seria melhor para o Brasil, para a América Latina e para o mundo, porque vai romper com a imagem ruim do presidente Bush e criar uma boa vontade em relação aos Estados Unidos", completou.
A manutenção dessa boa vontade vai depender, claro, de atitudes concretas do novo presidente novo presidente. Obama já mostrou, em viagem à Europa durante a campanha, que pode mudar a maneira como os estrangeiros vêem os Estados Unidos. Na teoria, um presidente republicano seria melhor para o Brasil nas questões comerciais, já que eles são considerados menos protecionistas. O problema é que, ao contrário do Brasil, nos Estados Unidos esses assuntos são atribuição do Congresso. Analisando o histórico dos dois candidatos no Senado, o Centro de Estudos de Política de Comércio do Instituto Cato classifica Obama como intervencionista e McCain como favorável ao livre comércio. O passado recente dos presidentes americanos, no entanto, desafia a regra de republicano liberal e democrata protecionista. No governo do democrata Bill Clinton foi concluída a Rodada Uruguai, que elaborou o conjunto de regras em vigor no comércio internacional, e foi o republicano George W. Bush quem criou uma sobretaxa para o aço brasileiro.
O certo é que o novo presidente, quem quer que seja, terá de lidar com um Congresso democrata. As pesquisas mostram que a maioria já existente deve ser ampliada e é possível que os democratas consigam eleger 60 senadores, número suficiente para evitar uma obstrução da oposição.
Um presidente republicano teria pouco espaço de ação. Por isso, é preciso olhar com cuidado as promessas de campanha de McCain, como o fim da tarifa de importação do etanol brasileiro, hoje em US$ 0,54 por galão – cerca de R$ 0,30 por litro. Uma mudança vai depender muito mais das negociações entre os diferentes lobbies em atuação no Congresso – congressistas da Califórnia e da Flórida, por exemplo, são favoráveis à importação, enquanto os do MeioOeste, de onde vem Obama, tendem a defender a proteção aos produtores americanos de milho. Em Washington, brasileiros tanto do governo quanto do setor privado dão como certo que o fim da sobretaxa é uma questão de tempo.
O embaixador do Brasil na capital americana, Antonio Patriota, diz que o governo brasileiro tem boas relações com os dois lados da disputa. "Estamos bemposicionados dos dois lados. Não há risco de que uma ou outra administração relegue as relações com o Brasil a um nível pouco satisfatório", afirmou. O problema é que, embora seja verdade que as relações entre os dois governos são boas, especialistas dizem que a relação carece de profundidade. "A relação dos Estados Unidos com o Brasil é excelente, mas é superficial", diz o diretor do Programa Brasil do Woodrow Wilson Center for Scholars, Paulo Sotero. "É importante que o Brasil saiba o que quer dos Estados Unidos e passe a ter uma posição mais próativa", afirmou. Richard Nass, presidente do Conselho de Relações Exteriores, de Nova York, escreveu em um artigo publicado na Newsweek que uma das conquistas do governo Bush é "uma boa relação com o Brasil, cada vez mais a âncora de um bloco centrista na América do Sul". Na campanha, o Brasil não é citado. A exceção ocorreu em um dos debates, quando McCain mencionou o etanol. Obama fala muito em investir em energias renováveis e fazer desses investimentos um dos pilares da recuperação da economia. Tratase de uma área onde a cooperação com o Brasil é óbvia, dada a liderança brasileira na área.
Esse tema, porém, não entrou na agenda dos candidatos. Na última semana da campanha, eles investiram nos Estados que podem decidir a eleição, como Flórida, Carolina do Norte, Virgínia, Ohio e Pensilvânia.
Embora Obama continue liderando as pesquisas de intenção de voto na contagem geral, a vantagem em relação a McCain diminuiu. A média das pesquisas de opinião, compilada pelo site Real Clear Politics, dava uma vantagem de 6,2 pontos a Obama na quinta-feira 30, com 49,9% a 43,7%, um pouco menor do que na semana anterior. No colégio eleitoral, porém, o democrata tinha 311 votos, enquanto o republicano tinha 142 votos, e outros 85 votos ainda não estavam definidos. É preciso conseguir 270 votos para vencer a eleição. Com exceção de dois Estados onde os votos são proporcionais, nos demais o vencedor leva todos os votos do Estado no colégio eleitoral. Isso significa que é possível vencer a eleição sem ter a maioria do voto popular, como aconteceu com Bush em 2000. Na Flórida, por exemplo, com 27 votos, vencida por Bush nas eleições anteriores, Obama lidera as pesquisas com apenas 3,5 pontos de vantagem. A liderança de Obama também é frágil na Carolina do Norte e no Missouri, que escolheram candidatos republicanos nas duas eleições anteriores.
Continua incerto, porém, o efeito que o racismo pode ter na eleição. Obama procurou minimizar o assunto na campanha, dizendo que não havia "uma América negra ou uma América branca, mas os Estados Unidos da América." Alguns analistas dizem que muitos eleitores podem deixar de votar em Obama porque ele é negro. É o chamado "efeito Bradley", que diz que eleitores brancos podem declarar nas pesquisas voto num candidato negro para não parecer racistas, mas na privacidade da urna votariam no candidato branco. O nome vem de Tom Bradley, um negro que liderava as pesquisas para o governo da Califórnia em 1982 e perdeu nas urnas. No programa humorístico The Daily Show, na semana passada, Obama brincou quando foi questionado sobre isso, já que ele é filho de mãe branca, americana, e pai negro, queniano.
"Acho que vou fazer análise para não me confundir na hora de votar", disse ele. Daniel West, vice- presidente e diretor de estudos de governança do Brookings Institution, acha que o efeito Bradley não terá influência nesta eleição e será anulado pelo preconceito de idade contra McCain, que se vencer, aos 72 anos, será o mais velho presidente americano a assumir o governo. "Obama pode perder votos por ser negro, mas vai ganhar muitos votos dos jovens. Acho que a questão racial e da idade vão se anular mutuamente", disse ele.
A economia ganhou mais força na reta final da campanha, com promessas dos dois lados de redução de impostos. Obama também quer ampliar a cobertura do sistema público de saúde e McCain pretende oferecer uma dedução de imposto para que a própria pessoa pague seu segurosaúde. Uma declaração de Obama há duas semanas de que era preciso "distribuir a riqueza" deu munição para ataques do lado republicano, que chegou a chamar o candidato democrata de "socialista" – um palavrão no país. "Nos Estados Unidos nós não distribuímos a riqueza. Nós criamos riqueza", disse McCain. "Logo vão dizer que eu sou socialista porque dividia meus brinquedos no jardim da infância", ironizou Obama num comício na Flórida.
Uma propaganda de Obama de meia hora, veiculada no horário nobre em várias emissoras de televisão, provocou grande debate no país. O motivo não foi o conteúdo, mas o custo da veiculação, estimado em US$ 3 milhões, já que nos Estados Unidos não existe propaganda gratuita. Com mais dinheiro – porque não aceitou o financiamento público da campanha -, Obama está gastando quatro vezes mais do que McCain em propaganda de tevê e tem 100 vezes mais anúncios online do que o concorrente republicano. O democrata já arrecadou US$ 600 milhões, enquanto o candidato republicano conseguiu um terço desse valor. Ao contrário das eleições anteriores, desta vez é o Partido Democrata o lado mais rico da campanha.