Uma família de São Paulo faz parte de um capítulo da história das cirurgias no Brasil. O engenheiro Antonio Gibertoni, 40 anos, e a escrevente judiciária Iara Guizelini Gibertoni, 34, são pais de Henrique e Gabriel, gêmeos que nasceram no dia 30 de dezembro. Eles são prematuros e permaneceram mais tempo no hospital – até o final de janeiro – não apenas por causa dessa condição. Enquanto estavam na barriga da mãe, os meninos tiveram de ser tratados de um problema raro, a síndrome da transfusão feto fetal. A operação é tão complexa que somente centros especializados localizados em nove países – Alemanha,
Bélgica, Inglaterra, França, Espanha, Suécia, Canadá, Estados Unidos e Austrália – estão habilitados a realizá-la com sucesso. Agora, com o caso da família Gibertoni, o Brasil
também entrou na lista.

A síndrome atinge de 5% a 15% dos gêmeos univitelinos, os idênticos. Univitelinos representam um terço das gestações de gêmeos. Embora cada feto tenha sua bolsa d’água, eles compartilham a mesma placenta. E também os mesmos vasos sanguíneos do útero materno. Por algum motivo que a ciência desconhece, o compartilhamento se torna desigual. Assim, um bebê passa a “doar” sangue, ficando anêmico. O outro, por receber em excesso, tem aumentada a produção de líquido amniótico. Se nada for feito para corrigir o problema, 90% dos casos vão resultar em morte das crianças. Os 10% que sobreviverem podem ter consequências neurológicas graves, como o retardo mental.

Descobrir cedo a síndrome é fundamental. “Em geral, a partir do diagnóstico, deve-se fazer a cirurgia no prazo de uma semana”, conta Denise Lapa Pedreira, coordenadora da equipe de medicina fetal do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde foi feita a operação que salvou os gêmeos Henrique e Gabriel. Um exame de ultra-som revela o problema. Mas ele precisa ser feito entre a 20ª e a 24ª semana de gestação. Segundo a especialista, se a cirurgia for realizada dentro desses prazos, a chance de sobrevida é de 70%. O procedimento consiste em introduzir um tubo endoscópico de três milímetros na barriga da mãe. Guiado por um aparelho de ultra-som, ele leva uma fibra muito fina de laser. “Não é um laser portátil como os de tratamento estético. É hospitalar, de grande porte, disponível no Brasil em poucos centros”, explica Denise. Localizados, os vasos são “queimados” pelo laser, cessando o compartilhamento irregular. A operação já foi realizada algumas vezes no País, mas nenhuma tinha dado certo.

Essa intervenção é complexa porque exige, além da necessidade de aparelhagem específica, um especialista treinado. Denise fez seu aperfeiçoamento na Inglaterra, onde foi realizada a primeira operação do gênero bem-sucedida. “O profissional tem de estar habilitado na técnica. E ele tem de trabalhar usando duas imagens, a do endoscópio e a do ultra-som”, diz. Gibertoni – pai também de Laís, oito anos – se sentiu confiante com a equipe, mas mesmo assim não deixou de ter medo. “É difícil fazer parte da história dessa cirurgia. Afinal, é um procedimento novo”, admite o engenheiro. A operação foi feita em outubro. E o parto foi aguardado ansiosamente. Henrique, que nasceu inchado, já está normalizando o peso. E Gabriel, que “doava” sangue para o irmão, não apresentou anemia. “Estamos tão felizes que nos colocamos abertos a discutir outros casos, ajudando as pessoas que passarem pela mesma situação”, afirma o pai.