25/02/2004 - 10:00
O caminho que leva à universidade é bem mais longo e truncado para aqueles que não estudaram em uma escola particular nem frequentaram um bom cursinho pré-vestibular. Um contingente de mais de oito milhões de jovens no Brasil, egressos da escola pública. O grande tropeço aparece em uma pesquisa do Núcleo de Apoio aos Estudos de Graduação, da Universidade de São Paulo. O estudo aponta que 70% dos estudantes que ingressaram na USP em 2003 vieram da rede privada de ensino. Diante de tais índices, o governo começa a criar políticas de inclusão para jovens de baixa renda. Mas, enquanto essas ações não se concretizam, uma boa saída é aderir aos cursinhos pré-vestibulares populares ou gratuitos, criados por centros universitários, organizações não-governamentais e movimentos negros.
São iniciativas que preparam estudantes de baixa renda oriundos de escolas públicas para os tão concorridos vestibulares. A Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) e o Instituto de Ajuda ao Aluno, em São Paulo (SP), o Oficina de Cidadania, em Salvador (BA), e o Projeto Novo Vestibular, em Fortaleza (CE), são algumas das experiências bem-sucedidas no Brasil. Mas, segundo Frei Davi dos Santos, diretor da Educafro, há hoje no Brasil cerca de 2.200 desses projetos, atendendo mais de 100 mil jovens. E o índice de aprovação desses cursinhos tem se elevado a cada ano.
Em São Paulo, devido à alta concorrência, a presença de alunos da Educafro nas universidades gratuitas ainda é inexpressiva, apenas 1,5%, mas no Rio de Janeiro, chega a 25%. Melhor resultado apresenta Salvador (BA). Dois dos mais procurados cursinhos populares – o Instituto Cultural Steve Biko e a Oficina de Cidadania – colocam quase a metade de seus alunos em unidades públicas de ensino. Quem não consegue essa proeza tem a chance de concorrer a bolsas em instituições privadas.
Uma das pioneiras, a Educafro, por exemplo, tem parceria com 25 universidades particulares onde estudam mais de mil jovens com
bolsa integral. Fundada por padres franciscanos em 1989, na Baixada Fluminense (RJ), a ong se estendeu para São Paulo e hoje está
presente também em Minas Gerais e Espírito Santo, oferecendo
13,3 mil vagas. Frei Davi comemora o desempenho do programa, mas lamenta o pouco interesse das universidades públicas no assunto. “O vestibular da USP é o mais elitista do País. Não corresponde ao que os alunos aprendem na escola e usa macetes dos cursinhos comerciais. As universidades privadas estão mais sensibilizadas com a questão da inclusão”, desabafa ele.
Não é o caso da Universidade Federal do Ceará. A instituição criou o Projeto Novo Vestibular, que desde 1986 é dirigido por estudantes de graduação e recebe 360 jovens por ano. Desses, 60% se tornam alunos da própria universidade. Marcelo Moura, 21anos, é um deles. “O que aprendi aqui fez a diferença”, conta o jovem, que virou professor do projeto. O trabalho dessas instituições vai além de regras gramaticais e cálculos matemáticos. Elas também desenvolvem a consciência crítica e trabalham a imagem, normalmente abalada, que esses estudantes têm de si. “Muitos não conseguem interpretar um texto simples e chegam aqui desanimados. Por isso, a nossa primeira ação é trabalhar a auto-estima”, conta o psicólogo Marcos Achado, diretor do Instituto de Ajuda ao Aluno Carente. Para Rejane Rocha, 20 anos, que entrou na Fatec em 2003, o cursinho popular foi a tábua de salvação. “Não tinha chance de fazer universidade. Hoje, vejo que o mesmo aconteceu com metade da minha sala”, conta ela.
Até o curso de medicina deixa de ser um sonho inatingível. O futuro doutor baiano Fabricio Nery Marques, 22 anos, se preparou na Oficina de Cidadania, ong criada em 1999 por um grupo de professores. Entrou na Universidade Estadual de Feira de Santana (BA). Também passou em química, na Estadual da Bahia (Uneb), em Salvador. “Estou feliz por estar num curso de elite, mas o orgulho maior é da minha mãe, que é manicure”, diz Marques. A Oficina de Cidadania, já atendeu mais de 750 alunos – 70% foram para a faculdade.
Os bons resultados dessas organizações chamaram a atenção do governo, que oferece ajuda financeira a elas por meio do programa Diversidade na Universidade, criado junto com a Unesco. “Para receber recursos é preciso que mais de 51% dos seus alunos sejam afrodescendentes ou indígenas. Esse trabalho tem um valor inestimável”, diz Marise Nogueira Ramos, diretora do programa do governo. Ela mesma, no entanto, alerta: “Não podemos ver essas iniciativas como a solução do problema, que é a qualidade do ensino público.”
SERVIÇO
Ainda há inscrições para este ano:
Educafro (11) 3119-0341
Instituto de Ajuda ao Aluno Carente www.instituto.org.br
Cursinho da Poli www.cursinhodapoli.org.br
Oficina de Cidadania www.oficinadecidadania.cjb.br
Instituto Cultural Steve Biko www.stevebiko.org.br
Projeto Novo Vestibular (85)288-7747
Nova proposta |
Depois das cotas, o governo quer trocar as vagas ociosas nas universidades particulares de todo o Brasil por isenção de impostos e contribuições federais. Na terça-feira 17, o ministro da Educação, Tarso Genro, propôs que 25% das vagas existentes no ensino superior privado sejam ocupadas por estudantes da rede pública, negros, indígenas, portadores de deficiência e ex-presidiários. Transformada em projeto de lei, a proposta deverá chegar ao Legislativo em dois meses. Caso seja aprovada, o Programa Universidade para Todos passará a oferecer, ainda este ano, cerca de 100 mil vagas e 300 mil em três anos. As instituições particulares detêm 80% das vagas do ensino superior. De acordo com o MEC, pelo menos 37,5% estão ociosas.