11/02/2004 - 10:00
Encabeçando uma tropa de 1.400 pessoas, o investigador americano David Key foi ao Iraque em busca de assombrações. O que ele encontrou está causando espanto, medo e correrias em Washington. Kay não achou mais do que areia. Ele fora colhido a dedo pelo diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), George Tenet, para comandar a equipe de investigações sobre as propaladas armas de destruição em massa que o ex-ditador Saddam Hussein teria escondido em algum canto da Mesopotâmia. O suposto arsenal, lembre-se, foi usado pelo governo de George W. Bush como principal argumento para o ataque ao Iraque. Jurou-se que o estoque mortífero estaria em território iraquiano, pronto para atacar americanos e aliados, como Israel. O caça-fantasmas Key peregrinou durante sete meses por desertos e cidades iraquianas, vasculhando laboratórios, casas de militares e possíveis esconderijos. Leu documentos, entrevistou milhares de pessoas, inclusive cientistas, e voltou para casa com apenas uma convicção: “Nós estávamos todos enganados”, conforme disse à Comissão Parlamentar de Inquérito do Comitê de Inteligência do Congresso dos EUA. Depois dessa sensacional revelação, o presidente Bush, pressionado, inclusive, por gente de seu Partido Republicano e no começo de um ano eleitoral, anunciou que estava inclinado a apontar um grupo de notáveis para investigar por que os serviços de inteligência do país erraram tanto.
É claro que o presidente sabe que quem tem esqueletos escondidos no armário de casa não deve mexer com fantasmas. Mas não havia jeito de se safar desta: o país exige saber como foi convencido a entrar numa guerra, com decisão baseada em falsas premissas. Kay, 63 anos, um conservador da comunidade de inteligência que mandou contribuição de campanha para Bush antes mesmo de ele anunciar candidatura, livrou, por ora, a cara do presidente. Garantiu que a culpa pelas más informações recai apenas sobre os ombros da CIA. É por isso que o emprego de Tenet está na alça de mira e a comissão de investigação será convocada. As conclusões a que chegará, avisa a Casa Branca, só virão depois de novembro. Bem depois das eleições presidenciais.
Antecipadamente já se sabe quem será apontado culpado por este que é um dos maiores fiascos da história americana. A comunidade de inteligência pagará o pato, imagina-se, sozinha. Tanto que, na quinta-feira 5, Tenet declarou que a CIA nunca disse que Saddam era “uma ameaça iminente” e que, embora o ditador não tivesse as armas, ele queria tê-las. Tenet disse ainda que a agência nunca foi pressionada a exagerar o perigo das armas de destruição em massa iraquianas. Que a CIA é incompetente, não representa novidade alguma. Apontem-se as mais recentes: a Índia fez um teste nuclear, com auxílio de veículo lançador de mísseis, sem que a agência de espionagem americana tivesse qualquer aviso prévio. Mal refeita do susto, a Central de Inteligência foi surpreendida na mesma região, quando o Paquistão repetiu a ousadia entrando para o clube atômico à base de pontapés na porta. Langley, sede da CIA, não tinha idéia de nada disso. “Por Deus! George Bush, o pai, ficou sabendo da queda do muro de Berlim através da CNN. A CIA não sabia o que estava acontecendo.” Quem diz isso é Milton Bearden, chefe do Diretório Soviético da CIA na época em que o muro veio abaixo. O conselheiro de segurança nacional de Bush pai, Brent Scowcroft, é o homem cotado para liderar o comitê bipartidário de luminares que vai investigar as falhas de inteligência no caso das não-existentes armas de destruição em massa iraquianas. E de antemão já se trata de livrar a cara da Casa Branca.
A explicação para inteligência tão falha pode ser encontrada em parte no estudo realizado pela Fundação Carnegie Endowment for International Peace, órgão de pesquisas apartidário. Num documento lançado antes mesmo de Key voltar com a bagagem vazia, a fundação mostra que vários membros da comunidade de inteligência se sentiram pressionados para moldar suas respostas ao gosto dos falcões de guerra. Encabeçando esta revoada estava o vice-presidente Dick Cheney. “Chegou-se a ponto de o Departamento de Defesa montar seu próprio serviço privado de inteligência para colher fatos que provassem sua tese do perigo representado por Saddam Hussein”, diz o senador democrata Chuck Schumer. A consequência disso é que a realidade não impediu as teorias abraçadas pelos conservadores do governo. Todas aquelas fotos de supostos caminhões-laboratórios e armazéns no deserto eram apenas instrumentos da teoria conspiratória do Pentágono. E o país foi à guerra por causa dessa miragem.