25/02/2004 - 10:00
Num universo de estrelas controvertidas, como é Hollywood, a presença do produtor Harvey Weinstein, 52 anos, é comparada ao surgimento de um novo e superbrilhante corpo celeste. O co-fundador dos estúdios Miramax cintila tão intensamente que muitas
vezes ofusca pessoas a seu redor. Há, é claro, quem o considere um buraco negro, sugador de energias e manipulador maléfico da produção de filmes independentes, alternativos e estrangeiros. A seu favor, Weinstein aponta para o fato de ter mantido o filme brasileiro Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, em cartaz durante 64 semanas nos Estados Unidos. Temporada muito mais longa do que se poderia esperar, até mesmo para títulos locais.
Dono de personalidade forte, este nova-iorquino da cidade de Buffalo não refuta a fama de durão. É capaz de torcer braços para conseguir maiores mercados e bilheterias, além de prêmios para seus produtos. Ao fundar a Miramax – junção dos nomes de seus pais Miriam e Max – com o irmão Bob, em 1979, Weinstein optou por liberar os chamados filmes de arte da prisão das salas menores nos Estados Unidos. Grande reconhecimento deste esforço veio com o sucesso inesperado de Sexo, mentiras e videotape (1989), que faturou como grande produção e virou atração cult. Depois, seguiu-se uma fieira de bons produtos, como Pulp fiction (1994) e Chicago (2002), apenas para citar algumas fitas premiadas com o Oscar.
No domingo 29, quando acontecerá a 76ª edição do prêmio dado pela Academia de Ciências e Artes Cinematográficas, Harvey Weinstein estará na torcida por Cidade de Deus, que tem quatro indicações. O mais curioso é que, quando leu o roteiro, o produtor não sabia que
o filme era falado em português. Ao ser confrontado com o detalhe que costuma espantar bilheterias nos Estados Unidos, ele disse à sua equipe: “Não quero saber em que língua é. Vamos promover este filme.” Após distribuí-lo e encaminhá-lo ao Oscar com os cuidados de um pai, Weinstein afirma ter adotado o Brasil como segunda pátria. Tanto que promete continuar buscando novas safras cinematográficas brasileiras. E, caso uma estatueta dourada for dada a Cidade de Deus, afirma que no dia seguinte estará no Rio de Janeiro. “A bebida é por minha conta”, disse ele, entre gargalhadas, na seguinte entrevista dada a ISTOÉ por telefone, de Londres.
Eu amo este filme. Depois de Cidade de Deus eu vou mudar para o Brasil. Vou direto para lá. Eu amei o filme quando era apenas um roteiro e amei o filme quando ficou pronto. Eu acho que o filme foi trapaceado. Ele foi roubado porque deveria estar numa posição mais competitiva. Quando em 2003 não foi nem nomeado para a categoria de melhor filme em língua estrangeira, eu disse: “Isto é uma tremenda injustiça. Eu não me importo com o que tenha de fazer, vou apoiar este filme com todas as minhas forças. Tenho de fazer com que este filme seja recompensado com um prêmio.” Para mim, Cidade de Deus virou uma paixão, uma cruzada.
Minha equipe estava me gozando. Eles me deram o roteiro, deixaram que eu lesse e eu disse: “Uau! Isto é ótimo.” E todos começaram a rir, porque eles queriam ter certeza de que eu tinha gostado do filme. Aí eu não poderia dizer: “Ah! Eu não vou promover um filme em português.” E aí a coisa virou piada no meu escritório. Depois de eu ter lido, fui logo dizendo que amava o roteiro. Eles falaram: “Nós temos uma boa e uma má notícia. A boa notícia é que você amou o texto. E a má notícia é que o filme é em português.” Eu disse: “Não quero saber em que língua é. Vamos promover este filme.”
Vamos todos rezar. Se sair um Oscar eu vou para o Brasil
no dia seguinte. Aliás, depois de Cidade de Deus, o Brasil virou meu
país de adoção.
Sim, definitivamente. Acho que a influência de Walter Salles foi algo fantástico. Um incrível impulso nesta área da indústria
de filmes no Brasil. Existem agora muitos brasileiros fazendo filmes incríveis. Acho que a indústria brasileira de cinema está crescendo
e de forma globalizada. Espalha-se por todo o mundo com grande aceitação e respeito. Vocês já têm uma seleção de diretores de porte internacional. Fernando Meirelles, Walter Salles, Bruno Barreto e outros. E novos nomes vão se agregar a esta lista a cada ano. Trata-se de uma grande indústria e grandes filmes vão surgir dela.
Se você vir nosso histórico, vai notar que a Miramax é o estúdio que mais investiu no cinema brasileiro nos últimos anos. Qual foi o outro estúdio que deu mais atenção ao cinema brasileiro? E agora, depois de Cidade de Deus, esta opção se torna ainda mais clara. Tem sido uma relação de paixão, e muito recompensadora.
Eu simplesmente amo filmes e acredito que os bons merecem o mesmo tipo de promoção e marketing que os maus recebem. Por que dar todo o apoio às grandes porcarias que são despejadas anualmente no mercado e não tratar bem as obras de fôlego como Cidade de Deus e Cold mountain? É burrice deixar o público em jejum de bons filmes, com roteiros inteligentes, assuntos polêmicos e pungentes. Chega uma hora em que as pessoas se cansam de bobagens e acabam não indo às salas de exibição. Há enormes fatias do mercado que sentem falta de filmes mais inteligentes. Por isso, eu me empenhei tanto com Cidade de Deus e Cold mountain quanto outros estúdios se empenham com outros tipos de filme. E deixe-me dizer uma coisa: você tem de lutar bastante. Quando se acredita num filme, é preciso batalhar ferozmente por ele.
Ainda não. Mas vou ler todos os roteiros possíveis. Tudo o que me apresentarem receberá atenção, pois sei que do Brasil podem sair produtos de grande qualidade. E eu quero trabalhar com os brasileiros. Não te disse que o Brasil é meu país adotivo?
Espero que sim. Vou sempre estar apoiando o Brasil. Enquanto me mandarem bons roteiros, vou continuar prestigiando e promovendo os filmes brasileiros.
Acho que os americanos estão ficando cada vez mais receptivos por causa do trabalho que nós, da Miramax, fizemos e outras companhias também fizeram nos últimos anos. Isso ajudou muito. Eu acho que este trabalho é importante e todos deveriam fazer um esforço neste sentido. Isso abre o mundo para os americanos. Os filmes estrangeiros dão nova visão de mundo e mostram que este mundo não está contido apenas em filmes americanos. Veja o exemplo de Cold mountain. É um filme europeu. Acredito que os europeus fazem os melhores filmes sobre os Estados Unidos. É interessante ver a realidade através dos olhos deles. Você quer ver seu próprio mundo através dos olhos deles. Eu acho isso ótimo e estou muito satisfeito com a recepção de Cold mountain ao redor do planeta. Assim como Cidade de Deus me provocou paixão no ano passado, Cold mountain é minha paixão neste ano.
Nós chegamos muito tarde e as votações aconteceram muito cedo. Perdemos o avião, por assim dizer. Do contrário, tenho certeza de que este seria um filme muito competitivo.
Acho que não se pode analisar tendências, neste caso. Porque tendências sempre mudam. Hoje é uma coisa, amanhã é outra. Acho que tudo tem a ver com os filmes apresentados neste ano. Era o que existia, e a Academia pegou o que estava à sua frente.
Nós vamos continuar investindo em tudo o que for inteligente, que tiver valor artístico. Nem tudo o que é alternativo é inteligente ou tem valor artístico. Independentes também fazem filmes ruins. Vou procurar sempre os roteiros de qualidade para que se possam fazer filmes de qualidade. Às vezes, uma superprodução de um diretor consagrado e com grandes estrelas pode ser maravilhoso e merecer todo o apoio. A Miramax tem amplo histórico de trabalhos nesta categoria. Não somos e não podemos ser chamados de “estúdio alternativo”. Somos um estúdio que procura qualidade para transformá-la em sucesso.
Todas as indústrias precisam de novos talentos. Acho que existem muitos novos talentos em Hollywood e o cinema americano atrai sangue novo vindo de todas as partes do mundo. Fernando Meirelles é um exemplo, mas eu poderia dar uma lista enorme de talentos que se revelaram recentemente e outros que ainda estão para ser revelados. Cabe aos estúdios absorver estes talentos. A Miramax tem um projeto chamado Sinal Verde, que analisa roteiros e projetos de novos cineastas e escolhe trabalhos que recebem aprovação para ser produzidos. Este é um exemplo de abertura de mercado para novos talentos.
Não, ninguém pode. Certamente é um processo com muita política envolvida e as motivações que transformam o Oscar em realidade também o tornam muito confuso e difícil de explicar. Não dá para entender muito. A cabeça do enorme corpo de jurados é um enigma.
Eu não sei a reação dos americanos. Mas posso lhe dizer a minha. Vou para o Rio de Janeiro no dia seguinte. E prometo: a bebida é por minha conta.