Portugal quer ser o advogado do Brasil na União Européia. A declaração é da ministra dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Teresa Gouveia, e reflete o novo nível de entrosamento entre os dois países. Além dos tradicionais laços culturais, Portugal é hoje um forte parceiro econômico do Brasil, com investimentos pesados nas áreas de telefonia e de infra-estrutura. Segundo a chanceler, que fez em fevereiro sua primeira visita oficial ao Brasil, chegou a hora de as empresas brasileiras fazerem o caminho de volta, investindo em Portugal e se tornando multinacionais a partir dessas filiais abertas no Exterior. “Os brasileiros precisam tornar-se bandeirantes do retorno”, instiga a ministra. Teresa destaca que as negociações para a formação de uma área de livre comércio entre o Mercosul e a União Européia estão em ritmo acelerado e são mais um fator para que Brasil e Portugal se tornem ainda mais aliados. Para a chanceler portuguesa, a liderança internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é “inconteste”. A ministra defende ainda o apoio de Brasil e Portugal à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que deve se tornar um bloco atuante no mundo. Teresa confirmou que os dois países fecharam questão quanto à prorrogação da presença militar da ONU no Timor Leste, considerando que a consolidação do país, o mais novo do mundo e o mais novo integrante da CPLP, é “questão de honra”. Esse assunto, aliás, seria discutido com o chanceler timorense, José Ramos Horta, que visitou o Brasil depois da ministra portuguesa. A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva de Teresa a ISTOÉ.

ISTOÉ Como Portugal vê o desempenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no campo da política internacional?
Teresa Gouveia – O presidente
Lula da Silva é, sem dúvida, uma
voz de liderança na comunidade internacional. Todos o escutam, por causa da autenticidade de suas idéias. Para nós é muito importante haver um líder internacional que fala português, que reflete nossa herança cultural comum.

ISTOÉPortugal, nos últimos dez anos, especialmente
com as privatizações ocorridas no Brasil, se tornou um
forte parceiro econômico brasileiro. ponto de o Brasil ser
o destino de 26% dos investimentos portugueses no Exterior.
Qual é o futuro dessa parceria?

Teresa – Há um interesse mútuo em termos uma relação comercial e econômica fluida não apenas entre Brasil e Portugal, mas entre o Brasil e a União Européia, um mercado com 450 milhões de habitantes. Nesse sentido, Portugal quer ser realmente a porta de entrada do Brasil na Europa. E o governo brasileiro também quer isso. O Itamaraty vai realizar em Lisboa um seminário para empresas brasileiras interessadas em investir em Portugal. Isso é muito importante. O setor empresarial do Brasil é muito competente e está na hora de essas grandes empresas se tornarem multinacionais a partir de Portugal.

ISTOÉ – Esse movimento seria apenas para grandes empresas?
Teresa – Não. Portugal iniciou a internacionalização de sua economia pelo Brasil. Hoje, o novo fluxo de investimentos portugueses no Brasil é através de médias e pequenas empresas. Já existem pelo menos 300 empresas, especialmente na área de serviços, se preparando para atuar no Brasil, gerando empregos e ajudando o País. No caso das empresas brasileiras, as oportunidades também são para todos, dos grandes grupos até as pequenas empresas. Está na hora de os brasileiros se tornarem bandeirantes do retorno, neste fluxo de capitais reverso rumo à Europa.

ISTOÉ – Sobre as negociações entre o Mercosul e a União Européia, as possibilidades de fechamento de um grande acordo de livre comércio continuam grandes?
Teresa – O momento é o ideal. Pretendo inclusive fazer um relatório ao presidente da União Européia, Javier Solana, sobre meus contatos no Brasil, mostrando que a vontade de conseguir um acordo excelente é mútua. O que é preciso é termos posições proativas. Não se pode ficar preso às questões agrícolas, e sim ampliar as possibilidades de negociação. Essa área de livre comércio é importante para todos.

ISTOÉ – O Brasil liderou a criação do G-20, durante a fracassada reunião da OMC no ano passado em Cancún. A sra. considera que a criação do bloco é positiva em termos de negociações futuras?
Teresa
– A criação do G-20 foi muito importante e teve efeitos significativos. O bloco, sob a liderança do Brasil, realmente se tornou um novo interlocutor nas negociações comerciais internacionais e vai contribuir para que se consigam acordos melhores para todos.

ISTOÉ – Como está a situação da CPLP? Ela pode tornar-se um interlocutor de destaque no mundo?
Teresa – Acho que nossos países estão em sintonia total no sentido de reforçar a CPLP. Somos oito países, com milhões de pessoas falando português, e é preciso que essa unidade não se resuma à língua. Nesse sentido, é fundamental que Brasil e Portugal façam projetos de desenvolvimento com Angola, Moçambique e demais integrantes da CPLP, transformando-a de um grupo de países que falam a mesma língua em um bloco político, econômico e cultural. No caso do membro mais novo, o Timor Leste, Brasil e Portugal estão unidos pela prorrogação da missão militar da ONU no Timor. E o fato de o Brasil ser este ano membro do Conselho de Segurança ajuda a garantir essa prorrogação da presença da ONU no Timor.

ISTOÉ – Este ano se comemoram os 30 anos da Revolução dos Cravos. O que o movimento significou para Portugal?
Teresa

– A Revolução dos Cravos trouxe a democracia para a vida dos portugueses. Nesses 30 anos, a história se acelerou em Portugal, em todos os sentidos. Saímos do 43º lugar no índice de desenvolvimento da ONU para o 23º lugar, nos integramos à União Européia, começamos um ciclo de desenvolvimento econômico e social. Sem o 25 de abril, provavelmente essas mudanças ocorreriam de modo muito mais vagaroso.