30/10/2002 - 10:00
Em 1980, o general Dilermando Gomes Monteiro, que foi comandante militar em São Paulo, sentiu-se isolado quando comentou com alguns oficiais, em Brasília, que Lula não ameaçava as instituições brasileiras. Um ano depois, em Porto Alegre, o general Milton Tavares de Souza, que também comandou a guarnição paulista, seria enfático: “Nem Lula nem outro qualquer político de esquerda vai chegar ao poder, no Brasil, pelo voto.” Vinte e um anos depois da frase de um dos chefes da repressão, praticamente não há vestígios da rejeição militar e empresarial a Lula. Para o coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, coronel Geraldo Cavagnari, o voto militar em Lula é significativo e “decorre do fracasso do governo FHC, das concessões internacionais sem contrapartida e da negligência com as Forças Armadas”.
Mudou Lula ou mudaram os militares? Ambos. Os militares, fora do ambiente da guerra fria, tornaram-se apartidários. Seus comandantes priorizam a formação profissional e a defesa da soberania, enquanto Lula faz o discurso conciliador, semelhante ao de sua visita à Escola Superior de Guerra, no governo José Sarney: “Se os senhores pensam que o PT quer fazer uma revolução comunista, estão equivocados. Queremos é melhorar a condição de vida do trabalhador brasileiro, estimular a produção, fazer o Brasil crescer, com democracia”, declarou na ocasião. Este discurso sensibiliza o brigadeiro Sérgio Ferolla, ministro do Superior Tribunal Militar: “A eleição de Lula pode permitir a recuperação do Estado brasileiro, porque esta história de Estado fraco é para boi dormir. Nos Estados Unidos, ele é muito forte.”
A defesa de uma aliança em torno de Lula é feita por um dos oficiais que participaram do golpe contra João Goulart, em 1964, coronel Amerino Raposo, diretor do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos: “Lula poderá recuperar a soberania e a cidadania, abandonando o terrível modelo neoliberal de FHC.” Já o almirante Armando Vidigal, conferencista de escolas de Estado-Maior, diz que “Lula chega à Presidência com um amplo respaldo, capaz de tornar menos complexa a sua missão, pois terá de enfrentar problemas causados por um ambiente internacional perverso, que mostrou as vulnerabilidades da economia brasileira”. O ex-reitor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), brigadeiro Tércio Pacitti, não tem dúvidas: “Lula terá os militares como aliados.”
A eleição de Lula ocorre em um momento histórico em que há necessidade de se fortalecer o sistema federativo e combater as desigualdades sociais, diz o coronel Luiz Henrique Pires, ex-chefe da Seção de Doutrina da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Pires rejeita a comparação, feita por José Serra, entre Lula, o venezuelano Hugo Chávez e o argentino Fernando de la Rúa: “A comparação é esdrúxula e primária porque Lula chega ao poder com uma grande votação e defende o entendimento para as reformas. ” O coronel afirma que entre as metas de Lula devem estar “a taxação dos lucros dos bancos, das grandes riquezas e heranças, uma profunda reforma tributária, a reforma agrária e a reforma política”. Lula, segundo Pires, “tem razão quando diz que é preciso desonerar a produção e deixar de premiar a especulação financeira”.