Engana-se quem imagina que passar mais de quatro horas dentro de um carro para superar cerca de 180 quilômetros de uma trilha cheia de armadilhas naturais, como mata fechada, rios, atoleiros, buracos de todos os tamanhos e dunas com dezenas de metros de altura, seja um desafio reservado apenas a pilotos experientes. No sábado 6, a reportagem de ISTOÉ participou da segunda etapa do rali Mitsubishi MotorSports Nordeste, realizado em Natal (RN), e comprovou que é perfeitamente possível aliar a adrenalina típica das competições off road a um programa de turismo absolutamente familiar. Mais de 400 pessoas de diversos Estados do Brasil participaram do evento, divididas em 175 carros: 30 na categoria graduados (reservada aos mais experientes) e 145 na categoria turismo (onde estão os marinheiros de primeira viagem). Cada equipe é formada por no mínimo duas pessoas: o piloto e o navegador. Na categoria Turismo, porém, grande parte dos carros larga com mais uma ou duas pessoas no banco traseiro. São os chamados “Zequinhas”. Para os graduados, a missão de um “Zequinha” é ingrata. A ele são reservadas tarefas como trocar pneus e desatolar o carro quando preciso. Na categoria Turismo, os “Zequinhas” normalmente são os filhos do piloto ou do navegador. “O número de casais com seus filhos participando na categoria Turismo aumenta a cada etapa. São pessoas que nunca disputaram um rali antes, gostam da experiência e passam a viajar por todo o País para novas disputas”, diz Roberto Gardano, responsável pela área de esportes da Mitsubishi do Brasil.

Como todo rali que se preze, o fator competição está presente a todo instante no Mitsubishi MotorSports. Na categoria Graduada, em que a diferença do primeiro para o terceiro colocado costuma ficar em dois ou três segundos, a disputa é mais acirrada. Afinal, não há veterano que não esteja cobiçando a Pajero Io, prêmio que será dado ao primeiro colocado no final das quatro etapas. Na categoria Turismo, também existe muita disputa, mas o que vale mesmo
é estar junto, rever amigos e, principalmente, viajar. Na etapa de Natal, por exemplo, havia competidores de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Alagoas, do Ceará e de Minas Gerais. Alguns despacharam o carro em um caminhão e só o pegaram na véspera do rali. Muitos vieram passeando em seus próprios automóveis.

Papo de pescador – A fauna de competidores é a mais variada possível. Há gente de todas as idades e, no final do dia, quando o último carro cruza a linha de chegada, todos se reúnem para uma confraternização. Até que o resultado da prova seja conhecido, o salão do pódio lembra uma reunião de pescadores. Até aqueles que se inscreveram, mas nem sequer colocaram o carro na pista de chão batido – apenas decoraram suas máquinas com os adesivos do evento para badalar à noite –
insistem em contar vantagens. No papo entre os que se dispuseram a encarar a lameira, os tamanhos das dunas e as profundidades dos rios e poças aumentam a cada vez que a aventura é narrada para um interlocutor diferente. “Não foi nada fácil. Os atoleiros eram enormes
e as dunas, muito altas. No topo de uma delas, não havia espaço para o carro e a queda em direção ao rio foi violenta. Com certeza, não é qualquer piloto que consegue fazer o que fiz. Não sou experiente, mas tenho habilidade e me saí muito bem. Tenho certeza de que não errei nada”, dizia o comerciante Wilson Medeiros Bezerra, de 51 anos, pouco antes de conhecer o resultado da competição. Com toda a sua “habilidade”, meia hora depois da entrevista, ele comemorou o 131º
lugar entre os 145 participantes.

Em maio, Bezerra comprou uma Pajero Full zero quilômetro e foi convidado pela concessionária para participar do rali. Na sexta-feira 5, ele saiu de Assu, cidade distante 210 quilômetros de Natal, e foi com a mulher Maria de Fátima para a capital. “Participamos pela primeira vez e adoramos. Com certeza estaremos na próxima etapa, no Recife (PE), só que levaremos nossos filhos como ‘Zequinhas’. Eles sempre nos dão muita sorte”, promete Fátima. A agenda do casal para o dia seguinte estava definida. “Vamos lavar o carro e voltar para Assu”, disse Bezerra, satisfeito por não ter recebido o troféu Indiana Jones, prêmio reservado ao último colocado. Quem pagou o mico foi Fernando Luiz Sobreira. Ele e a mulher Célia Sobreiro saíram de Fortaleza (CE) para participar do evento. “Me perdi, mas posso dizer que conhecemos como ninguém as dunas de Natal”, disse, sem perder o humor.

Cliente fiel – Com esse aspecto competitivo e familiar, o
Mitsubishi MotorSports acabou se transformando no maior (em
volume de participantes) rali de regularidade do Brasil, segundo a Comissão Nacional de Rali. A idéia de desenvolver essas provas,
segundo Paulo Arantes Ferraz, vice-presidente da montadora
instalada no País com 100% de capital nacional desde 1994, era a de mostrar aos clientes da marca tudo o que seus carros poderiam oferecer. “Muitos investiam em um veículo idealizado para suportar terrenos adversos mas o usavam em condições basicamente urbanas. Então, resolvemos mostrar que poderiam exigir e obter muito mais de seus carros”, explica Ferraz. Nos primeiros anos, o Mitsubishi MotorSports era basicamente um passeio por trilhas enlameadas. Com o tempo, os próprios participantes exigiram mais. Faltava a esses passeios o componente competição. Assim, surgiram esses ralis hoje reconhecidos pela Confederação Brasileira de Automobilismo. Cada uma das etapas do Mitsubishi MotorSports custa cerca de R$ 200 mil à montadora e envolve diretamente cerca de 60 pessoas para organizar o evento. “É claro que há um investimento e que procuramos um retorno”, diz Ferraz. O retorno, segundo ele, além da alegria dos participantes, está em obter uma maior fidelidade dos clientes.

O dono de um veículo Mitsubishi é convidado para participar das competições pela concessionária onde comprou o carro. No ato da inscrição, o participante assina um termo de responsabilidade, recebe o regulamento da prova e entrega no mínimo 20 quilos de alimentos não perecíveis que serão distribuídos a entidades sociais da cidade onde se dará o evento. Na etapa de Natal, a Mitsubishi arrecadou aproximadamente quatro toneladas de alimento. No ano passado, foram 44 toneladas. “Fazemos isso sem a participação de governos ou de políticos da cidade. Quem indica a entidade que receberá os alimentos é a concessionária da cidade. Essa é a forma que encontramos de fazer alguma coisa pela sociedade”, conclui Ferraz.