30/10/2002 - 10:00
Nos registros da história do Partido dos Trabalhadores (PT) consta como filiado número 1 o crítico pernambucano de cinema e arte Mário Pedrosa (1900-1981). Não chega a ser surpresa. Mesmo identificado como um partido das camadas populares, o PT e os intelectuais sempre andaram juntos. Além de Mário Pedrosa, a ata de fundação do partido traz signatários ilustres, como o crítico literário e ensaísta Antonio Candido e o historiador Sérgio Buarque de Holanda. Antecedentes que podem indicar que, pela primeira vez, a cultura, assunto de pouco prestígio em qualquer governo, vá merecer mais atenção e, quem sabe, mais dinheiro. Atualmente, a pasta detém apenas ínfimos 0,25% do orçamento federal. O PT fala em rever dotações orçamentárias e já tem prontas suas diretrizes para a área cultural. Um documento batizado de A imaginação a serviço do Brasil – entregue ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, na segunda-feira 21, no Rio de Janeiro, em solenidade que reuniu inúmeros artistas – traz entre as principais propostas a diversidade regional como elemento de resgate da identidade nacional.
O documento de 24 páginas traz os estudos de um trabalho coordenado pelo poeta e ex-secretário de Cultura do Distrito Federal Hamilton Pereira, também conhecido pelo pseudônimo de Pedro Tierra, nome com que assina obras, como Missa dos quilombos, poema musicado por Milton Nascimento num álbum de 1982. Militante político perseguido pela ditadura militar, Pereira mantém um discurso entusiasmado. “Cultura é um direito básico do cidadão, um direito republicano, como a saúde, a moradia, a educação e não apenas a cereja do bolo.” Desde julho, ele organiza encontros nas cidades administradas pelo PT para definir uma política cultural. A palavra mágica, e repetida sistematicamente, é apostar e reviver as diversidades. Ou seja, revigorar a produção artística local, regional, recorrendo à televisão, cujas redes públicas deverão receber mais recursos. “As emissoras de tevê precisam abrir espaço para que a cultura regional venha à tona. O Norte, o Nordeste, o Sul não se vêem na televisão.” Pereira quer que pelo menos 10% da programação das emissoras de tevê em todo o País seja destinada à produção de programas locais, que tenham como matéria-prima seus próprios artistas. “O nordestino não se identifica na televisão”, afirma.
Mas o aspecto mais polêmico do programa deverá ficar por conta da revisão do atual papel das leis de incentivos fiscais. Segundo Pereira, 84% desses recursos estão concentrados no eixo Rio–São Paulo. “A distorção ocorre porque o governo se omitiu das decisões.” Pereira lembra que se trata de dinheiro público e, portanto, o Estado não pode se ausentar. “Não queremos eliminar os parceiros, apenas reconfigurar as leis e distribuir os recursos de forma mais equilibrada. Não tem havido espaço para novos talentos, só para quem já tem a imagem fixada.” De acordo com o projeto petista, as leis terão de ser aprimoradas e democratizadas. O Ministério da Cultura também terá de descentralizar sua iniciativas, contemplando todas as cidades brasileiras, que terão seus próprios equipamentos culturais. Só assim, lembra Pereira, a desprezada cultura se tornará um veículo de inclusão social. É esperar para ver.