No canto direito do ringue, com 1,80m de altura e 100 kg, o peso pesado Roberto Jefferson, deputado federal pelo Rio de Janeiro e presidente nacional do PTB. No outro canto, os alvos da luva poderosa de quem já liderou a tropa de choque de Collor e hoje comanda o batalhão de 50 deputados e três senadores da base do governo. ?O segredo, no boxe, é atacar defendendo?, ensina o boxeador amador que montou uma academia no seu apartamento funcional, em Brasília, para descarregar a tensão da política. Três anos atrás, preso num corpanzil de 170 kg, Jefferson fez uma cirurgia de redução do estômago que lhe conferiu um corpinho de 98 kg. ?Agora, malhando todo dia, engordei dois quilos, mas é tudo massa muscular?, avisa. Seu PTB também ganhou massa, músculo e espaço no poder: cresceu no Congresso e espera engordar na eleição de 2004. Jefferson bate na linha de cintura da política econômica, chama o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, para o jogo bruto da eleição, esmurra o preconceito ideológico do PT, golpeia o fígado do ministro da Casa Civil, José Dirceu, e não livra nem a cara de Lula, que ele elogia pelo desempenho internacional, mas critica pelo pouco trânsito com o Congresso. E põe a nocaute qualquer dúvida sobre a admiração maciça que hoje nutre pelo presidente da República: ?Bush hoje é o mal, o homem que piorou o mundo. E Lula é o bem, o homem da paz.?

ISTOÉ – O PTB gostou da reforma ministerial de Lula?
Roberto Jefferson

O PTB não pode reclamar. No segundo governo FHC, decidimos apoiar o governo sem contrapartida de cargos, para deixar a pecha de fisiológico que o PTB sempre teve. Pudemos por isso apoiar o Ciro Gomes e, no segundo turno, fomos de Lula. Na formação do governo, o ministro José Dirceu nos chamou para conversar. “O que vocês querem do governo?” E nós respondemos: “Queremos botar o nosso retrato.”

ISTOÉ – Não pediu nenhum ministério?
Roberto Jefferson

Não, eles é que ofereceram. O que ele indicasse, para nós seria uma honra. Agora na reforma ministerial, quando perdemos a Infraero, o Zé Dirceu nos disse: “Olha, o PTB tem sido um partido correto, não joga na chantagem, não faz extorsão…”

ISTOÉ – E alguém faz, deputado?
Roberto Jefferson

Creio que sim, mas não vou dizer. Dirceu não falou em relação a ninguém: “O PTB não joga na chantagem, não ameaça, não pratica o toma-lá-dá-cá. E quero que o PTB tenha um segundo ministério.” Quando não foi possível, ele nos chamou: “Olha, não pude dar o segundo ministério.” Pela conversa, haveria um up-grade para o PCdoB e vagaria o Ministério dos Esportes. Mas isso não aconteceu.

ISTOÉ – Não é estranho que o PCdoB, com 11 deputados, tenha dois ministérios e o PTB, com 50, tenha só um?
Roberto Jefferson

O PCdoB é um velho companheiro do PT, e eu respeito isso. O PTB está conquistando um espaço agora na relação com o PT. Até o ano retrasado nossa posição era de enfrentamento.

ISTOÉ – Mas, no Turismo, o PTB não controla a Embratur, a arma mais poderosa do Ministério?
Roberto Jefferson

O destaque está na formulação. O PT não verticaliza e eu acho mesmo que não deve verticalizar. Mas eles deviam fazer o mesmo em outras áreas do governo, convidando os partidos da base a ocupar espaços – como a secretaria-executiva ou uma estatal – onde a cabeça seja do PT. Na verdade, o PT não é generoso com os aliados. Eles centralizam muito poder nas mãos. No Congresso, eles têm 20% das bancadas e 80% do poder. E a dificuldade, o Zé Dirceu nos disse, vem do próprio PT. O difícil é o PT abrir espaço para abrigar aliados.

ISTOÉ – Essa gula toda não inviabiliza alianças?
Roberto Jefferson

Vamos consolidar a relação, que era de desconfiança. O PT via o PTB como um partido fisiológico e de direita. Eles agora nos respeitam e estamos avançando em nossas condutas públicas para superar esta pecha de direita. Está ficando claro que somos um partido de centro-esquerda. O PFL e o PSDB mudaram: eram a favor ontem, são contra hoje. O PT também. O PTB era a favor ontem, é a favor hoje. Foi o único que não mudou. Isso é coerência.

ISTOÉ – O PTB espera aumentar suas bancadas?
Roberto Jefferson

Precisamos crescer nas prefeituras. Tivemos um grande crescimento no Congresso: saímos de 26 para 52 deputados. Temos hoje 280 prefeitos e pretendemos chegar a uns 400 nas próximas eleições municipais. Temos que dar lastro a esta bancada da Câmara dos Deputados. Disputaremos para ganhar as Prefeituras de Campo Grande, onde o deputado federal Antônio Cruz é líder nas pesquisas; do Recife, com João Francisco; de Belém, com o senador Dulciomar Costa; e de Maceió, com o deputado João Lyra. Em Goiânia temos tudo para ganhar, se o governador Marconi Perillo apoiar o deputado Jovair Arantes.

ISTOÉ – E qual será o discurso do PTB na campanha?
Roberto Jefferson

Avançar socialmente. Fazer a reforma social, abrir a economia, voltar a crescer.

ISTOÉ – O governo Lula está fazendo isso?
Roberto Jefferson

Lentamente, mais lentamente do que esperávamos.
Neste primeiro ano de governo, foi extremamente ortodoxo. E isso
é um elogio. Não é fácil rever posições, condutas públicas. Posso imaginar o sofrimento que o PT passou. O PT sempre se colocou
contra esta atitude econômica que foi tomada agora. E que deu resultados em favor do Brasil.

ISTOÉ – Lentamente, mais lentamente do que esperávamos. Neste primeiro ano de governo, foi extremamente ortodoxo. E isso é um elogio. Não é fácil rever posições, condutas públicas. Posso imaginar o sofrimento que o PT passou. O PT sempre se colocou contra esta atitude econômica que foi tomada agora. E que deu resultados em favor do Brasil.
Roberto Jefferson

Há um erro gravíssimo no calendário eleitoral do Brasil. As eleições não poderiam ser de dois em dois anos. Esta eleição de prefeito sempre coloca em xeque a posição do governo. Medidas econômicas nunca surtem efeito antes de dois, três anos. A reforma da Previdência
é a mais profunda que já vi, sem dar um tiro, sem revolução. Se o governo pudesse aplicar a política econômica em dois, três anos e começasse a abrir na hora da eleição, ela seria mais palatável. Por mais que Palocci (Antônio) e Meirelles (Henrique) sejam ortodoxos, eles vão ter que abrir para as eleições. Não têm saída.

ISTOÉ – Abrir, como?
Roberto Jefferson

Irrigar a praça com dinheiro, abrir o orçamento, investir em obras públicas, gerar empregos, contratar 40 mil pessoas. Fazer o que todo governo faz, senão perde a eleição. Perde porque vira plebiscito.

ISTOÉ – E o ministro Palocci está disposto a pagar este preço?
Roberto Jefferson

Ele não está, mas é impelido por forças políticas que acabam levando à flexibilização. O (Pedro) Malan (ministro da Fazenda de FHC) teve que fazer. A pressão política é muito poderosa sobre o ministro da Fazenda. Todo dia, nos jornais, tem um político da base exigindo mudanças na política econômica.

ISTOÉ – E Palocci tem condições de fazer uma outra política, mais flexível?
Roberto Jefferson

Ele pode até levar esta política adiante, mas tem um risco: se o PT perder a eleição em São Paulo, o ministro paga a fatura. Vão debitar na conta dele. Com a atual política econômica, a eleição será federalizada. Nos grandes centros, o mote vai ser o desemprego.

ISTOÉ – Ele pode até levar esta política adiante, mas tem um risco: se o PT perder a eleição em São Paulo, o ministro paga a fatura. Vão debitar na conta dele. Com a atual política econômica, a eleição será federalizada. Nos grandes centros, o mote vai ser o desemprego.
Roberto Jefferson

O governo está jogando muito com o PMDB. Alardeia já
duas mil alianças para prefeitos. Mas há ainda um preconceito
ideológico em relação ao PTB, ao PP e ao PL. O PMDB foi, no passado, embrião de todas as tendências de esquerda. É mais fácil para o
público interno do PT aceitar uma aliança com o PMDB do MR-8,
mesmo com um matiz de corrupção, do que com o PTB, que não tem corrupção, mas tem pecha de direita.

ISTOÉ – Mas este preconceito não é natural? Até ontem o PTB era presidido por José Carlos Martinez, que foi o braço direito partidário de Collor…
Roberto Jefferson

Ninguém evolui ficando preso a dogmas.

ISTOÉ – José Dirceu se aproximou de políticos de outros partidos, como Sigmaringa Seixas, Miro Teixeira e Amir Lando, na CPI do Collor, enquanto o sr. era da tropa de choque de Collor. Vem daí o preconceito?
Roberto Jefferson

Não creio que esteja vinculado ao Collor, mas aos enfrentamentos das reformas no passado e da Constituinte. O preconceito não é pessoal, é ideológico. Eles viam o PTB como partido
de direita e fisiológico. Não é do núcleo duro do Planalto que vem a reação ao PTB. O preconceito é da base. O núcleo duro tem
consciência do papel limpo e correto do PTB. No último encontro
com Zé Dirceu, o ministro disse: “Essa nossa conversa foi tão boa que poderia ter sido transmitida ao vivo pela televisão.” Limpa, sem toma-lá-dá-cá, sem chantagem.

ISTOÉ – A entrada do ministro Aldo Rebelo (coordenador político) no núcleo facilita o jogo?
Roberto Jefferson

O ministro Rebelo tem trânsito muito bom com todas as bancadas. Ele veio para proteger um pouco a imagem do ministro
Dirceu, que tem hoje uma posição de primeiro-ministro. O Brasil vive,
de fato, um parlamentarismo, o que é muito bom para nossas
instituições democráticas. Tenho 22 anos de mandato e as conversas
do passado, até na época de FHC, passavam pela bancada ruralista,
da saúde, dos evangélicos, etc. Hoje é o partido que manda. Isso
é um dos braços do parlamentarismo.

ISTOÉ – Não é uma aberração num regime presidencialista?
Roberto Jefferson

Não vejo conflito. O presidente Lula tem feito um trabalho excepcional pela imagem do Brasil no Exterior como estadista, como chefe de Estado. Nota mil para a política externa, abrindo mercados internacionais para o Brasil com dignidade, independência, correção.
Ele é chefe de Estado. Toda a energia do presidente Lula está concentrada nisso.

ISTOÉ – E quem é o chefe de governo?
Roberto Jefferson

É o deputado Zé Dirceu. Eu vejo a chegada de Aldo Rebelo ao Planalto como muito positiva, já que Dirceu ficava extremamente exposto. Ele montou uma estratégia para se proteger um pouco. Todos os interesses contrariados convergiam para a Casa Civil. Ele tem que se proteger um pouquinho, né? Dirceu agora vai tocar a Casa Civil no alinhamento do governo, da coordenação da máquina. Não tenho dúvida de que estamos aprimorando o processo de nosso parlamentarismo.

ISTOÉ – E a briga pela liderança do governo no Senado (o governo prometeu o cargo para o PMDB e convidou o senador Fernando Bezerra, do PTB)?
Roberto Jefferson

Política é isso. Tem que se conviver mesmo com gente de quem não se gosta. Pelo que entendi, é um cargo que dá mais um retrato ao PTB. A decisão é do Planalto. Não estou preocupado com cargos, mas com quadros. Eu preciso que o PTB cresça colocando o retrato do partido na galeria e Fernando Bezerra, assumindo a liderança, dá visibilidade às ações do PTB. Se o PMDB quiser brigar, aí nós vamos brigar, mas é uma disputa democrática. Não ganhamos um ministério, mas queremos fazer agora o líder do governo no Senado.

ISTOÉ – E se perder o cargo?
Roberto Jefferson

Vamos ficar entristecidos, vamos nos sentir injustiçados. Pode gerar uma convicção que não queremos ter: a de que só se arranca espaço na pressão. Queremos fazer isso conversando.

ISTOÉ – O sr. falou pouco em Lula e muito em José Dirceu. É ele quem manda?
Roberto Jefferson

Não, Dirceu tem a tarefa de coordenar as ações de governo. Agora, com a chegada dos ministros Aldo Rebelo, Jaques Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico) e Tarso Genro (Educação), democratizaram até o Politburo…

ISTOÉ – Como é a conversa com o poder?
Roberto Jefferson

O Palocci se protege, pouco conversa. Ele não se abre, não conversa com a classe política. O presidente Lula também não. Desde a posse, eu estive com o presidente três vezes, assim mesmo em almoço com os líderes. Lula não tem agenda com o Congresso. Ele não recebe um único parlamentar para conversar. O desgaste fica todo nas costas do José Dirceu, que polariza as frustrações.

ISTOÉ – Se perder em São Paulo, Lula sai derrotado?
Roberto Jefferson

Seria uma dura derrota. O PT erra ao jogar tudo na candidatura de Marta Suplicy, transformando a disputa numa eleição emblemática. Se ganhar em vários lugares, mas perder em São Paulo, ficará nítido que Lula perdeu, porque o núcleo do governo é muito paulista.

ISTOÉ – O PTB vai trocar o retrato de Getúlio pelo de Lula?
Roberto Jefferson

Lula está no caminho para ser um estadista. Antes o presidente era um general, um médico, um sociólogo, um advogado, que falavam da miséria sem conhecer o sertão, falavam da seca porque liam João Cabral de Mello Neto, Graciliano Ramos. Lula é um sertanejo, é um retirante, um operário. O Brasil mudou, votou naquele que já sofreu, e não de ouvir falar. Lula já é mais líder no continente que Fidel Castro. Esta turma do PT não precisa mais fazer Disney World em Cuba. Agora tem que mandar a turma de Cuba fazer a Disney World no Brasil. O Lula é maior que Fidel – sem paredão, sem revolução, sem uniforme e sem pistola na cintura. Do Fidel, Lula só tem a barba.