Todo presidente da República sonha ter um vice tranquilo, que não dê trabalho, não provoque confusões e só ajude o titular. Fernando Henrique Cardoso teve o seu, Marco Maciel. O pernambucano do PFL se encaixou tão bem nesse perfil que foi mantido no cargo no segundo mandato de FHC. Pois o petista Luiz Inácio Lula da Silva acredita que achou o seu vice dos sonhos. Apostou alto dentro do PT para bancar o senador mineiro José de Alencar, 71 anos, desgastando-se com as alas mais radicias. Afinal, Alencar, além de ser do Partido Liberal, é um legítimo representante da classe dominante. Dono da Coteminas, um conglomerado de 11 fábricas de tecidos com 16 mil funcionários em todo o País, ele é um dos empresários mais ricos do Brasil. Suas empresas faturam cerca de R$ 1 bilhão por ano. A heresia era total e irrestrita para os rígidos parâmetros petistas. Até mesmo setores moderados ficaram constrangidos de início.

A expectativa de que o senador do PL provocaria muitas confusões era grande. Antes de começar a campanha, por exemplo, ele chegou a fazer críticas mais pesadas do que o tolerável para o termômetro petista na direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Também defendeu a permanência de Armínio Fraga na presidência do Banco Central. Mas Alencar acabou surpreendendo com seu jeitinho mineiro.

Vaias xiitas – A prova de fogo aconteceu no dia 29 de junho, quando Lula o apresentou à militância durante a convenção nacional do partido, que lançou oficialmente a chapa que representava trabalho e capital. Alencar driblou as vaias que recebeu dos xiitas contando, com voz pausada e fala mansa de caipira, a história de sua vida, que guarda algumas semelhanças com a de Lula. Contou que era de família pobre e por isso teve que começar a trabalhar com 14 anos. Assim como Lula, ele também não tem diploma universitário: fez apenas o curso primário. Mas, com as economias que ia guardando, pagava aulas particulares de matemática e português. No final dos discursos não se ouviam mais vaias.

Não significa que ele tenha sido totalmente aceito dentro do PT. Os petistas moderados já não se incomodam mais e muitos não escondem a admiração pelo senador liberal. Quanto aos radicais, hoje com pouca influência nas decisões do partido, restou o silêncio. Afinal, em time que está ganhando não se mexe. E na campanha não houve crises envolvendo o vice de Lula.

Além de ser a prova viva de que Lula estava se aproximando do centro, Alencar, ex-presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais, foi fundamental para quebrar o gelo com os empresários. De fato, durante a campanha Lula viu as portas se abrirem na Bolsa de Valores de São Paulo e na Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), onde discursou com desenvoltura. Muitos empresários comentavam que a presença de Alencar na chapa era um fator de tranquilidade. Afinal, um dos homens mais ricos do País não estaria do lado de Lula se ele fosse o lobo mau socialista que atacaria os capitalistas na primeira oportunidade.

Sem stress – Com seu jeito simples, Alencar nunca reclamou de nada e andava o tempo todo com apenas um assessor, Adriano Silva. Também foi responsável pela manutenção do bom humor de Lula durante a campanha. Mas uma das maiores contribuições do senador foi o fato de ter agregado votos no segundo maior colégio eleitoral do País, Minas Gerais, onde o petista teve uma de suas melhores performances. Ajudou também o fato de o governador Itamar Franco ter subido em seu palanque. Para Alencar, o jogo foi mais do que vantajoso. Afinal, quando ele poderia imaginar ocupar a vice-presidência da República? Em 1994, o empresário disputou, sem sucesso, o governo de Minas. Na eleição seguinte, resolveu não arriscar e preferiu tentar uma vaga no Senado. Conseguiu. Os assessores mais próximos de Lula contam que o petista passou a campanha em lua-de-mel com seu vice, como nunca havia acontecido antes. “Lula e José de Alencar têm uma admiração mútua. O presidente eleito vê um pouco no seu vice uma figura paterna”, contou esse colaborador. Só o tempo vai dizer se essa história de amor vai durar até o final do mandato.