30/10/2002 - 10:00
De corpo e alma lavados. É assim que se sente Duda Mendonça, o homem que não aceita as glórias da vitória por ter suavizado a pimenta e o dendê do tempero de Lula, a fim de tornar sua imagem mais light ao eleitorado. Baiano arretado, filho de Oxóssi, o caçador, aprendeu com o pai e nas rinhas que crista alta não significa que o galo é bom de briga. “Um vencedor tem que ser generoso, o sucesso não pode subir pra cabeça, porque o passo seguinte é pisar nos outros.” Duda insiste em que o mérito de todo o trabalho é de uma só pessoa: Lula. “O que fiz foi mostrar ao povo o Lula do jeito dele, falando nos olhos, falando com emoção. Não podemos esquecer que Lula é verdade. Não existia orientação, marketing, quando ele fazia o ABC arrepiar”, emociona-se lembrando das greves dos metalúrgicos paulistas, capitaneadas pelo então torneiro mecânico e líder sindical, que foi enquadrado em 1980 na draconiana Lei de Segurança Nacional.
Mas o casamento de Duda e Lula não foi só na forma de expor idéias e na emoção. Eles têm muita coisa em comum e isso facilitou, e muito, o trabalho. Eles já passaram muitos fins de semana à beira da praia em Mar Grande, na Ilha de Itaparica, onde Duda tem uma casa. Conversas que varavam a noite viraram rotina nessa reaproximação dos dois. A última delas aconteceu depois do debate da Rede Globo, na quinta-feira 3. Desde 1994, Lula e Duda tentam uma parceria. Mas Duda foi barrado no baile do PT pela ala radical, que, incensada pelos marketeiros do partido na época, não aceitava o fato de ele ter trabalhado para as campanhas de Maluf. Desta vez, falou mais alto a vontade de vencer. A vontade de Lula prevaleceu e, ao contrário do que todos esperavam, não houve crise durante a campanha devido à fórmula usada por Duda para os programas do então candidato. Na receita de Duda, ataques, baixarias, expressões carrancudas e falação como em comício foram substituídos por uma câmera fechada no olhar do candidato, pelo sorriso aberto e pela fala mansa. “A gente não podia entrar na casa das pessoas berrando com elas. Tinha que chamar a atenção delas falando em voz baixa, como numa conquista.” Lula, que não estava disposto a ganhar a qualquer custo, lembra o publicitário, fechou com a proposta. Os responsáveis pela paz que reinou entre o PT e Duda foram os deputados José Dirceu e os principais coordenadores da campanha, Luiz Gushiken e Antônio Palocci. Eles atuaram como uma espécie de centroavante nas discussões dos programas com o núcleo estratégico montado pelo partido. O meio-de-campo foi feito por Luiz Favre, namorado da prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, que trabalhou diretamente com Duda e comprou algumas picuinhas com o PT, tirando o publicitário da linha de tiro.
“Tive suporte o tempo inteiro e não tive problemas. Nunca vi uma campanha tão feliz. Esse era o clima na produtora, no comitê. Foi isso o tempo todo”, afirma Duda, que não gosta de perder nem no par ou ímpar, como ele mesmo admite. O segredo de um trabalho vitorioso? “Andar no meio do povo. Ouvir os apostadores na rinha de galo, os motoristas, o dono do boteco. É assim que a gente sente o que está acontecendo nas ruas.” Foi dessa forma que Lula e Duda conseguiram ver suas estrelas brilharem. Antes disso, muita batalha. Duda, que veio de uma família da classe média baiana, chegou a ter as roupas feitas pela mãe para não fazer feio na escola. O pai, um artista plástico só reconhecido depois de morto, mantinha a família com os poucos quadros que vendia. O significado da palavra dificuldade esteve presente na trajetória dos dois, tanto no universo emocional quanto no financeiro. Hoje, Duda é um homem realizado, mas nem sempre foi assim. Mesmo no auge da fama, não conseguia estar de bem com a vida. Tudo isso porque, aos sete anos, ouviu uma amiga da mãe dizer que Carlinhos, o irmão mais velho, era um rapaz “tão bonito e Dudinha tão magrelo”. Anos depois, o publicitário foi buscar na psicanálise e no Caminho para São Thiago de Compostela sua identidade, auto-estima e, principalmente, confiança.
O presidente eleito também resolveu cicatrizar suas feridas, tratando a vida com mais carinho. Não foi à toa que seu lado paz e amor virou marca da campanha. Lula, sempre reservado, principalmente depois do episódio Luriam, aceitou mostrar um pouco de sua vida mais íntima à Nação. “Quando trouxe Marisa para a campanha, quis mostrar que ele tinha uma família, que não era só um político, um sindicalista. Mostrei que tinha uma vida, que é casado há 28 anos, tem filhos, e assim ele foi conquistando as pessoas, do jeito dele”, ressalta Duda.O publicitário, que nunca votou para presidente nem sequer tem título de eleitor, muniu-se de sua carteira de identidade e voltou para a Bahia no sábado 26 para realizar um sonho: ver um homem que veio do povo transformar-se em presidente do Brasil.