No mundo da moda, onde tudo parece já ter sido dito, visto ou reciclado, o público daria qualquer coisa para ver uma boa história. E o estilista mineiro Ronaldo Fraga, que vai abrir a São Paulo Fashion Week nesta segunda-feira 15, é o melhor contador de causos desse meio. Sua primeira participação no Phytoervas Fashion, em 1996, foi com um desfile multicolorido sobre uma galinha que foge da granja para não ir para a panela. Em 2001, em sua estréia no calendário oficial da moda, causou comoção ao retratar o holocausto judeu em trajes de época e camisas com marcas de bala. Não é de admirar que suas criações engajadas emocionem.

Este ano, o estilista escolheu a vida nos presídios como mote de sua coleção, antecipada com exclusividade por ISTOÉ. Como todos os seus desfiles têm nome, enredo e cenário, este se chama Cordeiro de Deus. É sobre um presidiário
fictício, Jesus da Silva Santos, que arruma sua cela para receber a amada. Na passarela, sua espera se traduzirá em vestidos de índigo e fitas trançadas, daqueles que só alguém com tempo de sobra poderia fazer, e blusas de tricô esburacadas pelo uso. Numa alusão às roupas de festa que as mulheres usam no dia de visita, haverá modelos de seda pura e saias de rabo-de-sereia. Estampas de pombo-correio e listras que lembram a caricatura de presidiários completam a cena, que começou a ser esboçada nas oficinas que o estilista realizou na Febem e na Penitenciária de Neves, em Minas Gerais.

Fraga não apenas faz roupas. Ele utiliza a moda para discutir a existência humana. Desde os tempos de estudante, quando saía às ruas para lutar contra o fim do Cine Metrópole, em Belo Horizonte, percebe a moda como uma manifestação política. “A partir do momento em que você escolhe uma roupa ou um corte de cabelo, já está tomando uma posição de aceitação ou de protesto”, diz. Burilado pela famosa escola de estilismo Parson’s, de Londres, Fraga conquistou seu espaço ao reforçar o caráter de registro histórico da moda.

Mostrou bem isso na coleção Quem matou Zuzu Angel?, em que a passarela era coberta de nuvens e bonecos em posição de tortura, em homenagem à estilista que combatia o regime militar, e na agressiva Corpo cru, em que bonecos de madeira substituíam supermodelos. “Contestei o fato de hoje as roupas determinarem a dignidade de seus usuários”, explica. Ao contrário do que a atmosfera teatral de suas coleções possa sugerir, Fraga é um homem de negócios. Além de manter um ateliê em Belo Horizonte e outro em São Paulo, onde emprega 30 pessoas, coordena a linha de jeans da fábrica Lei Básica, do Espírito Santo, e a marca Tonga da Mironga, da malharia Gioconda, do Rio Grande do Sul.

É também um expert em marketing. Com nove graus de miopia, ele fez dos óculos de aros grossos sua marca registrada. Diz que o acessório é um convite para que as pessoas vejam a moda com outros olhos. Também no quesito imagem Fraga é o antiestilista. Baixinho, tímido e de fala mansa, passaria incógnito em uma festa de fashionistas, como se denominam os amantes da moda. Não se atreve a falar em tendências, até porque não é nenhum exemplo de como combinar acessórios. Os seus sapatos são sempre três números maiores que o pé e as roupas parecem ter saído de um brechó. Até oito meses atrás, quando nasceu seu primeiro filho, Ludovico, ostentava um cavanhaque estilo Confúcio. O jeitão alternativo já rendeu episódios risíveis. Uma vez, no centro de São Paulo, um grupo de feirantes
atirou-lhe tomates, cantando: “Na casa do Senhor não existe Satanás, xô Satanás…” Hoje, Fraga está mais para anjinho da moda. Os próprios conterrâneos, que sempre o acharam meio esquisito, agora o admiram. Ele até já ganhou participações especiais, interpretando a si mesmo, em novelas da Globo.