O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o núcleo duro do poder estão convencidos de que, por ora, o governo conseguiu virar o jogo e fechar o pano sobre a CPI do escândalo Waldomiro Diniz, flagrado extorquindo o bicheiro Carlinhos Cachoeira para bancar campanhas eleitorais. Depois de uma semana cercados por todos os lados, os jogadores do governo saíram da defensiva. A primeira cartada foi dada em plena sexta-feira de Carnaval, com a Medida Provisória 168, proibindo o funcionamento de bingos e caça-níqueis em todo o País. A sugestão para abolir o jogo estava apontada desde 5 de janeiro e foi elaborada por um grupo de técnicos de quinto escalão. No entanto, só foi lembrada depois de estourar as denúncias contra o ex-assessor do ministro da Casa Civil, José Dirceu. “A orientação do presidente é aprovar a MP exatamente como foi editada, sem modificação em seus oito artigos”, adverte o ministro Aldo Rebelo (PCdoB-SP), antecipando-se ao lobby dos bingueiros, que reúne duas dezenas de parlamentares comandados pelo petista Gilmar Machado (MG). “Temos de mostrar determinação e aprovar a MP, se possível, na primeira semana”, diz Rebelo, que se reúne com os líderes da base aliada nesta terça-feira 2. Porém, outras oito MPs estão à frente desta última e isto pode atrasar a fé palaciana.

Dispostos a não perder o comando do jogo, os operadores do governo iniciaram uma série de apostas para tirar o caso dos gabinetes do Planalto e deixar a sorte de Diniz correr no inquérito da Polícia Federal e na sindicância aberta pela Casa Civil. Na Quarta-Feira de Cinzas, o presidente reuniu a coordenação política do governo para orquestrar outras ações e abafar o escândalo. No encontro, com a participação do próprio Dirceu, Antônio Palocci (Fazenda), Jaques Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), Aldo Rebelo e Luiz Dulci (Secretaria Geral), ficou acertada outra sequência de medidas batizada de “agenda positiva”. A primeira delas, anunciada no dia seguinte, pelo ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social), prometia antecipar em meio ano as metas do programa Bolsa-família. O objetivo era beneficiar 4,5 milhões de famílias até dezembro de 2004, mas o governo, para minimizar os estragos, decidiu antecipar em seis meses o que prometera para o fim do ano. “Não é bom para ninguém vincular as questões sociais às questões menores de denúncias”, discorda o ministro Ananias.

Nesta semana, o governo puxa outra carta da manga para fugir da poeira tóxica de Waldomiro Diniz. O presidente da Câmara, João Paulo Cunha, encantado com os ares palacianos – ele assumiu a cadeira de presidente durante dois dias –, reúne os líderes dos partidos da Câmara para dar agilidade ao projeto de reforma política, que se arrasta há uma década
no Congresso sem definição. Como pode ser lido na reportagem anterior, a intenção é focar a discussão no financiamento público de campanhas que, teoricamente, eliminaria a corrupção eleitoral. “A melhor forma
de a Câmara responder a esse momento é enfrentar o debate
e propiciar uma revolução no nosso sistema eleitoral e partidário”, diz Cunha. Os oposicionistas não vão sair da mesa e também prometem cantar suas pedras. “Não tenho as assinaturas suficientes para a CPI, mas tenho certeza e promessas até para passar o número mínimo. E não é blefe”, diz o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MS), que passa seus dias coletando assinaturas dos colegas, em busca das 27 necessárias para emplacar a CPI. “A temperatura baixou. Espero não cometermos outros erros e retomar a rotina do governo e do Congresso”, conclui o vice-líder do governo e amigo de Dirceu, Sigmaringa Seixas (PT-DF), referindo-se às recentes mancadas petistas, entre elas a de promover um ato de solidariedade a José Dirceu, abortado para não incensar o assunto. O próprio Dirceu não fala mais sobre Waldomiro. Perguntado, responde: “Bico calado.”

Se a sorte do governo parece estar mudando no Congresso, o mesmo não está acontecendo nas ruas e nos tribunais. Até a quinta-feira 26, já estavam protocoladas na Justiça 23 ações de bingueiros questionando a legalidade da MP. Em Santa Catarina, o jogo chegou a ser liberado, proibido, liberado novamente e proibido. Tudo dentro do espaço de 72 horas.
A Força Sindical, comandada pelo sindicalista Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, quer fazer imensas concentrações contra a MP que baniu os bingos a partir desta semana. Segundo os dados apresentados pela central sindical, a MP colocou no olho da rua 320 mil pessoas que trabalhavam nas 1.100 casas de bingos espalhadas pelo País. Paulinho, que foi candidato a vice na chapa encabeçada por Ciro Gomes na última eleição presidencial, bateu no diversionismo do governo. “A MP foi feita para afastar a atenção sobre o Planalto. O governo está tratando os trabalhadores dos bingos como se fossem todos bandidos. Antes da MP, o governo deveria prender os verdadeiros bandidos que estão usando os bingos para o crime”, disse Paulinho. Na última semana, trabalhadores em casas de bingo em todo o País protestaram contra a MP. Em Brasília um grupo de trabalhadores da capital e de Goiás muniu-se de faixas e apitos e foi para a frente de um Congresso vazio. Só o tempo e o depoimento do próprio Waldomiro esta semana à PF dirão se as apostas palacianas foram rentáveis. Façam suas apostas.