Os Silva tomaram o poder. Já é fato notório que Lula, o homem mais poderoso do País a partir de 1º de janeiro, carrega este verdadeiro carimbo popular na certidão de nascimento. Mas nem todos sabem que o segundo petista mais poderoso, o braço direito do presidente eleito, tem o mesmo sobrenome de seu chefe: José Dirceu de Oliveira e Silva, deputado federal e presidente nacional do PT. Começa a era dos Silva. Aos 56 anos, um a menos do que o presidente eleito, este advogado mineiro, nascido em Santa Rita do Passa Quatro, no dia 16 de março de 1946, tem a força dentro do seu partido. Levou para a campanha de Lula o mesmo estilo trator de trabalho, cobrando resultados com mão-de-ferro e fazendo o que fosse preciso para alcançar os objetivos. Ele foi uma espécie de maestro de uma orquestra afinada que levou Lula à vitória. Ai de um violino que soasse desafinado. Apesar do bom humor, as broncas do “Zé” são conhecidas. Seu pavio curto, também.

Dirceu fica irritado quando ouve especulações de nomes que comporão o novo governo, mas o seu próprio é o mais valioso na bolsa de apostas. Ele poderá ser o chefe da Casa Civil. Outra pasta cogitada é o Ministério da Justiça, com a espinhosa incumbência de enfrentar o problema da segurança pública. Responsável por todas as costuras feitas na campanha, Dirceu continuará naturalmente acumulando o papel de articulador político, que vem exercendo há muitos anos. Um bom retrato de seu poder dentro das hostes petistas aconteceu em julho, quando Dirceu foi no lugar de Lula aos Estados Unidos para acalmar o mercado.A viagem seria feita pelo candidato, mas sua agenda não permitia sair do País. Que outro nome, senão o de Dirceu, teria tanto peso político para falar por Lula? Ele foi a Wall Street garantir que Lula cumpriria os contratos. Lembrou que o PT governa hoje 50 milhões de brasileiros em suas administrações municipais e estaduais. Agradou à platéia.

José Dirceu é o petista que mais influencia Lula. A relação é de respeito mútuo. A dupla começou a traçar o caminho que levou finalmente o PT ao Planalto há sete anos – quando Dirceu assumiu a presidência nacional do partido pela primeira vez e foi reeleito três vezes seguidas. Depois de muitas brigas entre as correntes internas, no saco de gatos que era o partido, Dirceu conseguiu domar os radicais, diminuindo o seu poder de influência. Mas o custo foi alto. Criou inimizades e semeou mágoas. O momento de maior desgaste interno foi quando houve a intervenção do diretório nacional do PT sobre o diretório do Rio de Janeiro, em 1998, para impedir a candidatura do petista Vladimir Palmeira para o governo do Estado. Liderados por Dirceu, os moderados do PT queriam apoiar a candidatura do então pedetista Anthony Garotinho ao governo do Estado para garantir o apoio de Leonel Brizola à campanha de Lula naquele ano.

Há 37 anos se dedicando à política – foi deputado estadual e federal, além de ter se candidatado ao governo de São Paulo em 1994, quando ficou em terceiro lugar –, Dirceu não descuida do lado familiar. Não é raro ouvi-lo falando de sua atual mulher, a socióloga Maria Rita Garcia Andrade. É também um paizão dedicado – tem três filhos de mulheres diferentes. Mas se sua trajetória petista fez história, sua história antes do PT não é menos notável. Foi um dos mais famosos líderes estudantis do período militar. Um ídolo, conhecido pela veemência com que defendia suas idéias e pela beleza que o tornou um galã entre as moças da esquerda dos anos 60 e 70. Foi preso no famoso Congresso de Ibiúna, em 1968, mas acabou libertado no ano seguinte: foi um dos presos políticos expulsos do País em troca da libertação do embaixador americano Charles Elbrick. Seu destino: Cuba, onde recebeu treinamento de guerrilha. Lá, submeteu-se a uma cirurgia plástica para modificar o rosto. Em 1975, retornou ao Brasil para viver clandestinamente em Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná. Com o nome falso de Carlos Henrique Gouveia de Melo, ele abriu uma fábrica de calças. Casou-se com Clara Becker, com quem teve o primeiro filho. Nem ela conhecia sua verdadeira identidade. Tudo em nome da causa.