03/03/2004 - 10:00
Não tem como escapar. Se não aconteceu ainda, espere. Em algum momento da sua vida, você será arrastado por uma força maior que vai fazer você sair do caminho, desvirtuar convicções, mudar conceitos. Não, não se trata de nenhum fenômeno metafísico, mas, sim, de uma característica inerente a alguns homens e mulheres. Tal qualidade – ou defeito, depende do ponto de vista – atende pelo nome de sedução. Mais do que o apelo sexual ao qual foi atrelado, o verbo seduzir tem mil utilidades. Leva incautas donas-de-casa a comprar absurdos só porque não resistiram ao fascínio de um vendedor. Faz com que multidões sigam, encantadas, as idéias de certos políticos. E, mesmo em casa, alguns pais conseguem lançar mão deste recurso para fazer com que os filhos acreditem nas suas idéias. O ato de seduzir é, portanto, o combustível que azeita a sociedade.
A etimologia da palavra é latina. Vem de seducere. Sed significa separar, afastar, privar e ducere, levar, guiar, atrair. Seduzir, portanto, seria o processo pelo qual se atrai para privar o outro de sua autonomia. Por isso, os grandes sedutores – que não raro se tornam líderes – encantam o interlocutor e convencem multidões. O mestre Antônio Houaiss registra outra versão no verbete: “conjunto de qualidades que despertam simpatia, desejo, amor, interesse; magnetismo, fascínio”. Até por isso, a idéia está tão vinculada à conquista sexual e ao estímulo erótico. Nesse sentido, as beldades que se espalham pela avenida no Carnaval esbanjam sedução. Este ano, a apresentação de Nani Moreira, rainha da bateria da Mocidade Alegre, escola de samba campeã de São Paulo, por exemplo, mostrou que ela tem mais do que belas curvas. Há três anos, a dedicação e a alegria de Amanda Moreira Cerqueira, a Nani, 25 anos, atraiu a atenção da escola, que a escolheu para substituir Valéria Valenssa, a Globeleza, como rainha da bateria. “Era uma grande responsabilidade e quis fazer jus ao posto”, diz ela. Nani não só faz bonito como insiste em se colocar no mesmo nível de seus “súditos”. Ela apareceu na avenida este ano tocando tamborim. “Sou mais um elemento na bateria, nada mais justo que toque um instrumento”, diz, com um sorriso… sedutor.
Nani, além de despertar desejo, encanta com sua simpatia. Esse jogo faz parte da sedução. Essa dança envolve outros elementos. A antropóloga Helen Fisher, Ph.D, professora de Estudos da evolução humana na Universidade de Rutger, em Nova York, compara o ato a uma caixa de múltiplas ferramentas, úteis em todas as relações. A polêmica feminista Camille Paglia, professora de humanidades da Universidade da Filadélfia, concorda. Para ela, a sedução permeia os relacionamentos, mesmo que os envolvidos nem sequer tenham a mínima consciência do que fazem. “Seduzir é ato tão comum aos seres humanos como respirar. Do mesmo modo que uma dançarina dos sete véus seduz sua platéia, o mercador seduz um cliente para vender um tapete”, diz ela.
Nem todos resumem o assunto desta maneira. Ivo Lucchesi, doutor
em teoria literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que num sedutor há sempre o desejo de dominar. “Ele precisa pôr o outro sob seu domínio para que ele próprio não se torne dominado”, afirma. “Num primeiro momento, ele finge submissão, como se estivesse sempre pronto a realizar o desejo do outro. Mas, depois, isto se inverte. O seduzido é que acata os anseios do sedutor.” Estudioso do assunto, Lucchesi lança mão da etimologia da palavra e da literatura para
justificar sua teoria. “Seduzir é tirar o outro do seu caminho. Como
fez a personagem Valmont, em Ligações perigosas, ou Sherazade
em As mil e uma noites”, diz. Lucchesi lembra ainda sedutores
célebres nesta área, como Don Juan, Casanova e até a nossa Capitu, personagem de Machado de Assis.
Elogios – Para se iniciar nessa arte é preciso, no entanto, dissecar
esse processo e seus artífices. O professor de português Lucas
Sanches Oda realizou uma pesquisa na Universidade de Campinas (Unicamp), na qual analisou o discurso do sedutor do século XII ao XXI. Ele conta que o papo de um conquistador atual tem os mesmos pontos básicos utilizados pelos cavaleiros medievais para cortejar suas damas. Ou seja, nos textos poéticos criados pelos nobres e cavaleiros ou nos encomendados aos trovadores está presente o elogio às características físicas e morais do seduzido e a exaltação, mesmo que velada, das qualidades do sedutor. “O discurso da conquista agora é muito variado porque coexistem elementos de todas as épocas, mas essas bases não mudam. A diferença é que antes se colocava em evidência a castidade e a beleza na mulher e a honra e a coragem no homem. Hoje, valorizam-se os bens materiais e as medidas corporais”, analisa ele. Até o que ele chama de “modéstia afetada” continua existindo: “Enquanto um cavaleiro dizia que nem mesmo se ele combatesse centenas de não-cristãos se igualaria à pureza da dama, atualmente dizemos, numa cantada popular, que fulana é muita areia para o nosso caminhãozinho. É um jeito de se diminuir para exaltar. No fundo, quem corteja não pensa assim, senão não abordaria a menina”, completa.
Charme e glamour |
O cinema exibiu – e exibe – grandes sedutores. O primeiro foi Rodolfo Valentino, que encantava multidões de mulheres. Depois dele, o charme e o glamour dos anos 50, assim como a indústria de Hollywood, criaram outros artistas encantadores e inesquecíveis, como Sophia Loren, Elizabeth Taylor, Marilyn Monroe, Clark Gable e Rita Hayworth
Nas relações em geral, esses elementos também aparecem. Mas para ser encantador é necessário mais do que um bom discurso. O fascínio é gerado por um conjunto de atitudes, que inclui linguagem corporal e perspicácia. Para a psicóloga paulista Márcia Nehemy, especialista em sexualidade humana, a sedução é uma estratégia de comunicação utilizada desde a infância, que se desenvolve com estímulos. “A sedução está no velho, na criança, no jovem e no adolescente. Uma personalidade fascinante se especializa nisso porque, assim, obtém mais facilmente o que deseja. Incorpora o comportamento a sua personalidade”, diz ela. Apontada por amigos como uma pessoa encantadora, a empresária Thereza Collor impressionou o País com seu sorriso num dos piores momentos da história recente, durante o processo de impeachment de seu cunhado, o ex-presidente Fernando Collor. “Ela é educada, atenciosa, mesmo com estranhos”, conta uma amiga. Thereza concorda que não despreza ninguém e diz que não deixou a notoriedade atingi-la. “Preservei minha simplicidade. Acho importante dar bom-dia, lançar um sorriso até para quem está num elevador. Se estou com problema, guardo-o para mim. Não desconto em ninguém.”
O sedutor, tanto no campo sexual quanto em outras áreas de relacionamento, é um excelente observador, extremamente atento aos desejos e anseios do outro. Além disso, tem simpatia, espontaneidade e muita libido – aqui entendida como a energia que propulsiona a vida. E, principalmente, tem boa imagem de si. Apontado como um sedutor pelos alunos e amigos, o músico e professor de literatura da Universidade de São Paulo José Miguel Wisnik é um exemplo. Tanto no palco quanto na sala de aula, contagia a platéia com a sua paixão pela arte. “Sedução tem a mesma raiz de educação. Só que a primeira é no sentido de conduzir, levar, tirar dos trilhos. A outra é voltar a atenção para um assunto do conhecimento. Procuro usar a segunda opção, chamar a atenção para aquilo que conheço, não para o que sou”, afirma Wisnik. E no palco? “É diferente. O professor não precisa se mostrar muito, já um músico está ali para exibir um espetáculo”, responde. A cantora Suzana Salles, amiga de Wisnik, conta que tanto o músico quanto o professor, encantam. “Wisnik usa a poesia no cotidiano. Parece que todos os momentos são importantes”, diz ela.
Detalhes – Pequenos agrados, palavras certas, um jeito de abordar. Esses detalhes fazem diferença e, sem dúvida, fascinam. “O sedutor está confortável naquilo que é, incluindo suas imperfeições”, diz a antropóloga Miriam Goldenberg, do Rio de Janeiro. Autora do livro Toda mulher é meio Leila Diniz (Ed. Record), Miriam recorda que a própria atriz se encaixava nesse perfil. “Ela não era um modelo de beleza, mas se transformou em mito de uma geração. Traços como a liberdade e o prazer em detrimento da aparência eram sua marca”, aponta. Amiga íntima de Leila, Marieta Severo viveu com ela o charme de uma época na qual quebrar padrões era quase obrigação. “Com sua inteligência e perspicácia, Marieta é a típica ‘mulher interessante’. Nunca se colocou no lugar de esposa ou ex de Chico Buarque – que tem lugar cativo no pódio da sedução”, lembra Miriam. A atriz Andréa Beltrão assina embaixo. “Conheço-a há 15 anos. É uma deusa”, enaltece. Com toda a sua timidez, Chico também é unanimidade. “Ele é um sedutor. É natural dele. Não faz força, mas todo mundo fica encantado”, opina o amigo Carlinhos Vergueiro.
Promessa – O segredo do encantamento, no entanto, está na promessa contida nas entrelinhas. Chico, com sua obra, parece entender a alma do retirante, do trombadinha, da criança e, especialmente, da mulher. “O que faz alguém ficar cativado é algo além do plano consciente, é a idéia que o sedutor passa de que tem aquilo que falta ao interlocutor”, explica Walkiria Helena Grant, professora doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. “Ele transmite a sensação de que tem a chave da completude, de que depois dele não se viverá mais a angústia da falta, comum a qualquer ser humano”, completa. É a mesma arma usada pelos grandes líderes, que encarnam a falta geral de determinado grupo. O fascínio se torna mais forte se a história de vida do sedutor confirmar o seu discurso. “O Lula é um exemplo. Sua bandeira pelo fim da fome está calcada em sua própria vivência, o que lhe dá certa autoridade e o torna convincente. Ele sabe disso e usa esse recurso muito bem”, aponta Walkiria.
Ex-companheiro do presidente Lula na luta sindical, o ex-deputado Djalma Bom, 65 anos, ainda o considera um irmão e diz que ninguém fica indiferente à sua presença. “Quando Lula pegava o microfone em assembléias, era um silêncio total. E, no âmbito pessoal, ele também comove. Sempre chegava ao sindicato abraçando todo mundo. Até seus opositores o admiram”, diz ele. “Todo grande líder tem uma capacidade enorme de sedução”, confirma o historiador Jaime Pinski, professor titular da Unicamp. Para ele, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apesar do estilo diferente de Lula, também fascina. O estofo intelectual, as tiradas bem-humoradas e a boa estampa sempre lhe deram um charme, muito bem utilizado na vida privada e pública.
Outros líderes podem ser numerados, tanto na nossa história quanto na de outros países. O ex-presidente americano John Kennedy, assassinado em 1963, o ex-presidente brasileiro Juscelino Kubitschek, que inaugurou Brasília, são outras figuras encantadoras. “Kennedy era extremamente charmoso. Transformou a Casa Branca, estava sempre cercado de intelectuais e artistas”, analisa Pinski. Até Hitler, considerado uma figura execrável, usou de seus dotes de fascinação. “Ele percebeu o sentimento de humilhação que havia entre os militares e a burguesia alemã depois das perdas territoriais impostas pelo vergonhoso Tratado de Versalhes. Mas antes de chegar às massas, com o nazismo, ele teve que seduzir os mais próximos”, explica o historiador.
Na história, as mulheres aparecem bem menos e quase sempre seu poder de sedução é avaliado pela quantidade de amantes. “Antes,
o espaço público permitido à mulher era o da contravenção e o do uso do corpo”, diz Pinski. Isso valia também para as poderosas. Elizabeth I (1533-1603) tinha seus favoritos, mas foi uma rainha forte que proporcionou desenvolvimento à Inglaterra. Na história
antiga, Cleópatra (69-30 a .C.) é mais lembrada por suas conquistas do que por sua habilidade política.
Mas mesmo quem não desenvolveu naturalmente essa preciosa ferramenta de comunicação pode aprender e ter melhor sintonia em
suas relações. Muitos profissionais de vendas e marketing lançam mão de técnicas da programação neurolinguística para criar uma identificação com os clientes e melhorar seu desempenho. “Quando sentimos certa identidade com o interlocutor, abrimos a guarda, derrubamos nossas barreiras de proteção. Para os vendedores, é a oportunidade de mostrar o produto”, explica a psicóloga Rosangela Casseano, especialista em programação neurolinguística e orientação de carreira.
Não se pode negar que a arma mais usada no marketing é a sedução. Nos Estados Unidos, há mais de 30 anos um dos maiores best-sellers do país chama-se Como fazer amigos e influenciar pessoas. Já foi traduzido para 36 idiomas e no Brasil também fez sucesso. O livro, da Companhia Editora Nacional, está na 51ª edição. Trata-se de uma bíblia da sedução escrita pelo ex-vendedor de aspiradores de pó Dale Carnegie. Ele aponta seis princípios básicos para que uma pessoa seja apreciada. Suas orientações apresentam profunda semelhança com as técnicas da neurolinguística. São elas: torne-se verdadeiramente interessado na outra pessoa; sorria; lembre-se que o nome de uma pessoa é para ela o som mais doce e importante que existe em qualquer idioma; seja um bom ouvinte e incite o outro a falar de si; fale de coisas que interessem à outra pessoa; faça o interlocutor sentir-se importante, e faça isso com sinceridade.
Aprender a seduzir, portanto, não é algo impossível. Há quem acredite até que ser um sedutor é também o destino do homem, já que o uso de seus artifícios também faz parte do reino animal. “Cães e gatos aprendem as expressões e reações do dono. Eles sabem que, se agirem de certo modo, vão ganhar comida e carinho. Isso é sedução animal”, diz o veterinário e psicólogo de animais domésticos Dick Van Patten, que atende lulus e totós de celebridades como Julia Roberts e Cindy Crawford. Ele conta que o ator Sean Penn tinha um lagarto que pedia aconchego e flores para comer durante os dias mais frios esfregando a cabeça na perna de Sean. “O animal tem o cérebro do tamanho de uma castanha, mas isso é ou não é sedução?”, provoca Van Patten.
A psiquiatra americana Jenice Gelfand, presença constante na publicação Psychiatry in medicine, também acredita que a genética tem algo que ver com a sedução. “O ato de seduzir é uma combinação de conhecimentos aprendidos, reações ao meio ambiente, necessidade, oportunidade e predisposição genética”, afirma. Ou seja: tanto Cindy Crawford quanto o lagarto do Sean Penn são capazes de seduzir. No final das contas, trata-se de mais uma arma no arsenal do velho instinto de sobrevivência.