Pouco mais de 22 anos separam a foto que ilustra este texto daquela que publicamos na capa desta edição. A foto desta página foi feita em maio de 1980, no Estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, São Paulo. E nela está registrada uma imagem premonitória. Era naquele campo de futebol que se reuniam em assembléias os metalúrgicos do ABC, sob o comando do presidente de seu sindicato, Luiz Inácio da Silva, o Lula. Vivia-se uma ditadura militar e aqueles homens clamavam por melhores condições de vida: emprego, salário e liberdades democráticas. Aqueles homens acabariam sendo fundamentais para o fim da era militar e a implantação da democracia no Brasil.

Naquele tempo, o terno e a gravata não faziam parte do dia-a-dia do líder metalúrgico. Mas na pintura, exibida em plena assembléia na Vila Euclides, com alegria, orgulho e de maneira quase messiânica por um metalúrgico, vê-se um Lula estadista, de terno e gravata e tendo ao fundo a bandeira nacional. Como um estadista. Como se fosse um presidente da República. E como foi fotografado, mais de 20 anos depois, para a capa desta edição histórica de ISTOÉ. Como um estadista. De terno, gravata e com a bandeira brasileira ao fundo. E como presidente eleito do Brasil. Entre as duas imagens, além dos 22 anos de diferença, é importante notar um outro detalhe. Na orgulhosa pintura do anônimo metalúrgico, Lula aparece sério. A seriedade para liderar homens corajosos que peitavam a violenta repressão militar e enfrentavam muito gás lacrimogêneo, golpes de cassetete e prisões. O próprio Lula ficou 31 dias preso no Dops.

Na foto da capa desta ISTOÉ aparece um Luiz Inácio Lula da Silva exibindo um sorriso conciliador. Um sorriso negociador que sintetiza a sua caminhada e a sua vitória. Uma vitória que veio se desenhando em meio a uma habilidosa costura de um cuidadoso pacto social pilotado pelo deputado José Dirceu. Seus arautos econômicos, o senador eleito Aloizio Mercadante e o professor da Fundação Getúlio Vargas, Guido Mantega, foram incansáveis e exímios operadores de extintores de incêndios.

Acumularam considerável milhagem em viagens pelo mundo, para explicar a banqueiros e autoridades econômicas que os planos de Lula são consistentes, merecem a aceitação do mercado e em seu dicionário não existe a palavra calote. E este trabalho surtiu efeito. Para Fred Bergsten, diretor do influente Institute for International Economics de Washington, entrevistado por Osmar Freitas Jr., correspondente de ISTOÉ em Nova York, Lula será da estirpe do ex-presidente francês François Miterrand.
 

Nesta eleição, os brasileiros protagonizaram um exemplar processo democrático. Tiveram o privilégio de escolher em segundo turno dois candidatos como José Serra e Luiz Inácio Lula da Silva. Parece irrelevante, mas não é, e a Argentina aí está para comprovar. Se a vitória de Lula merece congratulações e mangas arregaçadas de toda a Nação, o presidente Fernando Henrique Cardoso também merece elogios. Pela primeira vez na história da República, um presidente tem a iniciativa de implantar um gabinete de transição colocando cargos à disposição do sucessor para que a transição seja feita com transparência. Tudo isto só pode nos trazer orgulho. Orgulho, esperança, confiança e motivação para trabalhar por um Brasil cada vez melhor, mais competitivo e mais justo socialmente.