30/10/2002 - 10:00
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, repetiu como um mantra nesta campanha que nunca esteve tão bem na sua vida. Boa parte desse alto-astral ele deve à mulher, Marisa Letícia da Silva. Aos 52 anos, esta neta de italianos é o alicerce psicológico e emocional de Lula. Marisa também está em sua melhor fase da vida. Nas outras eleições, ela se ressentia e reclamava da falta de tempo do marido para a família. Desta vez, com os quatro filhos já crescidos (o caçula, Luiz Cláudio, tem 17 anos), avó de dois meninos, Marisa acabou mergulhando de corpo e alma na campanha, à sua maneira. Ficou ao lado de Lula durante todo o tempo. Embora se apresentasse de modo discreto, sempre evitando entrevistas, a futura primeira-dama é uma mulher de temperamento muito forte. Marisa se transforma numa verdadeira leoa, se for preciso, para resguardar a privacidade de sua família.
Nesta campanha, ela fez quase todas as cansativas viagens, quando, então, era apresentada por Lula ao público. “Essa é minha companheira, com quem estou casado há 28 anos”, dizia o petista. Em seguida, contava a história de como Marisa cortou seu machismo. “Eu chegava em casa de noite e falava: ‘Amoreco, quero comer, amoreco, quero isso, amoreco, quero aquilo.’ Até que um dia ela cansou e disse que eu fosse esquentar a comida.” Na verdade, Lula estava cercado pela família: os filhos também suaram a camisa para ajudar a eleger o pai. Marcos, 31 anos, artista gráfico e estudante de psicologia (filho do primeiro casamento de Marisa), Fábio, 27, biólogo, e Sandro, 24, estudante de publicidade, também se entregaram de coração à eleição, colaborando no processo de distribuição de material de campanha. Nos últimos comícios, o petista se emocionou ao agradecer em público a dedicação de sua mulher. Num deles, em São Bernardo do Campo, quando Lula chorou no último dia de campanha, Marisa estava lá a seu lado e chegou a segurá-lo pelo braço, com medo de que o marido caísse do palanque. Não foi apenas o petista que se preparou para a sua quarta tentativa de chegar ao Planalto. A futura primeira-dama também cuidou do visual, foi num dos cabeleireiros mais badalados do País, Wanderley Nunes, do Studio W, e perdeu alguns quilos.
“A presença da Marisa traz paz para Lula. Nessa campanha, ela teve uma participação extraordinária, sempre ao lado dele. Ela é uma pessoa muito especial”, observou a secretária do petista, Mônica Zerbinato. Engana-se quem pensa que Marisa é uma dona-de-casa alienada da política. Enquanto Lula liderava as greves operárias no ABC paulista, no final dos anos 70 e início da década de 80, Marisa exigia participar também. Ajudou a organizar uma passeata de mulheres em 1980, em protesto contra a prisão dos dirigentes sindicais que lideraram a greve, entre eles o próprio Lula. “Botei as crianças na rua, meus filhos no meio daquela multidão”, lembra ela, numa entrevista divulgada no site da campanha de Lula, feita por sua assessora, a jornalista Denise Gorzeski. Foi ela quem fez a primeira bandeira do PT, na sua própria máquina de costura. Nas famosas Caravanas da Cidadania – as viagens que Lula fez pelo Brasil a partir de 1993 para conhecer de perto as necessidade de todas as regiões do País –, Marisa também estava ali a seu lado. Eram viagens longas e penosas pelo interior do Brasil, de ônibus e barco, passando muitas vezes por cidades paupérrimas. Duravam cerca de duas semanas.
Assim como Lula, Marisa teve que trabalhar desde menina. Com 13 anos já era embaladora de bombom na fábrica de Chocolates Dulcora, em São Bernardo do Campo (SP), onde ficou oito anos. Saiu para casar, aos 19, com o primeiro namorado, Marcos, motorista de caminhão. De noite, ele trabalhava como taxista. Seis meses depois do casamento, ele foi assassinado durante um assalto. Viúva e grávida de quatro meses, Marisa foi morar com os sogros e depois trabalhou como inspetora de colégio quando seu filho Marcos tinha completado um ano. Conheceu Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, em 1974, onde ia frequentemente receber pensão de viúva. Ele também vivia um drama pessoal: a primeira mulher de Lula, a tecelã Maria de Lourdes, tinha morrido, grávida de oito meses, de hepatite não diagnosticada, quatro anos antes. Interessado na jovem viúva loura, Lula a venceu pelo cansaço: a moça estava namorando, mas ele não quis saber. Um dia pegou seu carrinho TL e foi até a casa de Marisa, disse ao rapaz que precisava conversar um assunto sério com sua namorada e acabou conquistando a simpatia de dona Regina, mãe de Marisa. “Tive que acabar o namoro porque ele já não saía mais de casa”, conta. Lula já revelava a sua obstinação. Característica que demonstrou ter também na seara política. Do contrário, não teria insistido, pela quarta vez consecutiva, em conquistar também o coração dos eleitores para chegar ao Planalto.