29/12/1999 - 10:00
O político brilhante e polêmico que marcaria a história do Brasil nasceu nos pampas gaúchos, filho de um fazendeiro de São Borja, em 19 de abril de 1882. Nenhum outro exerceu o poder no País durante tanto tempo neste século, o que lhe reservou um lugar especial na galeria da história contemporânea. Getúlio montou a estrutura do Estado como se conhece até hoje. Desde 1930, quando a revolução garantiu-lhe o poder, deu início à construção do aparato institucional que ainda determina o funcionamento do País. O caudilho também esteve à frente da concepção da legislação social que rege as relações de trabalho até o presente. Quem o avistava, de primeira, era incapaz de detectar o brilho que levantava massas com seus discursos afamados. Baixinho e rechonchudo, crescia em estatura quando colocava sua performance política em cena. Ficou conhecido como pai dos pobres e até mesmo como sanguinário. Era implacável com seus adversários. Não admitia derrotas, e pagou o preço de sua vitória final na política com sua própria vida, suicidando-se com um tiro certeiro no peito em agosto de 1954.
"Ave Getúlio, cheio de coragem, o povo é convosco, bendita seja a vossa bravura", dizia trecho do mantra entoado pelos revolucionários de 30. Ali, Getúlio já era adorado. Mas sua figura era um pálido espectro do monstro político que viria a se transformar depois. Ao tomar o poder, rasgou a Carta de 1891, cerrou as portas do Congresso e nomeou interventores nos estados da federação. "Nos anos posteriores à revolução de 30, alteraram-se as funções e a própria estrutura do Estado brasileiro. Devido à derrota, ainda que parcial das oligarquias dominantes até então, pelas novas classes urbanas, a Revolução exprimiu as rupturas estruturais a partir das quais se tornou possível reelaborar as relações entre Estado e sociedade", define Otávio Ianni em Estado e Planejamento Econômico no Brasil. Com a reabertura da Câmara e do Senado, em 1934, Getúlio obteve um previsível mandato pelo voto indireto. O poder lhe foi assegurado através de iniciativas pouco ortodoxas. Um excelente exemplo seria o Tribunal de Segurança Nacional criado em 1935 após a Intentona Comunista. Milhares de opositores seus seriam torturados e mortos de maneira brutal. Apesar de fartas exibições de truculência, a ditadura só foi instaurada formalmente no final de 1937. "Será que a oligarquia rural teria permitido que ele implantasse a era industrial sem um regime fechado?", questiona a historiadora e neta de Getúlio, Celina Vargas do Amaral Peixoto.
Em 1945 Getúlio foi afastado por um golpe militar. Voltaria em 1950, desta vez pelo voto direto, no rastro de uma pesada campanha nacionalista. Mas passou a ser alvo de denúncias que incluiam corrupção, favorecimento e desmandos generalizados. A malograda tentativa de assassinato do deputado e jornalista Carlos Lacerda, uma das principais vozes da oposição, foi atribuída a Vargas, engrossando as pressões para que renunciasse ao mandato. "Este tiro é uma punhalada em minhas costas", declarou a respeito do episódio. Matou-se pouco tempo depois deixando a famosa carta testamento. "Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida", concluiu numa mensagem emocionante e inesquecível que encerrou de maneira trágica sua presença na vida nacional.