03/03/2004 - 10:00
O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), vai perder R$ 2 milhões mensais de arrecadação por causa da medida provisória baixada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que proibiu o funcionamento dos bingos em todo o País. O dinheiro vem dos impostos cobrados pelo governo goiano dos bingos, legalizados desde 1999, e é integralmente destinado para programas sociais que atendem mais de 150 mil famílias carentes no Estado com o pagamento de meio salário mínimo mensal. Marconi, que foi reeleito no primeiro turno em 2002 com mais de 1,3 milhão de votos, apesar do prejuízo, acolheu a decisão do governo e mandou fechar os bingos. Se continuarem proibidos, ele espera que o governo encontre uma opção, que pode até ser a estatização. Ao analisar o escândalo Waldomiro Diniz, o governador não vê motivos para a instalação de uma CPI para investigar as operações do ex- assessor da Casa Civil. Segundo ele, os atos de Waldomiro foram isolados, e não há indícios de envolvimento de autoridades do governo Lula no episódio. Ele acredita que as investigações feitas pela Polícia Federal serão suficientes e punirão os responsáveis. Partidário fervoroso da volta dos trens, o governador pensa até em ligar Brasília a Goiânia com um trem rápido e defende a ligação ferroviária do Brasil ao Chile, abrindo a sonhada saída para o Pacífico. Marconi também defende uma política integrada de desenvolvimento que corrija as desigualdades regionais, ponto de partida para o fim, no futuro, da guerra fiscal, da qual Goiás, em seu governo, foi um dos grandes beneficiados. Pioneiro em políticas compensatórias de complementação de renda, ele já unificou em Goiás projetos como Bolsa-Escola e Bolsa-Família, entre outros. A seguir, os principais trechos da entrevista de Marconi Perillo a ISTOÉ.
O que se espera é que haja rigorosa investigação e consequente punição dos responsáveis.
Eu acatarei a decisão da bancada do PSDB no Congresso. Mas não vejo indícios no caso que comprometam autoridades do governo federal comprovadamente.
A MP que proíbe os bingos está sendo rigorosamente
acolhida em Goiás. Creio que a Justiça vai dissipar as dúvidas
existentes na matéria e dará à questão o encaminhamento correto. Espero que o governo federal sinalize com uma alternativa aos Estados que perderão receitas. Goiás, por exemplo, perderá R$ 2 milhões por mês, valor o que os bingos, por força de contrato, recolhem aos cofres públicos e que são integralmente empregados no custeio do Programa de Renda Mínima, que atende hoje 150 mil famílias. Talvez a saída seja uma instituição financeira da própria União assumir a administração e o controle dos bingos.
Tenho uma relação pessoal de amizade com o presidente, que considero uma pessoa bem intencionada. Foi ele quem pessoalmente colocou as obras do Aeroporto de Goiânia, uma prioridade do Estado, também como prioridade para o governo federal. Tenho mantido bom relacionamento com os ministros José Dirceu (Casa Civil), Dilma Rousseff (Minas e Energia), Roberto Rodrigues (Agricultura), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), Marina Silva (Meio Ambiente) e Aldo Rebelo (Articulação Política), por exemplo. Mas, apesar de Goiás estar cumprindo rigorosamente o ajuste fiscal, pagando mais de R$ 3 bilhões ao governo e ter melhorado consideravelmente seu perfil de endividamento, até hoje ainda não consegui ser recebido pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci.
Tenho o apoio de praticamente todos os partidos ao meu governo. Quanto à eleição para a Prefeitura de Goiânia, tenho uma relação muito boa com o prefeito Pedro Wilson, do PT, que é candidato
à reeleição. Para mim, após exaurir o debate com nossa base, acho que teremos de buscar o melhor para a cidade. Eu não descarto nada que represente avanço político para Goiânia e Goiás.
Nós temos uma visão clara da necessidade de reinserção do transporte ferroviário de cargas e passageiros dentro do projeto global
de transporte no País. Dentro desse quadro, considero as ferrovias
– tão esquecidas há décadas – uma prioridade. Elas oferecem frete
mais barato e muita competitividade. É preciso uma ampliação da
malha ferroviária como um projeto estratégico, de Estado. É preciso incentivar uma febre de ferrovias transportando cargas e passageiros, como ocorreu no começo do século passado. Isso aliviaria a pressão sobre as rodovias, que estão em estado lastimável, e sobre o meio ambiente. Uma ferrovia causa menos impacto ambiental do que uma rodovia. E em alguns casos, como no do rio Araguaia, afetam menos o meio ambiente do que uma hidrovia. Goiás critica o projeto da Hidrovia Araguaia–Tocantins, pois ela afetaria de modo irreversível o Araguaia, um rio que é um santuário para nosso Estado.
No caso do transporte de cargas, é preciso implantar uma malha ferroviária nacional. As linhas de Goiás não farão apenas a integração do Estado, mas incorporarão os vizinhos, como Tocantins, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e de lá se juntarão às demais regiões do País. Conheço os planos para fazer a ligação ferroviária do Brasil, via Mato Grosso, ao oceano Pacífico, passando pela Bolívia e pelo Chile. Quero ser parceiro na empreitada, que aumentará a competitividade dos produtos brasileiros na exportação. Para isso, vou construir um ramal ligando Goiás a este novo eixo ferroviário que abrirá ao País a porta do Pacífico. Mas não basta apenas isso. É preciso concluir a Norte-Sul, que abrirá ao Centro-Oeste e ao resto do País portos como os de Itaqui (MA) e Belém (PA) no Pará e também criar eixos Leste-Oeste e ampliar a ligação do Centro-Oeste com o Sudeste. Enfim, devolver ao trem o papel principal na integração do País.
Temos que desmistificar isso. Eu nunca falei em trem-bala,
o que eu quero é um trem veloz. Um trem-bala atinge mais de 400 quilômeros por hora e precisa percorrer quase 100 quilômetros para acelerar até à velocidade máxima e outro tanto para parar. A distância entre Brasília e Goiânia é de 200 km, com Anápolis ficando no meio do caminho. Assim, o trem teria que começar a frear na hora que chegasse à velocidade máxima. Com a parada em Anápolis, essa velocidade nunca seria atingida, inviabilizando seu uso. O que eu pretendo é ver circulando trens com velocidade máxima entre 150 e 200 km/h. Eles atenderiam um público estimado em oito mil passageiros-dia que circula no eixo Brasília–Goiânia usando aviões, ônibus e automóveis.
Claro. É preciso colocar os governos federal, estaduais
e a iniciativa privada como parceiros. A verdade é que a região
Brasília–Anápolis-Goiânia já tem hoje cinco milhões de habitantes, um mercado suficiente para viabilizar qualquer projeto de desenvolvimento. Um projeto ferroviário amplo, incluindo esses trens velozes, é o tipo de sonho que vale a pena, pois é viável a médio e longo prazos. E pode ser iniciado pela capital federal. Brasília merece ser o ponto de partida de um moderno sistema de transporte de passageiros com trens velozes. O estágio seguinte poderia ser a construção do trem-bala, o que chega a 400 km/h. Ele sairia de Brasília rumo a Belo Horizonte e ao Rio de Janeiro, com outra linha indo para São Paulo. O importante seria interligar essa rede de trens rápidos, como os europeus estão fazendo. A Espanha projeta uma rede de oito mil quilômetros de linhas para trens de alta velocidade, com tipos diferentes de trens. Desse total, cinco mil já
estão em construção. O mesmo estão fazendo França e Alemanha.
São bons exemplos para nós. O trem é fator de desenvolvimento, de reordenamento do espaço. Quando se oferece transporte rápido,
você dá condições para que as pessoas morem em cidades menores, mantendo os empregos nos grandes centros.
A questão é muito complexa e passa pelos recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal. Ele prevê, para este ano, recursos federais de R$ 4 bilhões para segurança, educação e saúde que são repassados diretamente ao governo de Brasília. Goiás tem pelo menos oito cidades que estão conurbadas com o Distrito Federal, onde as divisas territoriais são imaginárias. Mas o dinheiro todo vai para Brasília, e nós não temos nada. Isso cria problemas quase insolúveis. Já pedi uma audiência com o presidente Lula para tratar exclusivamente do entorno. É preciso que o governo federal nos ajude a solucionar os problemas da região porque, daqui a pouco, Brasília vai ficar ameaçada. É fundamental termos uma estratégia integrada para Brasília e o entorno, com a alocação de recursos federais não apenas para o Distrito Federal, mas para o conjunto da região.
Sob controle. A questão das migrações internas passa
pela implantação de políticas de desenvolvimento regional,
que gerem oportunidades de emprego nos vários Estados e regiões
do Brasil. E aí é que vem a questão da chamada guerra fiscal.
Os Estados foram obrigados a criar mecanismos próprios de estímulo
à implantação de indústrias, de empresas por causa da inexistência
de uma verdadeira política nacional de desenvolvimento regional e combate às desigualdades. Se nós tivéssemos uma política equilibrada
de desenvolvimento regional, que gerasse condições para uma política local de distribuição de renda, não seria necessária a chamada “guerra fiscal”. A migração também não precisaria ocorrer, com pessoas deixando suas cidades e regiões de origem em busca de melhores oportunidades em outros Estados. Programas como o Bolsa-Família podem ter um papel importante para reduzir o fluxo migratório ao melhorar a condição de vida das parcelas mais pobres da população. Mas a solução concreta e duradoura passa pela geração de empregos locais, que distribuam renda.
Como já disse, sem uma política nacional de desenvolvimento regional, os Estados tiveram que usar as armas possíveis. Em cinco
anos, consegui, através do programa Produzir, gerar 55.675 empregos diretos através de 492 projetos implantados em Goiás. A produção
de grãos aumentou de cinco milhões de toneladas para 13 milhões
de toneladas. As exportações passaram de US$ 330 milhões para
US$ 1,1 bilhão. Tudo gera emprego, mas essas empresas não teriam vindo para Goiás sem os incentivos. Mas, apesar desse sucesso, acho que a saída é mesmo termos uma política nacional para correção das desigualdades regionais.